Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

José Serra faz comentário estúpido sobre a Bolívia.

El justiciero.

O candidato José Serra oscila ao sabor das idéias de seus consultores de propaganda. No princípio da campanha disseram-lhe que não era inteligente mostrar-se como a antítese do Presidente Lula, porque ele tem aprovação de 75% da população brasileira. Então, José Serra tentou vender a imagem de continuador do Lula, o que soou estranho, pois o suposto continuado tinha escolhido sua continuadora.

Esse era um Serra suavizado, afirmando preocupações sociais, negando seus conhecidos preconceitos regionais, tentando, enfim, dizer que não acabaria as coisas que fizeram do Lula o mais popular Presidente até hoje. Não resultou grande coisa essa estratégia. Realmente, soa falso o indivíduo sair a desdizer toda uma série de coisas que as pessoas habituaram-se a ouví-lo dizer e fazer.

Eis que os ventos mudam e volta à cena o Serra mais legítimo, radical, policialesco e francamente irresponsável. Devem ter dito a ele que convinha recuperar o discurso da dureza e não parecer um maricas conciliador. As recomendações foram seguidas à risca e o candidato voltou a tecer comentários tolos, preconceituosos e irresponsáveis sobre países vizinhos.

Há pouco, essa estratégia de vender imagem de rigor tinha-no levado a dizer que o Mercosul era uma coisa desprezível, agredindo gratuitamente três países vizinhos e grandes parceiros comerciais do Brasil: a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. E agredindo as evidências econômicas.

Agora, o candidato volta-se contra a Bolívia e reedita a lógica a partir da qual os norte-americanos promoveram uma militarização da Colômbia, tentaram a do México, elevaram os grandes traficantes de entorpecentes ilegais desses países a influentes milionários, irrigaram o mercado de lavagem de capitais, aumentaram os lucros dos vendedores de armamentos e aumentaram o consumo dos mesmos entorpecentes.

Serra diz que a Bolívia, um estado soberano de direito e país vizinho ao Brasil, é leniente com o tráfico de entorpecentes para o Brasil. Ora, convinha que Serra dissesse alguma coisa sobre a polícia do Estado de São Paulo, que ele governa há anos, porque não consta que entorpecentes sejam vendidos lá por seres invisíveis.

Além de ser uma idéia tola e superada – a culpabilização do outro – foi uma agressão irresponsável a um país que, de resto, é um pequeno produtor de cocaína. Até o mais fascista dos propagandistas da campanha presidencial do Serra sabe que o grande produtor e vendedor mundial de cocaína é a Colômbia, a despeito de toda a encenação militarista que lá se produz e de terem os governos recentes tornado o país em uma base norte-americana.

Essa gente sabe muito bem que só se vende o que se compra, mas não diz uma palavra sobre o mercado consumidor de cocaína de São Paulo, nem sobre as estruturas de comércio ilegal de entorpecentes, infiltradas nas polícias. Nada disso, o problema está na Bolívia, que é leniente!

Evidentemente que essa proposição padece de ilogicidade, perceptível por quem se dispuser a pensar um pouco e informar-se outro tanto. Todavia, o recurso a tal discurso é bastante revelador. Primeiramente, de uma enorme leviandade e desprezo pelos destinatários. Sim, porque o candidato alterna posições segundo a imediata conveniência, sem preocupar-se com o nível intelectual das afirmações, nem com as grosserias que elas podem veicular.

Em segundo lugar, revela um perigoso aprisionamento do candidato pelos grupos mais radicalmente arbitrários e anacrônicos de suas hostes. Aqueles da sentença sumária, da indelicadeza elevada a virtude de objetividade, do preconceito elevado a virtude de moralismo, de tolice elevada a rigorismo, enfim, de mentira elevada a necessidade conforme a ocasião.

Afinal, tem o Serra coragem de levar o raciocínio adiante, desvelando tudo que subjaz a idéias como a que ele tem sobre a Bolívia? Proporá a invasão militar da Bolívia pelo Brasil, para fazer uma war on drugs? Ou proporá a invasão da Bolívia pelos Estados Unidos da América, a partir de bases cedidas no Brasil?

Seria interessante observar este candidato a seguir a escalada dos seus propagandistas rumo à República de Salò. Em certo momento, um desses especialistas em propaganda, apoiado em algum acadêmico a preço de ocasião, conclui que o público quer um líder mais duro ainda que um simples acusador de leniências bolivianas. Ou seja, descobrirão, com suporte científico, é claro, que as massas querem um justiceiro implacável. Então, José Serra – depois de inscrever-se em uma academia de ginástica e levantar uns pesos para muscular-se – dirá que o país está perdido para a imoralidade e para os criminosos.

Em seguida, proporá a castração dos criminosos, a criação de comitês científicos para estudar os desvios psíquicos e morais, a criminalização de opções sexuais e ideológicas diversas daquelas professadas pelos salvadores do povo. Subsequentemente, uma e outra milícia armada, para ajudar as forças públicas nessa purificação. Por fim, traria sempre ao lado uma onça pintada, novo símbolo dessa força brasileira.

Não creio, no fundo, que esse roteiro seja seguido, porque os tempos não favorecem e as tolices e excessos são mais ouvidos nas crises. Ora, a economia brasileira deve crescer 7% neste ano de 2010 e isso não se aproxima minimamente do conceito de crise, portanto, o discurso do justiceiro não é sedutor. Realmente, a imagem que ele queria passar anteriormente, embora mais falsa, parece-me que seria mais eficaz.

Espero muito sinceramente que nenhum desses propagandistas sugira ao Serra vestir-se à Zorro, porque ele poderia tomar a sério e ficaria ridículo e inadequado a um senhor de idade.

5 Comments

  1. Severiano Miranda

    Serra tá pensando que é Alvaro Uribe… Olha pra isso:

    “Temos de pedir para o governo boliviano combater. Nós não combatemos direito até agora. Essa disposição de enfrentar interesses contrariados às vezes assusta. Eu peitei a briga contra a indústria de medicamentos, contra a indústria do cigarro. O governo federal tem que se jogar na área de segurança. Tem que ser co-responsável pela segurança”

    É mole ou quer mais!?

    • andrei barros correia

      Rapaz, é muita arrogância mesmo.

  2. Julinho da Adelaide

    Serra não consegue nem controlar os presídios de São Paulo onde o PCC atua, quer dar palpite na Bolívia. Será que à falta de eleitores aqui ele quer ser presidente da Bolívia?

    • andrei barros correia

      Pois é, a coisa é totalmente fora de controle em SP. E, todo o mundo sabe que a produção de cocaína da Bolívia é desprezível comparando-se à da Colômbia.

      Por que ele não fala da Colômbia? Não acredito que seja por ignorância.

  3. Davi

    O comentário dele foi muito infeliz. Sem falar na inadequação do que seria sua política externa. Será que ele se cercaria dos mesmos conselheiros? Dá a impressão que não há estratégia alguma para a campanha e muito menos para um improvável governo presidencial.

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