Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Filet mignon na manteiga, pimenta-do-reino, sal grosso e vinho tinto.

O filet mignon bovino é peça extremamente mole, quase sem gorduras nem nervos, mas pouco saborosa, de si. É uma peça cara, por essas bandas, também, basicamente por ser pequena, muito macia e por perder-se pouco depois de tratada.

Para que tenha vantagens além da maciez, dado o pouco sabor intrínseco da peça, convém que seja temperado e que esteja fresco e sanguinolento. Ele adquirirá o sabor aos temperos que se usarem e o sangue ajudará bastante na composição.

Há, basicamente, três maneiras de prepará-lo: em medalhões, em escalopes e como rosbife. Particularmente, prefiro o rosbife, mas dá mais trabalho e estou com preguiça.

O rosbife implica passar a peça inteira previamente temperada em óleo ou manteiga muito quentes, em uma caçarola, rapidamente. A peça ficará frita por fora e suculenta por dentro; depois, mete-se numa assadeira e rega-se com um pouco de vinho, por exemplo, e vai ao forno baixo por vinte ou trinta minutos. Resulta em uma panela e uma assadeira para serem lavadas ao depois…

Uma peça de trinta e poucos centímetros pode ser cortada em medalhões até aproximadamente um terço do seu comprimento; depois, se se continuar a cortá-la contra as fibras, resultará em medalhões muito pequeninos. Então, o restante da peça, na parte que se vai estreitando, pode ser cortada em finos escalopes, ou seja, no sentido das fibras.

Tomei uma peça de filet relativamente pequena, de menos que um quilo, e pus para repousar com sal grosso e pimenta-do-reino moída e um pouquinho de vinho tinto. Duas horas bastam para adquirir algo dos temperos. Depois, cortei-a em medalhões e escalopes e os mantive no mesmo suco, agora já com o sangue que havia dentro. Mais meia horinha.

Seria demasiado longo falar das vantagens e desvantagens da manteiga e do azeite para se fritarem os escalopes e medalhões. A preferência varia de dia para dia. Evidentemente, a manteiga resulta mais pesado, talvez por somar gosdura animal a gordura animal. Mas, é mais saboroso e foi a escolha para hoje. Convém lembrar, todavia, que a manteiga queima e a janela de oportunidade é menor que com o azeite.

Pois bem. Cortei cebolinha – essa planta filha dos deuses, quem sabe deuses mediterrâneos – em rodelinhas bem fininhas. Pus um grande pedaço de manteiga na caçarola e deixei-a derreter e se liquefazer; em seguida, a cebolinha entra na panela e fica a impregnar-se desse lácteo derretido e quente por quatro ou cinco minutos. Nesse ponto, tudo estará muito quente, como convém.

Começa a parte mais sedutora, olfativa e sonoramente: deitam-se os medalhões na mateiga quentíssima com rodelinhas de cebolinha já douradas. O cheiro da carne mole e ensanguentada no primeiro contato com a manteiga fervente é de fazer salivar alguém que não preze a culinária! O crepitar destes pedaços de carne frios subitamente apresentados ao calor gorduroso apraz até a um parcialmente surdo.

Aqui, um parêntesis, como sempre se devem fazê-los para falar do que veio antes: o sal grosso, daquele em grãos que parecem pedriscos, deve ser retirado de tudo que vá para uma caçarola, senão o resultado é desastroso. As carnes que vão para grelhas altas, como em churrascos, podem estar recobertas de sal grosso – que depois basta sacudi-las e retirar o excesso –  mas as que vão para panelas não.

Os medalhões devem ser virados algo rapidamente, pois não se pretende esturricá-los. Pouco tempo depois, deita-se na panela o caldo de sangue e vinho que havia acolhido a peça inteira, anteriormente. Nesse momento, baixa-se o fogo e tampa-se a caçarola, para os sucos impregnarem-se na carne e apurar-se o caldo que cozerá por dez ou quinze minutos.

Para acompanhar essa carne molíssima, gosto de arroz branco cozido com pouco ou nenhum sal. Há quem prefira batatas, que realmente acompanham bem o filet, principalmente se ele for cortado em medalhões grossos e resultar em pouco molho.

Um Malbec, argentino, obviamente, vai multiplicar o sabor dessa carne amanteigada. Quase todos são bons. Convém abrir as janelas de par em par, porque é provável que gotas de suor desçam discretamente das têmporas…

3 Comments

  1. Sidarta

    Convida os amigos…

  2. Bira

    Dileto, permita-me, um dia qualquer de março ou abril, tentar repetir esta receita com vocês?! Seria a redenção dos meus muitos pecados!!!! 🙂 Saudade dos meus…

  3. Sidarta

    ……. é remoso, não me deixam comer.

    Vivo no arroz integral, peixe ou frango grelhado, verduras, amêndoas, maçãs, clara de ovo, açúcar mascavo, etc., para não ofender ao Buda.

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