Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

O estelionato verde deu resultados. Eleições presidenciais no segundo turno.

A candidata Marina Silva fez por José Serra precisamente o que os estrategistas dele pensaram: evitou a vitória de Dilma Roussef no primeiro turno das eleições. Inteligentemente, os meios de comunicação a serviço de José Serra investiram na candidatura eco-farsante, que atingiu quase 20% dos votos válidos e possibilitou que Serra, com votação à volta de 32%, fosse à segunda volta.

Dilma deve vencer, afinal, ainda que os votos de Marina dividam-se ao meio. Não creio, todavia, que a divisão seja nessa proporção. Uma parcela dos eleitores de Marina apoiou-a por vergonha de serem claramente udenistas e votarem em Serra. Agora, essa vergonha está ultrapassada.

Uma parcela maior será mais dificilmente cooptada pelas hostes udenistas, mesmo que Marina declare apoio formal a Serra, o que é provável ocorrer. Ela não ignora o papel que desempenhou e as gratidões que deve ter. Mas, é um pouco complicado para os eleitores dela compreenderem uma postura frontalmente contrária ao lado em que esteve até há bem pouco.

Marina terá que apostar tudo em Serra, porque, do contrário, esvai-se sua densidade eleitoral rapidamente, posto que construída com mais que seu discurso vazio, baseado em uma aparente sofisticação que consiste em quase nada. Na verdade, esse forte desempenho deve-se mais ao forte apoio mediático e isso perde-se tão rápido como se conquista, quando é instrumental.

Não parece que os eleitores de Marina que se podem dizer convictos tenham saudades do modelo fernandino que Serra representa. Daí, esses votos assemelham-se mais aos de Dilma que aos de Serra. Claro que a obtenção de mais vinte dias para bombardeio mediático incessante vão dar esperanças ao neo-udenismo.

Mas, convém observar o quadro total das eleições. Os maiores representantes do modelo neo-udenista foram extirpados nessas eleições, o que é bastante significativo.

O ex-senador mais agressivamente contrário a Lula – um indivíduo que nunca recuou do arrogante e do descortês – está sem mandato, porque o povo do Ceará não o quis reeleger.

Um dos mais agressivos e certamente o mais patético dos ex-senadores contrários ao Presidente – um indivíduo que chegou a dizer que daria uma surra no Lula – não deve eleger-se, porque os amazonenses não o quiseram mais.

O arenista mais longevo do país, um ex-senador e ex-vice-presidente da república – discreto e não merecedor de acusações de agressividade ou descortesia – foi rejeitado pelo povo pernambucano de forma muito eloquente.

Um ex-senador, herdeiro do homem mais truculento dos últimos 40 anos de história política do Brasil, foi rejeitado maciçamente na Bahia.

O líder maior do único partido com ligação histórica direta com a última ditadura militar – partido que tem a vantagem de ser declaradamente direitista – e que se supunha crítico mordaz do governo de Lula, foi rejeitado pelo eleitorado do Rio de Janeiro.

O farsante pseudo-intelectual verde que disputou a eleição para o governo do Rio de Janeiro amargou uma derrota por diferença maior que quarenta por cento dos votos daquele Estado.

Esse quadro permite ver que a segunda volta é uma eleição mais nacional do que o segregacionista José Serra gostaria que fosse. O novo líder das oposições no país será o razoável Senador Aécio Neves, um homem – aqui o lugar comum é inevitável – que tem as virtudes mineiras. Ele sabe que o Brasil não é São Paulo apenas.

Os apoios de José Serra para o segundo turno serão os de sempre. Uma ou duas revistas semanais, três jornais e algumas TVs, o que é muito. Mas, os votos são das pessoas.

9 Comments

  1. João Ezaquiel

    Discordo deverás da visão “discurso vazio” dos verdes. Muito pelo contrário existe muito mais que essa campanha chapa-branca foi capaz de mostrar.

    Se a candidatura de Marina beneficiou Serra, ela poderia ter sido muito melhor nesse feito. Marina sabe de todas as porcarias que acontecem dentro do governo de Lula e, principalmente, sabe do tremendo ônus ambiental que a proposta desenvolvimentista cega traz. O que ela fez na campanha? Nada. Usou um discurso vazio, tenho que concordar, mas isso não implica que o voto na proposta verde seja inconsistente, ou incoerente. Existem pessoas cansadas desse sistema de crescimento estúpido que não valoriza a qualidade de vida (e isso dentro de uma perspectiva antropocêntrica, com a qual eu não comungo), valoriza os números da economia e só (o povo pode estar sofrendo todo dia enquanto os indicadores estiverem bons).

    Achar que o crescimento de Marina se dá por construção midiática é uma análise parcial. Existe um movimento de inconformismo com a situação atual de modelo de desenvolvimento (e não de modelo econômico, infelizmente). Esse é o grande combustível do avanço dela. A pressão midiática só pôde florescer nesse terreno propício.

    O problema é ver que todo o crescimento de Marina já se dá contaminado pela estrutura partidária nefasta que temos. O PV é um partido vendido, inclusive ideologicamente. O estelionato verde nesse caso é do partido, não da ideia. Fica mensagem que a agenda ambiental vai ganhar força no país.

    Agora é hora de fazer campanha pra Dilma. Serra representa um atraso que não deve se repetir.

    (E, para deixar claro, voto no PSOL)

  2. Andrei Barros Correia

    Acho que concordamos mais que discordamos, João Ezaquiel.

