Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto.

O maior poeta em língua portuguesa que já li. Advirto que li poucos e que a poesia para mim é difícil. O poeta e a poesia são coisas diferentes, embora evidentemente relacionadas. A obra tem uma dramaticidade objetiva, ou seja, não retirada de alguma dramaticidade subjetiva do autor, projetada na criação. Neste poeta, isso fica muito claro.

João Cabral de Mello é formalmente perfeito e não é só forma. Segue um trecho de uma das partes do grande poema Morte e Vida Severina. Pelas tantas, o retirante do poema depara-se com o enterro de um trabalhador do eito e ouve o que dizem do morto os amigos que o levaram ao cemitério. Ponho apenas um trecho, pois como já dito, o poema é grande.

Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.

é de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe

neste latifúndio.

Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.

é uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.

é uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.

é uma cova grande
para tua carne pouca,
mas à terra dada
não se abre a boca.

4 Comments

  1. Jorge

    Provavelmente estarei errado, André, mas não seria “conta” no lugar de “cota” (ao menos é como escuto a parte que trouxe do grande poema, musicada pelo Chico Buarque com a sensibilidade de sempre).

    Mais por pretexto para “falar” um pouco mais em seu ótimo blogue, também não haveria de se ter uma crase no “a” que precede “terra dada”?

    Não fiz consulta ao poema escrito e no fundo, no fundo, são detalhes desimportantes.

    Importa o poema, a vida; a vida e a morte, severinas e universalmente haitianas.

    Um abraço. Só. JORGE

  2. Andrei Barros Correia

    Jorge,

    Eu acho que certo estás tu. Eu copiei o texto, buscado na internet. O mesmo quanto ao sinal de crase que falta. Infelizmente, não tenho aqui o livro em mãos.

    Andei buscando de novo e só consta cota no local de onde tirei. Então, tudo indica que é conta mesmo. Além de fazer mais sentido.

    A canção em que Chico tornou esse pedaço, acho-a muito bonita, muito bem sonante. Todavia, já andei lendo que Cabral não se agradava muito do resultado, embora nunca se tenha posto contra a utilização.

    Um homem inteligentíssimo. As diferenças que tinha com Vinicius, por exemplo, diferenças dentro da amizade e cordialidade de dois grandes poetas.

  3. Andrei Barros Correia

    Jorge,

    Ia-me esquecendo de agradecer-lhe as correçõs. Obrigado.

  4. maria josé

    boa escolha ,o poema é muito bem escrito.

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