Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Gente que maltrata bichos.

Fui a um bar, ontem ao final da tarde, com meu amigo Severiano. Depois de termos o trabalho de por no ar este blogue, novamente, era tempo de relaxar um pouco e tomar uma garrafa de vinho. Vai conversa e vem conversa e, pelas tantas, reparo embaixo da minha cadeira. Estava lá um gato, pequenino, que devia ter um mês de vida. Minúsculo, sujíssimo, malcheiroso e com uma pata quebrada. Tão reduzido de tamanho e de forças era o felino, que não conseguia comer os pedaços de carne que cortei bem pequenos.

Os garçons que passavam faziam menção de enxotá-lo, com os pés. Não, disse-lhes eu, deixa o gato aí, ele parece até que está morrendo. Ficaram desconcertados. O dono do bar, que passava, fez a mesma coisa. Deixa o bicho aí, rapaz, não está fazendo mal algum e o coitado está todo quebrado. É, disse ele, andou levando uns bicudos. Quer dizer, levou uns pontapés! Percebi – tenho pouquíssimo receio de estar errado – que o autor da obra tinha sido o próprio dono. É curioso como essas coisas se revelam. Muitas vezes, por contraste. O fulano, incapaz de compreender que alguém não se incomodasse com o bicho e mesmo se preocupasse com ele, quase reivindicava o comportamento oposto.

O desprezo por coisas e bichos é bastante variável. Em níveis muito elevados, o desprezo por bichos está a indicar o que se tem por pessoas. Claro que ninguém deve sentir-se obrigado a pautar a vida pelo acolhimento de bichos, mas pautá-la ativamente pela agressão é mentalmente rasteiro. Sobretudo se essa agressão não é o revide objetivo de alguma outra. Na maioria dos casos, não é. As maiores vítimas de crueldades são exatamente os bichos menos perigosos e agressivos: os cães e gatos vadios, de rua.

Confesso que ainda pensei em sugerir ao valeroso dono do bar que fosse distribuir pontapés em cavalos adultos e experimentar o risco de levar uns coices de quebrar a coluna. Mas, não resultaria coisa alguma. A impermeabilidade da alma é muito grande e seletiva. Só passa o que é conveniente. Melhor – ou pior, não sei -foi recolher o gato e agora ir atrás de um veterinário que atenda urgências aos domingos.

6 Comments

  1. Jorge

    Olá, Andrei. Nada entendo de Internet. Ou até talvez entenda algo. Quase nada é melhor do que nada. Mas gostei muito de seus escritos. Li todos. Embora estes “todos” não passem de quatro, ou seja, os que estão disponíveis. Como cheguei até aqui? Não sei, talvez via Cloaca (repare que o “C” é maiúsculo. Há que dissipar confusões). Deixo um abraço e um agradecimento, pela sensação de pertencimento a algo que, à falta de adjetivo mais exato, chamarei de “Campo”. Só.

  2. Andrei Barros Correia

    Jorge,

    Agradeço-lhe as palavras, muito gentis. Antes, os escritos eram até muitos, mas houve as desventuras de contratar serviços prestados por corporações brasileiras, agindo sob leis brasileiras.

    Vamos tentar voltar ao ritmo anterior e espero que sempre lhe agrade andar por aqui.

  3. Jorge

    Agradeço pela atenção e gentileza da resposta, André. Pretendo acompanhar o blogue, na medida de nossas humanas possibilidades. Só. Um abraço.

  4. maria josé

    Gente de pouca sensibilidade não adianta trocar palavras.

  5. Sidarta

    É difícil comentar isso, gosto de gatos até mais do que de cães e uns certos ares de budismo me deixam revoltado com coisas desse tipo.

    Penso que deveria ser implantada uma campanha de esterilização de gatos e de cães de rua para que a população desamparada desses animais diminuisse naturalmente, como se faz em paises civilizados onde não se pratica crueldade com animais de rua.

    Penso tambem que se deveria dar um dia por ano às raposas da Escócia para que pudessem caçar e matar nobres ingleses. Seria uma forma justa de respeitarmos as reencarnações e de permitirmos um melhor equilibrio ecológico entre as especies.

    Deveriamos tambem promover o dia de caça ao torturador de animais para que eles fossem poupados de uma eventual reencarnação como uma barata a ser pisoteada na rua.

  6. Andrei Barros Correia

    Gostei das sugestões, afinal baseadas na oferta da possibilidade de auto redenção.

    A caça das raposas é das coisas mais hediondas que se tem visto. Realmente, a nobreza britânica é um mito e uma farsa que conseguiu vender-se mundo afora como padrão de bom gosto.

    Geralmente a caça relaciona-se com alguma bravura ou risco, além de alimentação, é claro. A da raposa nenhum do dois elementos tem. É infamante que um grupo enorme, montado a cavalo, e uma porção de cachorros persigam uma raposa e pretendam dar a isso ares de diversão nobre.

    Não vai aqui qualquer apologia da tauromaquia, mas queria ver um nobre inglês defronte a um miura.

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