Um mercado, outra iguaria e a identidade de um povo.
De início, um sincero pedido de desculpas ao editor do blog. Problemas de conexão e algumas turbulências retardaram, em muito, a pontualidade dos textos.
Continuemos…
Ainda em Cusco, dispomos-nos a fazer rafting. Como desconheço algum termo em português que traduza a expressão, chamarei de insanidade, afinal, percorrer um arredio rio, sobre um bote inflável, ao alvedrio de frias correntezas, não me pareceu um sinal de inteligência. Fomos, mesmo assim, e gostamos muito do feito, pois vislumbramos belíssimas paisagens.
Para realizarmos a proeza, viajamos de carro, com mais dois guias, a um povoado próximo – que infelizmente não recordo o nome – onde tomamos café-da-manhã, em um mercado popular.
O mercado era muito parecido com as feiras livres que eu estava acostumado a visitar, geralmente, aos domingos, em Campina Grande. Tinha de tudo! Como fala um querido amigo, só não tinha o que estava faltando, o resto sobrava!
Tecidos, confecções, artesanato, especiarias, carne de variados tipos e curiosas espécies de milhos e batatas. Para mim, uma maravilha diante da diversidade desconhecida. Sequer hesitei ante o convite de um dos guias para experimentar outra iguaria… sopa de crânio de cordeiro.
Era um caldo ralo, picante, com pequenas batatas submersas e uma saborosa carne. Para nossa sorte, Leila – ao se deparar com parte da mandíbula do ovino em meu prato e diante dos primeiros indícios de náusea – foi caminhar pelo mercado e registrou as imagens que ilustram essas linhas.
Os frequentadores do mercado eram pessoas simples – pobres talvez, miseráveis jamais – em sua maioria agricultores e/ou pastores. Todos, sem exceção, silenciosos – ótimo sinal de educação – e gentis. Uma gentileza serena e sorridente, realçada por roupas coloridas. Gritaria não havia, caixas de som a estuprar tímpanos muito menos. Simpatia, afinal, não precisa vir acompanhada com barulho.
Retornamos a Cusco. Na cidade, além dos turistas, os índios se destacam. Todos os nossos guias eram cusquenhos, quéchuas conhecedores da história e orgulhosos do que foram e, principalmente, do que são. A estatura mediana, o formato triangular e as faces vermelhas são motivos de altivez, sem deselegância. E os cabelos?! Como são belos os cabelos daquele povo! Deixaria qualquer madame da avenida Paulista indignada com o brilho natural dos fios.
A identificação chama a atenção e conduz à lembrança de uma unidade cultural a que não pertencemos. Não pertencer não nos torna melhores ou piores, torna-nos apenas diferentes. O problema e o sinal maior de arrogância é desconhecer a identidade e se julgar cidadão do mundo, por fazer compras esporadicamente, em estabelecimentos sem tributação.
Uma jovem guia cusquenha falou com orgulho, mais uma vez, do seu povo. – Somos vencedores da altitude e da ganancia e, ainda por cima, somos belos. Esta cor e estas bochechas rosadas não se encontram em todo lugar, brincou. – Alguma pergunta? Alguma dúvida? Meu número de telefone?! Sou solteira, disse ela!
Arrancou, assim, o sorriso de todos e se despediu, alertando, subliminarmente, que precisamos conhecer quem somos, verdadeiramente.
Bira,
Eu conheço essa mulher da segunda foto. A do lado esquerdo. tirei uma foto com ela! Ela usava essa mesma roupa! kkkkk
Muito boa crônica e ótimo fechamento.
Tambem gostei muito do “só não tinha o que estava faltando”… na feira.
Pelos comentários do cronista, o Peru é bem mais parecido com o México, por onde dei umas andadas, do que com o Brasil, com a grande vantagem de não se ter a sensação de onipresença dos traficantes que se sente na expressão de medo e desconfiança “do povo mais povo” do México.
As mexicanas, também já estão pintando os seus lisos cabelos de louro e enganam até serem vistas de frente.
Que as peruanas não evoluam para esses maus costumes importados pelas mexicanas dos vizinhos EUA.
Uma amiga portuguesa, doutora em arqueometalurgia, disse-me certa vez que os índios brasileiros, diferentemente dos nativos do Peru e do México, por exemplo, eram muito atrasados e foram dos poucos povos no mundo que não tinham desenvolvido a metalurgia até os anos 1500’s.
Parabens ao cronista Ubiratan pela coragem com o “rafting” (a propósito, raft em inglês significa “bote salva-vidas”) e com a leveza e grande poder de captação do essencial em um texto bem agradável de ler.
Bira, tenho que conter-me ao comentar o que me chama atenção, para não me alongar, nem me tornar demasiado repetitivo.
O barulho, ou melhor, a falta dele! Porra, nós vivemos imersos em barulho aqui no Brasil. Em todos os locais, a propósito de qualquer coisa.
Nem falo de qualidade, que isso tem larga margem de preferência individual, de subjetivismo. Falo do volume e da difusão absoluta.
Nunca percebi nada igual, em qualquer local em que tenha estado, excepto, é claro, aqui.
Olívia, ela lhe mandou lembranças! hahahaha Achei muito bacanas as roupas das peruanas.
Sidarta, obrigado pelas palavras gentis. Em Lima, os cabelos loiros já chegaram, infelizmente. Em Cusco, pelo menos, eu não os vi.
A herança dos peruanos pré-hispânicos é absurdamente impressionante. Não imagino que os índios brasileiros tenham conseguido conquistas e técnicas semelhantes.
Não sei se você conferiu os outros textos, mas comentamos que a sensação de insegurança inexiste no Peru. Não há qualquer receio de violência! Para mim, que não havia saído antes do Brasil, é uma sensação maravilhosa.
Para o “rafting” basta coragem para subir no bote, a correnteza faz o resto! Hahahaha Obrigado pela tradução.
Andrei, você está certo. A violência sonora que vivenciamos aqui é foda mesmo!