Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Barcelona baila no Benabeu!

 

A valsa catalã de um futebol rápido, rodado, insinuante, belo e irresistível, enfim, triunfa no Bernabeu. Não foi uma vitória qualquer.

A partida opõe um símbolo castelhano, um símbolo até falangista, à única manifestação de nacionalismo catalão permitida por anos.  A única manifestação permitida por Franco era o Futebol Clube Barcelona, que catalisou, assim, toda a noção de orgulho nacional catalão.

Quando ele joga, é como se entrasse no gramado a seleção da Catalunha que não se quer Espanha. Suas responsabilidades são enormes, portanto. Nada obstante a imensa responsabilidade, ele joga ofensivamente, não se acovarda a um futebol mesquinho, de lógica utilitarista e defensiva.

José Mourinho, um homem profundamente arrogante e sabedor de como tornar essa característica em publicidade pessoal, pôs-se a provocar o Barcelona e seu treinador, Josep Guardiola. Não se devem provocar símbolos nacionais, principalmente quando eles são eficazes e seus adeptos são fiéis.

Mourinho reviveu um postura dominadora anacrônica, serviu-se de um assunto que não se deveria prestar ao que ele reputa provocações estimulantes. Foi irresponsável e até ignorante.

Guardiola, elegantemente, disse que José já entrava nas partidas vencedor! E lembrou que José já trabalhou no Barcelona, ou seja, lembrou-lhe, algo sutilmente, que deveria saber de que se trata ou, pelo menos, poderia saber.

Se sabe, Mourinho preferiu ignorar e arriscar. Quem sabe não retorna para a Inglaterra, que ele afirma ser seu habitat natural! Realmente, o que há de melhor no futebol inglês são os franceses africanos e o verde impecável dos relvados.

A selva em Campina Grande: aniversário em um restaurante vizinho.

São precisamente onze horas da noite. Vizinho ao prédio em que moramos, há uma pizzaria. No prédio em que moramos há muitos velhos e alguns deles doentes. Ou seja, é um lugar bom de morar, porque é silencioso.

Eis que há uma festa de aniversário no restaurante vizinho. A tal festa, como não poderia deixar de ser, tem todos os elementos do mau gosto dominante: um carro que pára em frente, com um fulano ao microfone, aos berros, dizendo pieguices em homenagem ao aniversariante.

Depois da sessão de dramatização vulgar aos berros, fogos, foguetões, um barulho danado. Depois, música em alto volume.

Isso é simplesmente proibido, como inúmeras outras coisas são. É proibido porque agride as pessoas que moram ao redor, evidentemente. Trata-se de harmonizar os interesses dos habitantes de uma cidade. Se tudo for permitido, qualquer invasão das esferas alheias, a bem da liberdade de uns, torna-se a barbárie.

E não se trata de proibir as pessoas de comemorarem coisa alguma. Quer fazer barulho, entra em uma boate fechada e destrói os tímpanos!

O manual dos inquisidores, de António Lobo Antunes.

Gosto de escrever pela manhã. Mas terminei de ler O manual dos inquisidores agora e já é noite. As impressões estão fortes na cabeça, talvez não deva perder a oportunidade, mesmo que saia mal pensado e apressado.

Há dois anos,  mais ou menos, o Miguel me dizia da leitura do Lobo Antunes que era difícil. Eu enchia a paciência dele a perguntar de autores portugueses, que exceto por Eça e Saramago pouca coisa tinha lido. Com a paciência de quem gosta do assunto, Miguel falava de um e outro. Do Lobo Antunes lembro-me da advertência.

Tanto que ficou muito para depois o Lobo Antunes, para agora. O homem facilita a percepção de que ele seja meio louco, diz que escreve talvez para remediar-se. Que escrever e ser psiquiatra são coisas próximas. E fica a parecer real, porque muito psiquiatra é médico para tratar de si mesmo. Mas, deixo isso para lá.

Não andei em busca de críticas e resenhas do livro, apenas li aquelas bobagens que vêm nas orelhas e nas contra-capas. Sempre são bobagens, é impressionante. O lugar-comum é decadência, embora ninguém saiba o que é isso. Querem significar com isso tempo, história?

Devem querer dizer história, porque é a coisa mais difícil de perceber que existe e, por isso mesmo, a que é chamada por mais nomes diferentes é multi significantes. As personagens envelhecem e ficam decrépitas, é isso, acho, que leva o comentador a falar em decadência. Ora, decadência sempre há, não pode ser o elemento distintivo de alguma coisa.

