Direitismo e esquerdismo nada têm, conceitualmente, com banditismo ou mediocridade. Têm com idéias sobre a produção e a repartição dos rendimentos dos fatores de produção empregados, entre seus detentores.
Assim entendidos, em uma quase impossível pureza conceptual, tornam-se categorias ontológicas inconfundíveis com outras, como a moralidade, por exemplo. Claro que a substância teórica de uma e outra ideologia terá aqui e ali aspectos de outras categorias, mas não haverá confusão ou identidade de coisas.
Claro também que direitismo e esquerdismo tomados na sua face teórica são realidades puramente conceituais e que as ações que neles possam-se inspirar serão coisa diversa das mesmas ideologias. Aqui não falo, nem pretendo referir-me ou convidar àlguma abordagem weberiana.
Quero dizer que a ação política inspirada por uma e outra linha ideológica são práticas diversas das inspirações, porque umas são atuações e outras são pensamentos. Assim entendidas as ações, fica ainda claro que ambas podem ter suporte nas teorias em sua mais elevada formulação, ou em substratos dispersos e medíocres, sem reais conexões com os conceitos.
Podem ainda as atuações políticas inspiradas por uma e outra corrente ideológicas desviarem-se para o ilícito, para a mentira. E não há, teoricamente, algo que permita apontar uma inclinação maior ou menor de uma ou outra pelo ilícito, pelo jogo sujo.
Uma publicação como a revista Veja é, antes de tudo, um amontoado de mediocridade, de mentiras, de jornalismo seletivo, de anseio por produzir a imbecilização coletiva. Fixado um propósito, servindo àlgum interesse que a pôs a soldo, faz qualquer coisa que repute necessária à consecução dele.
Pouco importará se afirmará conclusões sem a mínima base fática, pouco importará se lançará o opróbio público sobre quem se sabia ser inocente das acusações, pouco importará se escolherá aspectos fora de contexto para formar uma acusação, pouco importará, afinal, a mentira.
Importará que sirva aos desígnios escolhidos, ainda que passe muito longe do que é jornalismo, embora insista em dizer que está a fazê-lo. Não é um meio para informar, é para incutir uma crença, sob a aparência de extrair conclusões válidas de fatos. Mas, geralmente, fatos não há. E quando deles há, são, ou deformados, ou partidos em sub-fatos cuja dispersão faz um quebra-cabeças impossível de ser montado.
A publicação pensou ser útil ao disfarce de sua infâmia fazer seus defensores – os sabedores da estratégia e os simplesmente bobos e mal-intencionados suficientemente para tomar para si a missão de difundir a tolice – defenderem que se trata de ideologia e moralidade.
Essa estratégia pode revelar-se perigosa para ela, porque identificando mentira, mediocridade e agressividade sem provas com postura ideológica direitista e moralista está a identificar uma forma de pensamento com a estupidez e a brutalidade. Depois de feito o estrago, não quererão ocupar-se em desfazê-lo ou não serão capazes.
Prestam um enorme desserviço à evolução institucional do país, porque não convém que se identifiquem mau-caratismo e falso moralismo com direitismo, porque conceitualmente não se identificam mesmo. Mas, é a trilha que seguem e estimulam seus prepostos, pagos e voluntários, a difundirem essa identificação, como se fosse uma justificativa.
Ora, duas pessoas de ideologias diversas, mas com o mesmo nível de conhecimentos, prezadoras do pensamento aberto e honestas intelectualmente vão entender-se sem precisarem jogar sujo uma contra a outra. As ocasiões em que um direitista e um esquerdistas que preencham os requisitos mencionados encontram-se e conversam sem problemas são muito maiores que se supõe.
Contrariamente, raras serão as oportunidades em que um direitista ou um esquerdista esclarecidos e honestos intelectualmente entender-se-ão com um selvagem do vale-tudo, ignorante das teorias e, principalmente, desonesto nas suas posturas consigo e com os outros. As proximidades, na verdade, só dão-se entre semelhantes e, entre patifes, por exemplo, não há amizade, mas cumplicidade delitiva. Um e outro ensaio de Montaigne vai bem a este propósito.
O grupo do vale-tudo, nos média e em outros setores, não é necessariamente conhecedor ou professador incondicional de alguma ideologia identificável. Há, no Brasil, vastas porções de grandes patrões – presumivelmente mais inclinados a uma ideologia direitista, portanto – que não se dispõe a ler o amontoado de mediocridades de uma Veja.
Simplesmente porque seus interesses financeiros e suas inclinações ideológicas não passam necessariamente pela agressividade mentirosa de neo-convertidos, esses que precisam ser mais violentos que aqueles no seio de quem vão ter, para provar a fidelidade da adesão ao vale-tudo.
Daí que o ambiente atual nos média brasileiros não se explica simplesmente por um corte entre direita e esquerda, mas por um corte mais profundo entre estupidez, mentira e mediocridade, de um lado, e jornalismo, de outro.
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