Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

O reino dos meios, ou a caixa vazia que nos encanta.

O Enterro do Conde de Orgaz, em imagem não-HDMI, não-blu-ray, não…

Se aqui fosse o local adequado, eu exporia minhas culpas por certas perversidade que cultivo em potência, fechadas na minha cabeça.  Portanto, nada de culpas, somente as idéias.

Por exemplo, se eu pudesse, andava com equipamentos para fazer provas cegas de vinhos. Então, sempre que estivesse entre médio-classistas faladores de vinho, eu poria os copos – todos iguais – na mesa, e as garrafas – todas iguais e sem rótulos. Encheria os copos até à metade, uns com o vinho seco mais ordinário que exista e outros com vinhos mais caros e até uns com os caríssimos.

Ofereceria, primeiro, os mais ordinários e me deliciaria com os provadores exultantes da sua capacidade de saber que era uma bebida de má qualidade. Estariam seduzidos, os provadores, e agora auto-confiantes de suas capacidades gustativas. Então, eu poria os médios e superiores e a coisa resultaria em pessoas com vontade de me assassinar como a um porco, sangrando-me no pescoço. Não daria tempo nem de rir, teria que sair correndo sem os copos.

Bebem-se rótulos e compram-se siglas, essa é a constatação. O negócio das siglas vem a propósito dos formatos de reprodução de imagens. Há televisões de plasma, de LCD, imagens Blu-Ray, HDMI, 3 D, mil maravilhas tecnológicas, enfim. Uma prova cega, aqui, não seria má idéia, também.

Os meios são glorificados por quem despreza em muito os conteúdos. Apreciando os meios, as pessoas tentam apropriar-se da imagem de cultivadoras dos conteúdos, e disfarçam sua incapacidade para a matéria exaltando os instrumentos que a podem modelar. Não digo que as técnicas sejam pouco interessantes, que elas são e há os especialistas. Digo que o consumidor, esse nada entende, senão superficialmente, tanto das técnicas quanto de suas potencialidades.

Já se imaginou se alguém pudesse conversar com Domenikos Theotocopoulos, o cretense que os castelhanos chamavam El Greco, miraculosamente ressuscitado, e se pusesse a falar com ele sobre as fibras das telas e os pigmentos das tintas? São assuntos interessantes esses, mas essa breve ressureição do Grego, gastaria ela o interlocutor a falar disso? Nem uma palavrinha sobre o Enterro do Conde de Orgaz?

Pois essa constante Páscoa de ressureições são as reuniões médio-classistas. Tente falar de um Antonioni sem algum preâmbulo da televisão HDMI.

4 Comments

  1. Olívia Gomes

    A tela é belíssima! Quanto a legenda, não consigo para de rir quando leio.

    Ainda, quanto a classe média, se alguém inventar uma TV com menos tecnologia do que as atuais e disser que é melhor do que estas, ela logo passará a ser a mais nova maravilha do mundo moderno, dessas que ninguém pode ficar sem.

    A classe média é ignorante, no sentido de não saber, e é acrítica.

  2. Severiano Miranda

    Rapaz, a propósito dessa pegadinha dos vinhos, não precisa ir tão longe, no caso mesmo das TV’s, essas siglas todas tem que se encaixar, de forma que existem TV’s de 40″ com resoluções variantes. E além disso, o sinal recebido (ou o aparelho ligado a TV) tambem tem que ser compativel com a mesma sigla. Ou seja, compra-se a TV banbanban, sintoniza-se um canal qualquer e diz-se: “-NOSSA, OLHA QUE BOM”, não é bom, é a mesma coisa (caso a sigla não esteja presente)… Próxima vez que se vires numa situação semelhante, pode jogar a isca, “Que imagem boa, não?”, e vai escutar um discurso de alguns minutos sobre “o nada” maravilhoso… Ninguem presta atenção nas siglas, só no tamanho do William Bonner no final do dia…

  3. andrei barros correia

    Severiano,

    A pegadinha do vinho, falta-me coragem para fazê-la. Pensei nela, porque é uma variante de uma piada que vi algumas vezes. Um tio meu, homem de espírito refinado e provocador, na época da festa de importações dos anos 90, fazia o seguinte:

    Nesse tempo, os brasileiros voltaram à moda dos vinhos e todos achavam chique beber vinhos, embora a maioria entendesse nada de vinhos e talvez nem gostasse.

    Mas, o fato é que ninguém tinha coragem de dizer que não entendia ou não gostava. Então, ele comprava vinhos portugueses e franceses, que nós tomávamos esporadicamente. Não jogava as garrafas fora.

    Enchia de vinho de qualidade inferior e servia em jantares, que eram relativamente frequentes, a convivas médio classistas deslumbrados. E todos se derramavam em elogios. Difícil era controlar a vontade de rir.

  4. maria

    kkk,dá realmente vontade de rir…

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