O bom autor Lobo Antunes fala de história, é claro. Muito mais que de histórias particulares das personagens, mas da história de um período: o salazarismo do meio para o final. A história apreendida nas suas expressões em cada camada social, porque o quadro completa-se com as realidades múltiplas.

O formato do livro é quase destituído de surpresas, exceto para quem entenda linearidade como evolução cronológica ritmada. A linearidade narrativa do livro está na integração evidente das idas e vindas do tempo contado ao depois. Os episódios são perfeitamente necessários, uns aos outros.

Os relatos e comentários, partes que sempre se sucedem, são mudanças de ponto de vista, como fotografias de uma coisa tiradas a partir de locais diferentes e dão idéia de profundidade, porque assim pode-se relacionar as percepções diferentes de um episódio. É algo diferente de versões, devo apontar, são visões distintas de um mesmo processo.

Um processo que evidencia algo terrível e tão terrível que muitos ignorarão, porque somos treinados desde cedo para não ver esse ponto essencial. Nos processos históricos e mesmo naqueles que têm grandes mudanças políticas e rompimentos, há um grupo que nunca perde.

Há um grupo que sofre, aqui e acolá uns problemas, mas sempre arruma-se, pemanece quase que acima da história. Por isso mesmo, é superficial falar em decadência ou, talvez, fale-se em decadência muito superficialmente. Ela acontece para os grupos movidos e para os indivíduos particularmente, mas não para um grupo. No livro, isso é claríssimo e, de tão terrível, ocupa somente uma porção inicial dele.

Por outro lado, a grande personagem do livro fez-me lembrar outro livro, por conta de uma associação bastante livre, que não é propriamente literária. Falo do Médico e o Monstro, de Stevenson, que geralmente é visto como algo meio extraordinário no sentido de ficcional, ou de algum terror.

O livrinho de Stevenson é das mais profundas análises da alma humana que se fizeram. Eles convivem em todos, o médico e o monstro, é questão de despertá-los. E convivem até pacificamente, é questão do médico perceber o monstro ou de não o perceber em absoluto. Se eles entendem-se razoavelmente, superficialmente, aí é que a convivência é conflituosa.

O Ministro do livro, o Ministro de Salazar que vai de poderoso a velho de sanatório, não percebe o monstro absolutamente. Até ao final ele não se vê além de como sempre se viu, então ele conta o que torturou por mandar, o que matou por mandar matar, o que comprou de gente por comprar e simplesmente conta.

Ele é a figura vulgaríssima de pessoa com apetites e meios para satisfazê-los, com apetites e sem meios para satisfazê-los;,mas sempre com apetites. O que muda são as disponibilidades dos meios o que equivale a dizer tempo. Ele é só ele, não tem propriamente pensamentos, mas recordações e apetites. Não tem crítica, mas imagens que se referem a ele e só a ele.

Um morto ou vários mortos, um morto na frente dele morto por ordem dele é um elemento de recordação que faz sentido na lembrança de toda sua vida, que é muito bem alinhavada na narrativa, a despeito das idas e vindas cronológicas e do texto sem vírgulas. Uma vida extremamente coerente, diga-se, quase uma vida de coerência da razão de Estado.

E as outras personagens, subsidiárias, evidentemente, são a mesma coisa. Claro que são coisas socialmente diferentes, mas fica evidente que feitas da mesma matéria. Elas são as suas posições sociais, enfim, são móveis de pouca ou nenhuma liberdade. O livro, e aqui devo dizer, é terrível para quem acredita em liberdade.

A única liberdade que há é de lembrar-se e de querer, de ter apetites. De tê-los e satisfazê-los, de tê-los e não os satisfazer, de continuar a tê-los e não os poder mais satisfazer, pouco importa. O que houve, todos os fragmentos, foram somente partes de uma trajetória, não implicam qualquer coisa que não se refira a si mesmo.

Várias personagens ligadas, como é de um romance ou novela, com vidas ligadas, deixam claro que as ligações são muito menos que cada um. Que cada um percebe o mundo em si e vai até ao final assim.

 

Barcelona 3 x 1 Arsenal. Triunfo da arte futebolística.

Impressionante o domínio e a agressividade do Barcelona. Lembra-me as equipes de Telê Santana. Teve à volta de 70% da posse de bola e atacou durante o jogo inteiro, com passes rápidos e jogadas geniais de Messi.

Coitados dos british boys que narravam o jogo na ESPN, com indisfarçável lástima pelo insucesso do Arsenal. É uma gente que não se encanta com a beleza? São presas daquela conversa de que não se deve arriscar, de que o melhor é defender, que futebol bonito é ineficiente?

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