Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Psicologia social de mesa de café (Page 10 of 10)

Quando a burrice, a presunção e a religiosidade se misturam.

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Severiano colocou este video em um comentário que fez a outra postagem. A senhorinha que fala é casada com o futebolista que decepciona Madri, atualmente: Kaká.O futebol tem dessas coisas, uma hora joga-se bem, outra mal, sucedem-se altos e baixos. O futebolista inteligente compreende que há ciclos e esforça-se para superar as fases ruins. Para tanto, há uma condição essencial: reconhecer que está atuando mal, ou seja, ser capaz de autocrítica.

Não creio que essas pessoas sejam muito inclinadas a olharem para si mesmas, todavia. Elas próprias fornecem os exemplos. A senhorinha do vídeo diz algo que é um desafio à nossa compreensão do que é racionalidade humana e mesmo deixa em dúvida se ela existe, como apontou nosso Miguel.

A jovem enuncia o seguinte postulado: Deus pegou o dinheiro que havia no mundo – e havia pouco, por causa da crise – e deu esse dinheiro ao Real Madrid para o clube contratar Kaká! Deus deve estar assombrado com as potencialidades de sua criação, pois fez psicólogos de si próprio. Súbito, Ele percebe que é uma mistura de repartição tributária, adepto do Real Madrid e devoto de Kaká. Deve ter passado umas noites sem dormir, o coitado do Deus.

Quando os selvagens tomam a cidade. Uma vaquejada em Campina Grande.

Há uma vaquejada aqui em Campina Grande, neste final de semana. Organizadores e promotores dela ufanam-se de ser a maior do Brasil. Pouco me importa o tamanho do evento, pois o tamanho dos aborrecimentos gerados, esse é bem grande.

A derrubada do boi por dois cavaleiros é prática antiga e bem enraizada na cultura nordestina. Tem matrizes ibéricas e diferencia-se do que os norte-americanos – e muitos brasileiros deslumbrados – chamam rodeio. Conseguiu-se tornar essas corridas de derrubada do boi em grandes festas.

Por aqui, duas formas de má-educação já são bastante frequentes e notáveis: colocar músicas em alturas estupidamente altas e fazer todo tipo de absurdos no trânsito. Pois a ocorrência da vaquejada consegue piorar esse cenário já terrível.

Nesse preciso momento, um selvagem põe uma música horrível em volume ensurdecedor, em algum sítio nas ruas adjacentes à minha residência. Na verdade, pouco importa a qualidade da música, pois de 120 decibéis em diante qualquer som é insuportável. E, certamente, não é um caso único. Os mal educados possuidores de carros com aparelhos de som dignos de boate estão por todo os lados.

O trânsito também apresenta uma piora, pois o pior sempre é possível. E isso não se deve apenas ao nível alcoólico dos condutores, que sempre está elevado nos finais de semana. A coisa piora por conta do estado mental de descompressão, de falta de limites.

Escandaloso mesmo é que os praticantes desses absurdos não acreditam minimamente que estão fazendo algo desagradável para os outros. Esse é o sinal verdadeiro da barbárie, ou seja, achar que ela é o estado normal.

O que não conheço não existe!

Essa frase, a do título, exprime uma atitude mental bastante comum. As pessoas confundem a ignorância com a inexistência. Muito embora seja difícil atribuir essa postura somente às conveniências pessoais e sociais, é certo que a auto-justificação desempenha um grande papel nesse engano.

Vejamos o caso brasileiro. Este país tem as maiores desigualdades sócio-econômicas das Américas, medidas pelo índice de Gini. Significa que as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres são imensas e, consequentemente, que há demasiados pobres, com tudo que vem a reboque da pobreza.

As pessoas, em geral, não se comprazem com a pobreza alheia, mas não querem vê-la, também. Elas querem estar à vontade para praticar uma indiferença sem culpas. Elas precisam não ver a pobreza, portanto, ou vê-la suficientemente disfarçada, menos escandalosa, menos acusadora. Vê-la, enfim, somente até o ponto de não dar insônia.

Então, criam-se fantasias visuais para diminuir esses contrastes tão agressivos e impudicos. Claro que não se devem reduzir os contrastes a ponto de todos parecerem mais ou menos iguais, senão as identidades sociais terminam por ficar muito tênues e os mais ricos não podem ser identificados. Esse seria o imenso erro e tiraria o emprego de muito colunista social. Há que se buscar o termo razoável, ou seja, algo como o sepulcro caiado, bem apresentável por fora e pútrido por dentro.

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O mau-caratismo não é apenas instrumental. Pode ser uma tara.

Um dias desses, conversava com uns amigos sobre as curiosas inclinações de um fulano conhecido de todos os convivas da ocasião. O fulano em questão é notoriamente movido por uma ânsia de sobressair-se, de mandar nos outros e de obter reconhecimento por bobagens, sendo capaz de qualquer patifaria para a consecução desses intuitos.

Um de nós mostrava-se fiel ao utilitarismo comportamental e asseverava que o fulano seria capaz de qualquer patifaria e infâmia contra quem se opusesse aos seus desígnios, mas que deixava em paz os que não fossem identificados com algum obstáculo. Estava forte na crença de que o mau caratismo é um instrumento e que na ausência das motivações concretas ele não se mostrava. Essa é uma visão bastante confortável e uma homenagem à racionalidade utilitária.

Todavia, as coisas não me parecem tão lógicas assim e talvez os cultivadores da mansuetude como forma de ficar ao abrigo da patifaria não devessem estar tão seguros. Infelizmente, os comportamentos humanos não são previsíveis e lógicos segundo esse utilitarismo. E aí está toda uma crônica das desventuras dos inocentes a provar que não basta estar quieto em seu canto para afastar qualquer ameaça.

Seria assim se fôssemos como os bichos, esses sim extremamente utilitários. Não ameaçam senão quando ameaçados. As pessoas obedecem a uma razão bastante ampliada, que comporta taras e fetiches. Curioso e aparente paradoxo esse, a razão tem sua diferença específica extamente no que queremos considerar desrazão. O mau-caratismo não é somente instrumental, é uma força intensa que não atua apenas em função de objetivos imediatos e identificáveis.

Mas, resistimos a acreditar nisso, pois ansiamos por ver uma forma de nos encontramos seguros. A fantasia da segurança é fortíssima e demora muito a ceder. Às vezes não cede, mesmo nas situações limites. E quanto a isso – como, de resto, quase sempre – a arte é melhor que a teoria. Escolho, não ao acaso, mas a partir de que tenho às mão no momento, uma pequena frase recolhida na Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline:

É difícil chegar ao essencial, mesmo no que diz respeito à guerra, a fantasia resiste muito tempo.

Poderia invocar, também, o compositor Chico Buarque: Inútil dormir, que a dor não passa.

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