Aqui não vai comentário sobre o Lobo Antunes, ou sobre O manual dos inquisidores. Vai uma transcrição de um trecho esplêndido. Um trechinho de algo que me chamou a atenção por identificação. Ninguém percebe que os finais do dia, os escurecimentos, têm uma existência própria, uma cor própria, temperatura própria, que cores e sons e tatos misturam-se?
Pelas tantas, o furriel Tomás entra a dizer o seguinte:
… no momento em que o escuro impedir de nos vermos um ao outro esqueça-me que eu faço a mesma coisa: do meu lado e pronto, assunto resolvido, continuo a tratar das hortaliças em sossego, continuo a envelhecer em sossego, já reparou no brilho dos legumes se anoitece, na cintilação do limoeiro, como tudo se torna nítido e claro antes das trevas, o contorno dos telhados, o contorno das janelas, a vibração de susto de água nas cortinas, uma fissura microscópica da parede ou uma minúscula nódoa de grelado agora enormes e nas quais nunca tínhamos atentado, já reparou como os sons e as vozes mudam de cor, íntimos, vizinhos, inquietantes, como parece que habitamos uma redoma de silhuetas e de ecos…
Pára mim não é assim quanto à nitidez das coisas, mas é assim com o restante e com o que não foi dito no trecho acima. É assim que são os escurecimentos…
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