Proposta algo ingênua de moto contínuo.
A única política verdadeiramente ecológica que existe é de redução dos níveis de consumo de energia e de insumos naturais. É terrível, mas todos os discursos laterais, baseados em ganhos de eficiência e de sustentabilidade, não fazem mais que justificar o esgotamento natural.
Leio alguns resultados de pesquisas da EDF – Électricité de France sobre os efeitos dos ganhos de eficiência, sobretudo no aquecimento doméstico, que deixam evidente a ocorrência de efeito rebote. Ou seja, um paradoxo decorrente da evolução técnica. Como exemplo, aponta-se que o gasto médio com aquecimento residencial por metro quadrado, na França, caiu de 365 KWh para 215 KWh, entre 1973 e 2005.
Todavia, a despeito da redução no consumo por unidade de área, o total dedicado a aquecimento subiu 20%, desde 1970 até hoje. Ou seja, os ganhos de eficiência energética foram aproriados para mais consumo absoluto. Ainda segundo a EDF, a temperatura média das residências francesas passou de 19º para 21º, de 1986 a 2003, sendo que cada grau adicional representa um acréscimo de 10% no consumo de energia.
O mesmo paradoxo pode ser observado a partir dos gastos com automóveis e combustíveis. Há dados a indicar que, na França, o consumo médio de um automóvel, entre 1975 e 2008, evoluiu de 8,6 litros por cem quilômetros para 5,4, o que dá uma significativa redução de 37%. Todavia, o custo relativo de manutenção de automóvel, como parcela do orçamento familiar, dobrou desde 1970 até 2001.
Fica claro que os excedentes gerados pelos ganhos de eficiência em uso e conservação energéticas são destinados a suprir outras demandas crescentes. Aquilo que se convencionou chamar de equipamentos de conforto e entretenimento passou a absorver com enorme voracidade alguma economia em outros campos.
Se, por exemplo, a parcela destinada a aquecimento apresenta redução no orçamento de uma família, provavelmente esse ganho será consumido pelas várias TVs de muitas polegadas espalhadas por todos os cômodos de uma residência; pelos consoles de jogos eletrônicos; pelos fornos de microondas ou de resistências elétricas; pelos equipamentos de som e outros consumidores de energia que não se conheciam há pouco mais de vinte anos.
Fica patente que as economias obtidas em algumas utilizações são superadas pelo aumento absoluto no consumo de energia, em uma modalidade do paradoxo de Jevons. William Jevons enunciou que o progresso tecnológico que aumenta a eficiência da utilização de um recurso tende a aumentar o consumo deste recurso.
A situação é particularmente complicada relativamente a recursos naturais finitos. E conduz à conclusão de que a ênfase nos ganhos de eficiência pode servir apenas de desculpa ou escamoteação da raiz do problema. O problema real são os níveis absolutos de consumo, inviáveis a longo prazo.
Por outro lado, a contenção na demanda por recursos – especialmente energéticos e minerais – leva a outra questão delicada: de quem podem-se reclamar maiores contenções? Creio que precisamente de quem mais demanda recursos naturais, porque é razoável que se busque alguma equalização nessa demanda, para que as contenções, a partir de certo ponto, sejam semelhantes.
Do contrário, os povos tenderão a conflitos imensos para manter seus crescentes níveis de apropriação de riquezas naturais espalhadas no mundo. Como o anseio de consumir em geral leva à real elevação das demandas por recursos naturais que não estão distribuídos de maneira uniforme, o conflito é decorrência lógica. Fica aberta a questão da clareza com que serão conduzidos, mas sua previsibilidade é assustadora.
Daí que o carrinho híbrido da moda, com as tecnologias mais recentes, pode ser bom apenas para seu dono ir dormir com a agradável sensação de pessoa ecológica e sensível, em paz consigo mesmo e com os lugares-comuns de que é refém. Alguma economia desse maravilhoso carrinho meio elétrico será gasta em mais quilômetros percorridos ou em qualquer outra aplicação que demanda energia.
Não se pode esquecer que toda o alarde desenvolvimentista se baseia justamente na normalização do consumo em padrões norte americanos e europeus. Um mito.
