Meu trabalho obriga-me a ler muitas coisas do gênero jurídico. São requerimentos, sentenças, recursos e outros mais textos técnicos. É penoso, evidentemente. E algumas manias mais recentes têm tornado essa atividade ainda mais cansativa do que costumava ser. Devo esclarecer que tal percepção não decorre de algum excesso de expectativa minha, que nunca supus o âmbito técnico jurídico como propício para o belo ou para as artes.
O problema é que a marcha para a obscuridade não se detém. O tempo vai sedimentando camadas de indulgência e faz-nos tolerar pecadilhos habituais. Toda uma coleção de adjetivos antepostos aos substantivos – que o jurista médio reputa um recurso estilístico – as expressões em latim, um pedantismo de escrever em língua desconhecida, que é hábito consolidado. Com isso, convive-se.
Mas a inovação impõe-se, ajudada pela inovação nos meios que são os editores de textos para computadores. O jurista dispõe da maravilha do negrito, do itálico, e do sublinhado e não perde a ocasião de utilizá-la fartamente, assim como a mulher sem noções de estética e proporção não perde a ocasião de usar a maquilhagem até fazer uma máscara.
A ênfase pressupõe que dentro de um texto há partes mais importantes que outras. Ora, se tudo são ênfases, nada é importante! Se o ouro fosse abundante como a areia, não teria valor algum. Então, ao enfatizar vastas porções do texto, o jurista está a evidenciar que, ou não acredita minimamente no que diz, ou não julga adequadamente o que é mais ou menos importante.
Além desse problema de fundo, também surge o da confusão visual. O leitor de uma peça dessas depara-se com uma folha branca de papel em que os destaques gráficos compõem um quadro não convidativo à observação. Alguns trechos apresentarão quatro formas de destaque simultâneas, como se fosse um imenso grito. Ora, o grito por escrito sacrifica a legibilidade do texto. Letras grafadas em maiúsculas, em negrito, em itálico e sublinhadas são um excesso altamente contrastante, tanto com a brancura do fundo, quanto com o restante do texto.
O jurista devia pensar que a confusão visual e a feiúra por excesso de contraste afastam a atenção do leitor, porque dificultam a observação. Mas, talvez, esteja aí a chave para o problema e o indício de algo terrível. Ou seja, de que, no fundo, não escreve para ser lido.
Claro que ele não escreve para ser lido , apenas para impressionar e deixar o leitor um tanto quanto confuso.Talvez a vaidade leve a tantas tintas.