O último estudo do US Census Bureau diz que há, nos Estados Unidos da América, 47 milhões de pessoas na pobreza, o significa 14,8% da população. A pesquisa fez-se em 2014 e utiliza padrões de pobreza, linhas de corte – poverty threshold – já antigos.
Consideram-se pobres os integrantes de grupos familiares de quatro pessoas com rendas anuais inferiores a US 24.250 brutos. Isso significa U$ 505,20 por cabeça, por mês. Na verdade, o critério está muito defasado, porque uma pessoa com rendimentos mensais de U$ 505 está muito pobre, na realidade.
Os custos de habitação, educação especializada e cuidados com saúde aumentaram drasticamente nos últimos trinta anos e a definição de linha de pobreza não os acompanhou. Ou seja, para os custos de vida atuais, há muitos mais pobres que o número oficial.
De qualquer forma que seja, a existência de 47 milhões de pobres numa população de 322 milhões é algo sério num país que criou o mito da prosperidade infinita, a depender apenas dos esforços individuais, da criatividade, da vontade de trabalhar e outros lugares comuns deste tipo. Será preciso convencer quase 50 milhões de pessoas que elas merecem suas situações porque são vagabundos e burros.
Outros estudos e pesquisas apontam que os 10% mais ricos detém 55% de toda a riqueza, nos Estados Unidos e este dado é mais revelador. Este nível de concentração aproxima-se do brasileiro e distancia-se muito da média européia. No Brasil, 10% apropriam-se de 65% da riqueza e na Europa 10% apropriam-se de 35% da riqueza.
O avanço da concentração na apropriação de riquezas pode tornar os EUA um país inviável e isso é mais ou menos o que adverte Thomas Piketty.
De acordo com a Comissão de Orçamento do Congresso, entre 1979 e 2007 o aumento médio dos rendimentos do 01% mais rico foi de 275%. Isso, evidentemente, é muito mais que o crescimento econômico registado no período e revela uma drástica aceleração na concentração.
Além do incremento velos na concentração de rendimentos e riquezas, observam-se diferenças imensas entre sexos, idades e grupos raciais. Como é previsível, os lares chefiados por mulheres solteiras têm menos rendimentos que os similares chefiados por homens solteiros. As famílias e indivíduos hispânicos e pretos têm menos rendimentos que os brancos.
Perversamente, há mais pobreza entre menores de 18 anos. No grupo das pessoas com menos de 18 anos verifica-se que 21,1% estão na pobreza, o que é bem mais que a taxa global de pobres, de 14,8%, segundo o Census Bureau. Essa é uma pobreza que provavelmente será projetada no futuro…
É muito difícil conter os efeitos da deterioração das condições materiais de quem viveu a abundância material. A sociedade norte-americana não tem a memória da escassez entre seus mitos fundantes e lugares de respeito. Mesmo que sempre tenha havido pobreza – tanto que Jonhson lançou em 1964 um programa contra ela – não é algo de que se fale como parte relevante da história.
A narrativa norte-americana é toda construída ao redor do sucesso e articula-se em torno a locais discursivos como desafio, esforço, iniciativa e outras tolices do gênero. A pobreza, ou era um nada, ou um estigma a ser suportado pelo incapaz. Assim continua, pois ainda se acredita no discurso como meio de contenção social eficaz.
Diferentemente do Brasil, os EUA não tem uma tecnologia de contenção social muito sofisticada, mesmo que se lhes deva a criação do meio por excelência: a propaganda. O problema é que a propaganda, a enganação, depende de públicos minimamente alimentados para a poderem perceber. A partir de certo ponto de privação, não se dá mais atenção ao discurso.
Claro, há a violência. Ela e a propaganda sempre são usadas conjuntamente, como dois tratamentos paralelos de sintomas. No Brasil, até há pouco, a contenção por meio do discurso, da propaganda, não requeria grandes esforços e sofisticações. O hábito ao açoite e à pobreza reduzem a necessidade de enganação.
A violência, contudo, tem inconvenientes. O maior deles é gerar reação, ou seja, gerar mais violência, numa espiral ascendente contínua.
Claro que até certo ponto isso é muito interessante, porque rentável para os concentradores de rendimentos, que oferecem os serviços de contenção pagos pelos que sofrerão seus efeitos. Para isso serve o Estado, o único real agente de concentração ou desconcentração, a despeito de todas as tolices que já encheram milhares de livros e ainda encherão mais.
Além do risco de se atingir o ponto de ebulição por excesso, o recurso à violência apresenta outros, nos EUA. As divisões raciais são muito agudas. Los Angeles, por exemplo, vive algo próximo à guerra civil há anos, mesmo que a imprensa não goste de dizê-lo e, portanto, o fato não exista para o médio classista prototípico.
É difícil prever resultados e atuar violentamente de maneira a unir ou desunir grupos raciais todos em geral inferiores aos brancos em termos de rendimentos. Ou seja, não é razoável supor que seja possível manobrar para atingir, neste ou naquele momento, nesta ou naquela localidade, só pretos ou só hispânicos ou só asiáticos.
O grupo dominante sente-se ainda seguro porque na hipótese da guerra civil e da desagregação total, do todos contra todos, será possível reter o controle do arsenal nuclear. Isso parece-me verdadeiro, porém de pouca serventia, exceto se estiverem pensando em usar as bombas perto de si mesmos!
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