Leio, no Jornal do Commercio de hoje, um jornal diário de Recife, que o historiador francês Richard Marin escreveu um livro sobre o crime do padre Hosana. Fiquei curioso, pois o episódio é interessantíssimo e Marin um belo historiador. Juntamente com Bartolomé Bennassar, escreveu um dos melhores livros de História do Brasil que existem.
Hosana de Siqueira e Silva, nascido em 1913, destinou-se ao sacerdócio pela vontade da família, originária da região agreste do estado de Pernambuco e de situação social mediana. Não eram pobres, enfim. O padre teve dificuldades para ordenar-se, o que suporta as teses de que não tinha propriamente vocações eclesiásticas.
Mas, essa questão das vocações deve ser observada com bastante cuidado, pois o catolicismo romano tornou-se, a partir da segunda metade do século XIX, mais rigoroso com a uniformidade doutrinária e comportamental, gerando descompassos com os hábitos consagrados e, principalmente, com as religiosidades de matriz popular e mística. No caso de Hosana, o descompasso nada tinha com alinhamentos ao catolicismo popular, mas com a relativa liberdade sexual que tinham os párocos.
Ao que tudo indica, Hosana tinha vida sexual ativa e relacionava-se com uma prima sua. O caso não gerava qualquer escândalo na sua paróquia de Quipapá, pois obedeciam à regra de que o escândalo decorre da propagação dos fatos, não deles em si. Quem lembrar-se do padre Amaro, de Eça de Queirós, estará a ver o perfeito exemplo da configuração escandalosa desses comportamentos afetivos dos padres. Poder, pode, mas não deve ser abertamente praticado.
O Bispo de Garanhuns, sede episcopal a que Quipapá estava vinculada, Dom Expedito Lopes, tomou conhecimento das aventuras amorosas do padre Hosana e não gostou. Cioso da missão de evitar o escândalo e zelar pelo cumprimento do voto de castidade, instou o padre a desfazer-se de suas companhias do sexo feminino. Parece que o padre tomou a coisa toda na conta de perseguição, relativamente a fatos que não suscitavam desaprovação social.
Dom Expedito não se contentou com os trâmites burocráticos ditados pela legislação canônica e, incoerentemente com a rejeição ao escândalo, voltou-se contra Hosana publicamente. É significativo que tenha feito até mesmo pronunciamentos na rádio de Garanhuns, trazendo ao conhecimento geral o que, a princípio, estava no âmbito de um processo formal. Creio – é só o que vai de opinião aqui – que o Bispo encantou-se com as potencialidades da comunicação de massas e minimizou a honorabilidade do padre.
Tudo já estava encaminhado para a suspensão de ordens do sacerdote pecador. O tratamento mediático da questão parece ter mexido com os brios do padre Hosana. Em julho de 1957, ele dirige-se à sede Episcopal de Garanhuns, onde é recebido pelo Bispo; discutem e o padre saca de um revólver e desfere três tiros em Dom Expedito, que morre a seguir. O padre entrega-se à polícia e aguarda julgamento.
Foram três julgamentos a que se submeteu Hosana de Siqueira. Os dois primeiros absolveram-no, em decisões soberanas do júri popular. Foram anulados e fez-se um terceiro, que resultou na condenação a dezenove anos de prisão, em 1963. Obteve, cumpridos cinco anos da pena, um livramento condicional.
Essa estranhíssima trajetória teria ainda um episódio sem explicações. O padre Hosana foi assassinado aos 84 anos, a golpes de porrete, nas suas terras, para onde havia se recolhido.
É impossível não lembrar, novamente, do Padre Amaro, a propósito das conveniências e inconveniências dos padres terem vida afetiva. Não lembro e não vou pesquisar agora em googles da vida o nome do padre velho da aldeia em que se instala Amaro. Mas, lembro-me bem do momento em que o sacerdote velho adverte o novo de que a questão não era os padres terem, ou não, mulheres, a questão era obedecer às regras não escritas. Podia, sim, ter mulher, como ele, o velho sempre tivera, mas não podia ficar às piscadelas de olhos, aos namoricos, às escapadas sorrateiras, a descuidar das coisas de padre para pensar somente nas de namoro.
O sistema que se praticava então, principalmente nas localidades pequenas e mais afastadas dos bispados, funcionava bem. Padre que queria ter mulher, tinha-na. Havia, nesses casos, aquela beata mais chegada à casa do pároco, ou a mulher do sacristão, que cuidava com muita atenção das comidinhas do reverendo, cuidava para que trouxesse as roupas limpas e andasse bem asseado. Quase todos percebiam o que se passava, mas o relacionamento em si não era motivo de escândalo, embora sua publicidade fosse.
Realmente – e aqui vai outra opinião – a imposição do celibato aos padres seculares é uma tremenda fonte de problemas!
Tinha esquecido os detalhes desta história ,minha mãe falava muito . Gostei , muito interessante.
Estou pesquisando sobre o crime do padre Hosana e gostaria de receber mais informações sobre o fato.