Não há nobreza senão no proletariado e na aristocracia. E não há inteligência em negar as estratificações que se conhecem pelos nomes consagrados. Isso deve ser dito, aqui no início, porque tornou-se moda negar não apenas a existência de classes, mas a própria classificação e sua terminologia própria.
Convém ainda anotar que classe média, como está no título, significa realmente classe média alta, porque ela pode realmente ser dividida. Dividi-la é negar o grande negacionismo patife que se instalou e oportunisticamente chamou de classe média todo um grupo heterogêneo que se aproxima tenuemente por critério de rendimentos auferidos.
É tolo por duas pessoas no mesmo grupo apenas por terem aparelhos de televisão do mesmo tamanho.
As identidades não se fazem mais fortes por similitude de rendimentos que por outros fatores mais sutis e etéreos. E o alargamento de banda de rendimentos permite colocar no mesmo saco muita gente que está distante, tanto nos rendimentos, como na instrução, nos anseios, na percepção da história.
Assim, essa estória de nova classe média é qualquer coisa de vaudeville ou então estratégia pensada para confundir. Realmente, interessa bastante à parte alta que a parte baixa acredite-se partícipe de um mesmo núcleo de aspirações e não perceba a realidade: a luta. Não há sucesso maior que fazer o oprimido acreditar-se em comunhão com o opressor.
Neste ponto, entrego-me à uma lástima antiga, que sempre me assalta quando penso no Brasil: não há liberais clássicos neste país, exceto por um e outro isoladamente, que recebeu por herança o pensamento juntamente com os bens. Resulta que quase todos os discursos liberais não passam de desonestidade e insuficiência intelectual.
A tal classe média alta deu para achar que faz discurso liberal, quando defende apenas a apropriação do que tem sido gasto pelo Estado com políticas de rendimentos mínimos e outras iniciativas de seguridade social. Ora, o liberalismo não postula o alargamento da desigualdade como objetivo a ser perseguido. Na verdade, o liberalismo define-se bem pela ausência de objetivos definidos; não é um programa, senão uma reunião de meios. Os objetivos têm que ser cuidadosamente disfarçados.
Essa gente, na verdade, sempre está a meio caminho de algum fascismo de defesa corporativa, talvez por nostalgia do que a fez ascender, que certamente não foram os méritos que proclamam. Têm alguma repugnância pela estética puramente fascista, mas desejam ardentemente a impressão de ordem e o assalto compacto do Estado.
As classes baixa e média baixa tampouco são liberais ou têm alguma noção mais precisa do que seja isso. Elas estão em verdadeira ebulição, vivem a mistura dos anseios de progresso material e estabilidade, ou seja, temem profundamente os retrocessos.
São a matéria perfeita para a edificação de um fascismo clássico, que permite ver o Estado a desempenhar o linchamento do diferente, a propósito de dar espetáculo em data certa. Vão em busca da técnica com empenho sincero e dedicam-se à superficialidade nas humanidades clássicas. Seu flerte com o bacharelismo jurídico gera os rebentos mais monstruosos que a sociedade vê.
É difícil conceber um acordo real e consciente entre as classes média alta e baixa, na medida em que não comungam de interesses e de identidades na medida do que a parte de cima quer fazer crer. O acordo é possível a partir de inverdades e traição pura e simples a posteriori. Em bases claras, não vai adiante porque ninguém o aceitará.
Curioso é perceber que a parte alta vem apostando em alguma sinceridade narrativa, nestas vésperas de eleições presidenciais, o que significa dizer que postula abertamente a cessação das políticas de redução das desigualdades sociais. Ora, estas políticas beneficiam as partes mais baixas, o que implica a necessidade de enganá-las para apoiarem a supressão do que as beneficia.
De qualquer forma que se olhe esta tentativa, há que reconhecer que carrega boa dose de audácia e crença na burrice alheia.
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