  3. Daniel Maia

    Apenas acrescento, e discordo, que o tal existente “movimento de inconformismo com a situação atual de modelo de desenvolvimento” tenha sido o real responsável pelos votos alcançados por Marina.
    Na realidade, estes se devem mais a uma rejeição pessoal aos dois primeiros colocados, num primeiro momento, do que por qualquer “ideologia verde”.
    Apesar de pretensamente elevada a tentativa de discutir as eleições nacionais no âmbito das idéias, a massa que vota e que decide as eleições está muito distante de fazer suas opções apenas por meio deste tipo de discurso.

  4. Julinho da Adelaide

    Andrei. Vou te contar como a questão religiosa funciona para muita gente. Conheço uma pessoa que ganha salário mínimo como porteiro e sua esposa idem como doméstica. Ele me contou que ela, evangélica, todo dia se dirigia ao dono da casa em tom jocoso e dizia a ele que já tinha limpado “seus bonecos”, se referindo aos santos que ele possuía em casa. Um dia o homem “arretou-se” e mandou ela embora. O marido arretado com ela por perder parte de renda que pra eles era importante e ela se gabando por chamar os santos de boneco.

  5. João Ezaquiel

    Julinho lembrou algo importante que eu esqueci. A danada da religião da Marina. Aqui em Pernambuco o mais votado foi um pastor. Isso é preocupante, muito preocupante. Não é difícil analisar parte dos votos de Marina por esse lado. Existem muitos evangélicos por ai, que votam em quem o pastor mandar.

    Daniel, muita gente que votou em Marina não é a massa que, por exemplo, votou em Dilma. Acho que a maior parcela dos eleitores de Marina é classe média alta, pessoas da minha família, faculdade, amigos, muita gente votando em Marina. Lógico que temos a rejeição como um fator importante, muito mais para Serra que Dilma, mas a ideologia verde tem um bom peso.

    Mas eu agora fico me perguntando até onde a religião aumentou os votos de Marina. E fico me perguntando quais os perigos disso.

  6. Daniel Maia

    Ezequiel,

    Para além das cogitações, estou de acordo quando você diz que parcela considerável dos votos da Marina provieram da classe média e classe média alta.

    Ora, mas isso não exclui o que eu disse. Nenhuma das pessoas que conheço e que nela votaram me confessou estar inconformado com o atual modelo de desenvolvimento!!

    Não esqueçamos que, neste ponto, propriamente ideológico, a classe média se insere perfeitamente no movimento de massa, de modo que o discurso “verde” é mero adorno e não essencial para a aproximação com o candidato.

    Assim, ouvi de todos os votantes de Marina que sua escolha se dava mais por rejeição à Dilma (PT, corrupção etc), e/ou por questão religiosa.

    Quanto a José Serra, aquela mesma rejeição já estava implícita. Ideologia, portanto, nunca foi o mote.

  7. andrei barros correia

    Prezados, abstraindo-se inicialmente das motivações dos votantes em Marina, que são as mais diversas, observo que ela foi promovida mediaticamente, na reta final.

    Esse foi um movimento estratégico da campanha de Serra e ela não o ignora, porque não é ingênua a ponto de considerar sem razão uma súbita adoção pela imprensa.

    Então, recorro aos vossos comentários para afirmar que é possível que ela tenha sido cooptada e possa entregar o que prometeu. Não pode, todavia, comprometer-se a entregar os votos que recebeu. Ela pode dar-se, mas não aos votos que recebeu.

    Até porque o votante que tem raiva de bonecos pode ver em Serra um boneco também.

    O que rejeita a todos, nessa histeria moralista difusa – outra vertente da estratégia de despolitização e do todos são iguais – pode continuar a rejeitar os dois contendores do segundo turno e votar nulo.

    O que fica, realmente, é uma parcela do eleitor de Marina que na verdade é UDN chique e envergonhada com a marca original. Esse vai de Serra, evidentemente, mas é uma parcela pequena.

    O eco-sincero não udenista vai de Dilma. Então, quer-me parecer que o espólio será dividido em partes iguais, na pior das hipóteses e aí Dilma vence.

    Queria concordar explicitamente com Daniel quanto a inclinação massificada. Ela independe de classe social e econômica.

  8. Julinho da Adelaide

    Recebi uma ligação hoje que me deixou mais animado. Um udenista de longas datas que conheço disse que vai votar pela primeira vez no treze. Considera que serra seria uma tragédia para o nordeste. disse que sua visão é acompanhada por város conhecidos dele. Na verdade o voto de primeiro turno para alguns carrega uma certa dose de irresponsabilidade. No segundo turno, pesando crescimento econômico, desconcentração regional, aumento do emprego privado, volta do concurso público, aumento de salário do setor público, aumento do crédito e da atividade econômica, prouni, bolsa família e tudo o que hove de avanço nos últimos anos, tenho certeza que muitos que votaram no estelionato verde pensarão com mais clareza e votarão no PT ou, na pior das hipóteses, votará em branco. Mas pra isso o pt precisa fazer política e informar às pessoas. O fato concreto é que parte dos votos perdidos pela Dilma não migrou para o serra, que tem alta rejeição. Para ganhar a eleição mantido o patamar atual ele precisa conquistar perto de 90% dos eleitores verdes o que mesmo com marina apoiando não é exatamente uma tarefa fácil.

  9. Andrei Barros Correia

    Precisamente, Julinho. O voto de primeiro turno carrega uma alta dose de irresponsabilidade.

    Muitos udenistas bem alfabetizados votarão em Dilma extamente porque coisas do tipo atriz da globo dizendo que tem medo não fala para eles.

    O cara que tem os neurônios a trabalharem articuladamente sabe que, sendo udenista, não pode ter medo daquilo de que o Roberto Setúbal não tem!

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