Pois é. Não será possível, nem se caminha no sentido de nivelar o consumo pelos padrões mais elevados.
Nivelar os padrões é desejável, mas terá que ser por padrões inferiores.
Andrei. Falou certo. Qualquer discurso ecológico que não esteja centrado na reorientação e redução do consumo é absolutamente tangencial e diversionista.
Isso me tem chamado muita atenção: o diversionismo para evitar que se aborde o ponto central da questão.
O problema ambiental não se resume à redução do consumo.
A redução do consumo em escala global garantirá, no futuro, a convivência sem guerras por recursos básicos, uma vez que o planeta é incapaz de suprir a atual demanda humana. Esse sendo um prognóstico otimista, pois já existem opiniões um tanto quanto catastróficas em relação às mudanças climáticas e outras poluições.
A outra questão que é tão importante quanto a redução é a mudança de paradigma em relação a natureza. O ambiente não pode ser mais visto como mercadoria, como bem a ser extraído. Isso geraria mudanças nas formas de produção e relação com o ambiente, com o fim de garantir uma qualidade de vida razoável no futuro, que eu diria próximo.
Mudaria, inclusive, alguns paradigmas subjetivos e algumas balizas da vida coletiva.
É verdade, a subjetividade ainda é vista por um viés individualista, e a vida coletiva é tida apenas como um meio de realização individual, fruto dos ideais liberais.
A mudança do paradigma ambiental, ao meu ver, não pode se dissociar desses paradigma que você citou.
Espero que a mudança ocorra a tempo.
Boa discussão!
Viram os lucros anunciados recentemente pela Shell? … e a Eletrobrás quer comprar linhas de transmissão nos USA aplicando lá os lucros que está obtendo, principalmente, com as suas usinas hidroelétricas da CHESF, uns 500 milhões de dólares… de início e para sentir a viabilidade do investimento.
Ninguém parece que está se preocupando com o consumo dos seus carros (o meu já está no AA há muito tempo), ou com a conta de luz.
Pela lógica econômica doméstica, corta-se um jantar um pouco mais caro por mês e paga-se o custo do combustível da “sua amante argentina”, como dizia Jô Soares, ou da energia elétrica do seu segundo condicionador de ar categoria “B” ou “C” do PROCEL.
Já calculei há uns anos que abdicar por mês de um “filé de peixe ao molho de camarão”, um prato “classe média baixa” e de que gosto muito, é suficiente para pagar a diferença entre ter um motor 1.0 ou um 2.0 no carro; se abdicar do vinho chileno e tomar vinho brasileiro pago a energia do segundo aparelho de ar condicionado aqui de casa.
Experimentem fazer essa conta, se os seus gastos com combustivel e energia elétrica forem mesmo grandes pode ser que tenham que ter o constrangimento de cortar um prato de lagosta com Barca Velha por mês, mas ainda pode compensar.
Deduzo, assim, que combustíveis e energia elétrica estão baratos por aqui… é a comida em restaurante “melhorzinho” que está cara.
Os médicos dizem que “a clínica é soberana”; digo que “a lógica popular também é soberana”…. e só vamos ter alguma preocupação séria com conservação de energia quando essa vier a faltar mesmo e voltarmos a ser catadores de lenha para cozinhar o “filé de peixe ao milho de camarão” e termos que tomar Capelinha…. ou quando “as massas” invadirem os nosso prédios.
Assim, reverenciado camarada Malthus, percebo que a sua lei da tendência para a escassez de alimentos no mundo está demorando a se concretizar e sugiro a todos que aproveitem “os últimos dias de Pompéia”, um prognóstico que ouço há mais de 50 anos “que vai acontecer no próximo ano”.
Brincadeira, mas alguém acredita mesmo que deixar de comer carne por preceito religioso, ou deixar de andar de carro por espírito comunitário ou por solidaridade aos que não têm BMW vai ajudar em alguma coisa???
Buda não condenou a carne nem o BMW, só recomendou que nao se fizesse abuso desses prazeres; dessa maneira, e já auto-perdoado, estou procurando saber o preço de um BMW, ah,ah,ah!