O espetáculo mais feio que o gênero humano pode dar, antes da guerra aberta, é o linchamento. É uma forma de ação direta e, portanto, muito sedutora para as massas, amantes perpétuas do imediato.
Essa forma bárbara de se unirem várias pessoas em torno a objetivo comum renasceu no Brasil. E renasceu, deve-se dizê-lo, porque foi estimulada pela imprensa, como se as piores inclinações necessitassem de adubação.
Depois de dramáticos assassinatos por linchamentos – e não cabe descer ao nível de considerar se as vítimas eram ou não culpadas de algo – a imprensa majoritária entra em cena para faturar em cima da selvageria, como se não a tivesse estimulado anteriormente.
Fiéis à condição de imprensa mais desonesta e iletrada que se conhece, numa breve comparação com as congêneres por aí, passaram do estímulo à apropriação da dramaticidade. De qualquer forma, a postura era previsível e própria de quem quer ganhar sempre e de todos os lados, certos que coerência é algo inexistente.
A estratégia passa por reservar-se a construção da narrativa objetiva, à revelia da efetiva descrição dos fatos. Isso percebe-se facilmente nas entrevistas feitas aos parentes próximos das vítimas de linchamento.
Um repórter qualquer, munido duma pauta pré-fabricada e não munido de qualquer autonomia profissional, pergunta à esposa do sujeito que foi linchado como ela está sentindo-se. É a superficialidade e a patifaria elevados ao máximo, porque é óbvio que o cônjuge de alguém selvagemente assassinado está sentindo-se muito mal.
A pergunta é uma não pergunta, serve apenas para dar ares de reportagem e por dramaticidade subjetiva, abrindo espaço para a objetividade ser delineada em termos de editorial.
O repórter não pergunta ao parente da vítima quem ele acha que foi responsável por aquilo, se houve estímulos a desencadearem o movimento de massa, se acha que os criminosos serão punidos. Enfim, não se faz uma mísera pergunta objetiva ao entrevistado.
A única coisa que se faz à guisa de entrevista é pergunta óbvia de forte conteúdo dramático, que, não pondo qualquer elemento objetivo, reserva ao editorialismo a construção da narrativa da forma que bem entender.
Não é jornalismo, nem acrescenta coisa alguma a quem vê, o ter um parente de vítima a chorar e dizer que se sente mal. Pelo contrário, isso banaliza a selvageria, banaliza as lágrimas da vítima, banaliza o sentir mal. Tudo é tornado em espetáculo banal.
Dado o espetáculo da banalidade, fica para o meio de imprensa o caminho aberto para dar sua teoria rasteira do evento e, possivelmente, dá-la como novo estímulo meio disfarçado da barbárie, o que é evidente nas mal-disfarçadas sugestões de linchar os linchadores…
Ser imparcial para quem faz uma reportagem é difícil, se não impossível. É até compreensível. Em algumas delas a (im)parcialidade é arraigada de fatores emocionais. Isso é ruim, mas existe coisa mais funesta. Em outras tantas reportagens, penso que a parcialidade é de propósito, de caso pensado. Até aí não vejo tanto problema. O problema maior e preocupante é quando a narrativa e/ou a exposição do fatos são desvirtuados para enaltecer tal ou qual posição ideológica. As deduções infalíveis são as seguintes:””A” anda de mãos dadas com Deus, e “B”, de mãos dadas com Satanás”; “somos salvos, imaculados, irrepreensíveis. O resto está condenado (no inferno, é claro). Enfim, somos deuses”. Pobre de nós que estamos no limbo.
Concordo, Alcides.
O pior é mesmo a deriva para o maniqueísmo deslavado e a propaganda política que não quer ser chamada pelo nome.