Uma idéia inteligente pode ser enunciada como pérola de hipocrisia, se forem relativizadas as condicionantes históricas que gravitam em torno a ela. Os tempos presentes fornecem um exemplo: o esgotamento de recursos naturais do planeta e a degradação de qualidade de vida e o que seriam causas e soluções.
A degeneração das proposições encontra-se com alguma facilidade se se puserem as coisas em perspectiva cronológica, se se indagar quem deu causas e de quem é razoável pedir que dê soluções ou aja para minimizar efeitos. A estas ponderações matizantes opõe-se a propositura da idéia e das soluções como absolutos atemporais.
De tempos em tempos repete-se a obviedade – pouco percebida pelo grande número, é verdade – de que o modelo consumista esgota as possibilidade naturais do planeta e degrada a qualidade de vida das pessoas, sobretudo no plano psicológico. Em sequência a esta enunciação, vem a conclusão: a única saída para estancar estes processos é consumir menos. Isso é evidente.
Ocorre, inicialmente, que esses discursos não distinguem, na maioria das variações disponíveis, consumismo como fetiche inercial da sociedade de massas de consumo dos que recentemente passaram a poder consumir. Esta última ocorrência dá-se nos grupos dos que ascenderam economicamente em dado lugar e época e puseram-se a suprir necessidades que, para os grupos superiores, já haviam sido supridas e incorporadas ao normal da vida.
Contingentes enormes, na Ásia, na África e na América do Sul foram apresentados à possibilidade de terem coisas em suas casas, daquelas consideradas básicas nas classes médias de seus países e básicas em quase todas as classes nos países europeus e norte-americanos, exceptuando-se o México, claro. Esses contingentes tinham e têm uma imensa propensão marginal ao consumo, na medida em que partem de patamares muito baixos.
Assim, o discurso contrário ao consumismo – sem fazer a distinção para consumo, porque esta sutileza esclareceria o alcance da idéia – é profundamente desonesto, porque é uma proposta de moratória geral excludente. O geral aplicado a situações díspares e assimétricas é nada mais que desonestidade e hipocrisia.
Não haverá como exigir da China e da Índia, para ficar em dois exemplos, que travem o processo de melhora de condições materiais de centenas de milhões de pessoas que, há muito pouco, viviam deveras precariamente. Nem se lançando mão da chantagem ecológica será possível convencê-los a estancar este processo. Digo chantagem ecológica porque este argumento, usado nestas condições e com estas finalidades, é chantagem mesmo.
Os lugares que primeiramente viram o desenvolvimento industrial e que proveram as massas com máquinas de utilidade rapidamente integradas ao normal de subsistência são os responsáveis pelas maiores agressões ao meio ambiente, o que é uma obviedade. E, a agravar, observa-se que as degradações provenientes de exploração direta de recursos naturais foram mais intensas fora desses países.
Nesse panorama, é muito hipócrita até pelos elásticos parâmetros da nossa cultura judaico-cristã, que tem a hipocrisia como um dos pilares, exigir de todos sacrifícios iguais, como se todos se tivessem beneficiado igualmente da extração de recursos naturais do planeta.
O empobrecimento – forma alternativa de dizer travagem ao consumismo e ao consumo – é a única resposta eficaz para o problema do esgotamento do planeta e da qualidade de vida inclusivamente psíquica. Todavia, sua proposta, assim muito simplesmente, como um absoluto, sem exceções ditadas por condicionantes histórico econômicas, é mais do mesmo banditismo imperialista de sempre.
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