Não me conto no número dos que se envergonham de usar os termos direita e esquerda. E também não estou entre aqueles que evitam os termos classe dominante e dominada.
Com relação a esquerda e direita, além de tratar-se de coisas distintas, é qualificação útil para falar-se de política, independentemente de qualquer carga valorativa. Ou seja, existem os lados de esquerda e de direita e isso não significa que existam os lados bom e mau, que isso é lógica binária de pastor evangélico.
Dominantes e dominados é uma díade muito mais interessante, porque atravessa um largo espectro social e econômico. Os dominantes no topo da sociedade tentam impor a não utilização do termo, porque a dominação mais efetiva impõe o próprio disfarce.
No sentido contrário, é válido afirmar que quanto mais ostensiva uma afirmação de domínio, menos efetiva ela é. O domínio profundo é aquele que se nega, que se esconde, que não se vê e não se percebe muito claramente. A ele convém ser assim nebuloso, porque o que não se vê não se ataca.
De uns tempos para cá, uma parte mais restrita da classe dominante brasileira, a parte mais aparentada ao financismo, enfrenta dificuldades em fazer a maioria da população comportar-se explicitamente contra si própria. Ou seja, perdeu um pouco a capacidade de enganar os dominados.
Assim, perdeu também três eleições presidenciais. Estranhamente, dá sinais de não perceber as razões disso, o que é deveras preocupante, como o viciado em estupefaciantes que não percebe o vício. Nada obstante, em lamentável falta de pudor, expõe sua incompreensão publicamente, como um lamento de ideólogos.
Essa indignação não tem mesmo razões para ser tão profunda. O povo não se tornou, de uma hora para outra, conhecedor das coisas, instruído ou liberto das amarras e disfarces que lhe turvam a visão. É, basicamente, o mesmo de sempre, enganado, ignorante, incapaz de distinguir o que está por trás do jogo mediático e político; premido pelas circunstâncias do dia-adia.
O que aconteceu, para que o povo não escolhesse os maiores dominantes, ou seja, para que não votasse contra si próprio novamente, foi simplesmente que os dominantes passaram dos limites do razoável na dominação. Aprofundaram o que já era muito profundo.
Acreditaram que era possível seguir aprofundando desde que as Globos, Vejas e Folhas seguissem seu bombardeio de mentiras e desinformação. Há precedentes desse tipo de engano. Adolfo Hitler acreditou em Göering, quando este assegurou que a Luftwaffe abasteceria as tropas da frente oriental. Ele precisava acreditar!
Mas, não deu. O modelo da gente representada por Fernando Henrique é concentrador demais, exclusivista demais, menos intelectualmente requintado do que pretende, mais vil do que uma e outra privatização sugere. É absurdo que um modelo de predação – quase aleatório – tenha chegado a crer-se um projeto de poder de longo prazo, o que evidentemente não era.
Que um e outro ideólogo forjado na ditadura mergulhe na impostura de reclamar do sistema político, como se fosse um democrata visceral, não surpreende. Não há o direito a enganar-se ou surpreender-se com farsantes que estiveram, em determinado momento, no lugar de evidência política, a revelar nada mais que oportunismo.
Todavia, que Fernando Henrique Cardoso tenha atitudes que permitam questionar sua inteligência é de surpreender mesmo. Não que seja o autor que ele, Fernando Henrique, supõe-se. Mas, o homem foi presidente da república por oito anos, foi o corretor – mor de venda do país por oito anos.
Ele foi ungido pelos dominantes e por significativa parte dos dominados. Não é um qualquer, portanto. Ele é o chefe de um partido, o representante na política de grande parte da classe dominante brasileira. Ele representa, no Brasil, interesses estrangeiros os mais variados. Ele costumava ser um homem de bons modos, de gestos corteses, de fala mansa, embora balbuciante e repleta de erros que nunca reconhecerá.
Pois Fernando Henrique diz que seu partido político – em provável marcha para a extinção – deve apoiar-se nas classes médias, deve identificar-se com elas, defender seus interesses. Que não deve preocupar-se em manter alguma interlocução com o povão. De minha parte, agrada-me bastante que sigam essa receita, pois assim precipitam-se de vez.
Fernando Henrique deve ter conhecimento bastante de que as classes médias são o que há de mais próximo, em termos de sinonímia, de ingratidão. Não há uma classe ou estrato social menos confiável que a média, nem menos dotada de honorabilidade.
A razão disso é que se julga meritocrática, ou seja, que se julga devedora de ninguém. Acredita que as migalhas que recebe de cima, ganhou-as por direito próprio ou divino. Acredita mesmo! É absolutamente incapaz de reconhecer sua incapacidade, sua pequeneza, suas dívidas sociais.
Crê-se plena, suficiente, devedora de si própria, apenas. Todavia, vende-se por qualquer coisa e depois não se considera corrupta ou corruptível. Ou seja, se fosse uma pessoa só seria o tipo do perfeito patife que ganha algo, mata o doador, sai a difama-lo e a elogiar-se a si próprio.
Fernando Henrique acha mesmo que um projeto político sério e grande pode apoiar-se nas classes médias brasileiras? Elas não admitem recuos em termos sociais e econômicos, porque crêem que suas posições são estáticas e imutáveis. Sua visão não é dinâmica, porque tomam o ponto de referência como ponto de partida.
Fernando Henrique não ganhou a terceira eleição presidencial exatamente porque levou a concentração a nível tal que implicou perdas para as classes médias. Elas não perdoam! Agora, ele convida seu partido a ser o representante das classes médias! Pode ser efeito da senectude.
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