Indivíduos das classes média e alta, no Brasil, praticam com desenvoltura o erro voluntário ao falar. Não deixo de me refir às pessoas as classes mais baixas porque os queira desculpar. Não é coisa que se aborde assim moralmente. Deixo de incluí-los entre os voluntários erradores porque não tiveram educação mesmo.
Mas, aquelas pessoas de extração social privilegiada, que tiveram educação formal nos ensinos básico, médio e superior – os dois primeiros geralmente particulares e o último às vezes público – não devem arguir com informalidade, espontaneidade ou coloquialismo para desculpar-se de barbaridades como a supressão total dos plurais na fala.
É óbvio que não se fala como se escreve. Todavia, essa diferença entre falado e escrito não é razão nem desculpa para a total supressão de plurais e o uso dos pronomes pessoais do caso reto ao invés daqueles do caso oblíquo, para ficar nos dois exemplos mais frequentes.
Há quem diga que o simpático erro voluntário é o contrário do pedantismo e uma mostra de espontaneidade. Não é. Pedantismo seria o ridículo de falar-se como escreve-se. Pedantismo é o ridículo de falar a imitar outras situações e pedir desculpas pela origem e educação. Artificial é falar em desconformidade às potencialidades que se obteve por ter estudado.
A diferença própria da coloquialidade é a confusão sintática e a repetição, não as omissões nas flexões de número ou confusões com os pronomes pessoais. A fala coloquial tem estrutura diferente da escrita, tem expressões vulgares que não se costumam escrever. Ela serve-se de instrumentos de ênfase diferentes, mas não se diferenciam o falado e o escrito necessariamente por mais ou menos erros.
Acho que a preguiça está na raiz desses erros voluntários. Claro que muitos são casos de ignorância pura e simples, a provar que nossa cantada meritocracia não resiste a um exame de português… Todavia, a maior parte é simulação e preguiça mesmo.
O meritocrata brasileiro típico, o sujeito que bate no peito e diz que ganha, ou menos, ou o que merece, porque afinal é capaz, deve lembrar-se que entre várias coisas que compõem essa capacidade encontra-se o conhecimento da língua. Ele não gostaria de ganhar salário diretamente proporcional à riqueza de seu falar e da potencialidade que obteve ao estudar.
O erro voluntário pode trair duas situações desconfortáveis: ou bem o sujeito voluntariamente é menos do que pode ser, ou é exatamente o que é, mas queria esconder.
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