Este não é um texto religioso. Não é contra nem a favor de qualquer dos monoteísmos de raiz semítica. Eu, que o escrevo agora, acho-os, esses monoteísmos, limitantes e pouco originais. Na verdade, converteram-se em tentativas de apreensão do irracional pelo racional e em meios de controle social e político. Não advogo, tampouco, a causa dos misticismos ou das inúmeras gnoses, não se trata disso.
O caso é que uma coisa pode ser dita de várias formas. E, no dizer, as formas são causas materiais do próprio discurso. Não seria assim, caso não pensássemos a falar connosco, assim como um computador, que entende-se com o usuário por uma linguagem e com ele mesmo por outra. Eu falo comigo e contigo pela mesma linguagem, daí que as formas dela são também matéria.
A ressurreição dos vivos e dos mortos, desenvolvida com sutilezas em Paulo, está anunciada sem elas em João 6:40: e eu o ressuscitarei no último dia. Claro, no último dia nem todos terão já morrido, então os vivos ressuscitarão. É um problema tremendo esse, que talvez resolva-se pela transformação – metanoia. Mas, não cuido dele aqui.
Mais concreto é o problema da ressurreição dos mortos, porque a morte implica decomposição e é real. Tão real que o Galileu, para evitar mal-entendido, afirma que Lázaro morreu. Realmente, conforme o texto de João, as coisas encaminhavam-se para a má-compreensão, com a utilização do termo dormiu.
O Galileu era inteligentíssimo. Se Lázaro dormia, não tinha morrido. Se não tinha morrido, não seria ressuscitado! Logo, Lázaro morreu, sem eufemismos, nem metáforas.
A ressurreição dos mortos é racionalmente admissível, inclusive sob uma perspectiva materialista, porque descompor-se é diferente de desaparecerem os elementos componentes. Esse desaparecimento, dizem-no a física e a biologia, é impossível. Então, é inevitável a terrível conclusão: as objeções que se lançam sob o manto do materialismo são, na verdade, objeções de fé!
São objeções quanto às causas eficientes desse reajuntamento, para recorrer ao modelo fácil de Aristóteles. Não há propriamente limitações materiais, nem formais, haveria, sim, um problema de motor não movido. E, posto assim o problema, ele persiste insolúvel sob a perspectiva do provável e do improvável.
Todavia, o modelo é fechado e um tanto arbitrário, pois Aristóteles não postulou qualquer hierarquia entre as causas. Ofereceu uma linguagem, uma maneira de apreensão de atos e fatos. O modelo não é uma verdade, enfim. Todas as causalidades podem ser arbitrárias ou mesmo axiomáticas.
O Profeta de Meca propôs, na Surata nº 36, Versículo nº 78: Quem poderá recompor os ossos, quando já estiverem decompostos? E, no Versículo nº 79, da mesma Surata: Dize: recompô-los-á Quem os criou da primeira vez.
Quanto à ressurreição dos vivos, o argumento é que “no último dia nem todos terão já morrido, então os vivos ressuscitarão”.
Se isto for correto, o que dizer de Jo 6,54, segundo o qual teria dito Jesus de Nazaré: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”? Ora, para quê ressuscitar então, se já se possui a vida eterna?
A literalidade do texto traduzido para o português, como se vê, aponta para necessidade de interpretação de expressões ricas de significado espiritual, principalmente se levarmos em conta a língua em que foi escrita e o público alvo da narrativa, se judeus ou pagãos helenizados.
Assim, em primeiro lugar, deve-se dizer que o termo ressurreição, do ponto de vista físico, dirige-se propriamente aos mortos. Como relata Jo 5, 28-29: “Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos OS QUE SE CAHAM NOS TÚMULOS ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo.”
Por outro lado, espiritualmente, ensina a igreja Católica que “Se é verdade que Cristo nos ressuscitará ‘no último dia’, também que, de certo modo, já ressuscitamos com Cristo. Pois, graças ao Espírito Santo, a vida cristã é, já agora na terra, uma participação na morte e na ressurreição de Cristo:”
Ensina, por fim, “Na morte, que é separação da alma e do corpo, o corpo do homem cai na corrupção, ao passo que sua alma vai ao encontro de Deus, ficando à espera de ser novamente unida a seu corpo glorificado. Deus, em sua onipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível a nossos corpos, unindo-os às nossas almas, pela virtude da Ressurreição de Jesus.”
Como resulta do que disseste, Daniel, a ressurreição dos vivos é complicada. Digo conceitualmente complicada, porque é preciso que já tenham começado a ressucitar, devido à comunhão com o Galileu.
Tu sabes que aqui não se trata de objetar por objetar, que nossas conversas sempre foram profícuas e pacíficas nesse tema.
Mas, complicado para mim é o que resulta de muitas muletas lógicas e retóricas, como é o caso da ressurreição dos vivos, de que, inclusive, cautelosamente não me propus a tratar.
A dos mortos é mais fácil de apreender. Inclusive – e aqui está algo que me pareceu interessantíssimo – não significa qualquer dificuldade conceitual física ou biológica.
É questão de haver ou não um criador. Se há, ele que pode fazer, pode refazer. Nisso achei a beleza das Suratas do Corão.
Grande abraço e dê notícias
Olá, Gaúcho.
É que desta vez não resisti ao título provocativo do texto (hehehehehe), principalmente quando se sabe haver versão de que Maomé teria bebido de fontes judaicas e cristãs antes de expor sua doutrina.
De toda sorte, não sei de onde tu tiraste esta “ressurreição dos vivos”. Pela leitura dos textos bíblicos e de fontes honestas de pesquisa histórico-teológica não há qualquer referência. Assim, ainda não consigo perceber as tais muletas.