Hoje, utilizam-se microfones diferentes. Nesses atuais, o microfone propriamente dito está, bem pequenino, na pontinha de uma longa e fina haste recurvada, que sai de uma base retangular. É uma forma, convenhamos, inovadora e sem a obviedade que podem ter os antigos.
Em audiências judiciais no rito informal dos juizados especiais, as falas são gravadas: do juiz, dos advogado e das partes e testemunhas. Todos os participantes têm, diante de si, um desses microfones fininhos e compridos, que parecem um cabide para pôr um casaco ou um chapéu.
Hoje, enfrentei vinte audiências de juizado, seguidas, e todas referiam-se a pedidos de benefícios previdenciários. Na nossa região, esses pedidos quase todos são de pessoas que se dizem agricultores pobres, que lavram a terra por si próprios, em regime de economia familiar de subsistência. Claro que muita gente mente e mente, desenfreadamente, e que outros tantos falam verdades, como lhes vêm as coisas à memória.
O chato da coisa são as representações, ou seja, partes e testemunhas que querem interpretar o papel que existe, mas que elas não viveram. Há, enfim, o que representa a si mesmo e o que representa o que não é. O segundo tipo é terrível; o primeiro é o que se espera e revela figuras sociais interessantes. Uma arqueologia social é possível, já que posturas sinceras são o que constitui uma base do comportamento.
O hábito perdido é o que faz o hábito estranho. O estranho vai tornando-se o comum. O estranho, todavia, ainda está enraizado, porque em relação ao novo constitui uma base de comparação.
Bem, o caso é que hoje entrou uma testemunha na sala de audiências, um senhor velho, magro, de vestes simples, ereto, de chapéu. A funcionária da justiça que o conduzia apontou a cadeira onde devia sentar-se, em frente ao juiz e ao microfone curvo, fino e longo.
O senhor sentou-se, ajeitou-se na cadeira, tirou o chapéu e o pôs no microfone. Óbvio! Aquilo era um pendurador de chapéu. O juiz, homem que não nasceu ontem e percebeu a espontaneidade da testemunha, disse-lhe que aquilo era para falar e, não para pendurar o chapéu. Disse afavelmente, como quem compreendeu perfeitamente o ocorrido, como quem conhece o anacrônico, ou seja, sabe que uma pessoa retira o chapéu quando entra em ambiente fechado, e o pendura no móvel que tem aparência de pendurador de chapéu.
Faço aqui nada mais que a homenagem ao juiz que percebeu o óbvio, coisa difícil…
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