Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Infâmias (Page 8 of 20)

Antígona cavará o deserto com as mãos para dar sepultura a Khadafi?

 

Etéocles e Polinice combatem pelo trono tebano. Antes, seu pai, Édipo, fora expulso por eles e acompanhado por Antígona, filha do primeiro e irmã dos segundos. Polinice casara-se com a filha do rei de Argos e planeava atacar Tebas.

O combate pessoal resulta na morte de ambos e na ascensão de Creonte, tio deles, ao reino de Tebas. Ele manda enterrar Eteócles com todas as honras, ele que lutara por Tebas. E manda deixar o cadáver de Polinice no campo onde pereceu, insepulto, à mercê de abutres e da vil descomposição.

Antígona, irmã dos dois, roga a Creonte, seu tio, que permita dar sepultura a Polinice, afinal um integrante da família real tebana e irmão dela, como Eteócles. Para ela, eram dois irmãos e era sacrílego negar-se um enterro a um deles, afinal mataram-se um ao outro. É profundamente vil negar-se sepultura a um grego livre e, ademais, o conflito era interno, na verdade.

Creonte é inflexível e determina a morte a quem tentar dar sepultura a Polinice. Antígona – e aqui a cultura ocidental nunca fez maior homenagem ao direito de resistência contra a vontade do príncipe – despreza a ameaça do seu tio e futuro sogro, e parte a cavar a sepultura de Polinice com as próprias mãos!

Creonte não recua da sua determinação e condena Antígona a ser enterrada viva, por ter-se insurgido contra sua ordem. Ismênia, a outra irmã deles, até então apática, oferece-se para sofrer a pena de Antígona, que não aceita a oferta.

Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona, insta seu pai a consentir no desejo dela de dar sepultura a Polinice. Sem sucesso, pois Creonte mantém-se, como sempre, inflexível. A pena deve ser aplicada. Hémon suicida-se. O inflexível Creonte faz valer sua autoridade, mas perde o filho e ainda perderia mais. Sua esposa, ao saber do suicídio do filho, segue o mesmo caminho. Creonte mantém a autoridade, mas perde filho e esposa.

Édipo já não via e já não vivia, há tempos. Polinice e Eteócles não viviam mais, mataram-se. Antígona tampouco vivia, sua sentença foi cumprida. O filho e a esposa de Creonte, mataram-se. Viveram Creonte e Ismênia, em condições previsíveis.

Isso, disse Sófocles, o mais grande dos poetas e o mais longevo, segundo a tradição.

Khadafi, um líbio, promoveu um golpe de Estado e reinou quarenta anos, na Líbia. Bem ou mal reinante, tinha a Líbia os melhores indicadores sócio-econômicos da África. Contrariou interesses colonizadores quanto ao petróleo, mas cedeu, depois. Subornou e deixou-se subornar pelos colonizadores. As circunstâncias, aquelas que faziam necessário tornar as revoltas árabes em coisas controladas pelos colonizadores, tornaram-no, novamente, em alvo.

França, Inglaterra e EUA atacaram-no e subvencionaram bandidos piores que ele. Caçaram-no e, ao que quase tudo indica, capturaram-no e executaram-no. Disseram que ele era odiado pela população líbia. Se tão odiado pela população – certamente odiado ou simplesmente aceito pelos colonizadores que subornava – era um não-problema, morto. Não se cultuam os detestados da maioria.

Dizem que será sepultado em local incerto e sem indicações. É sem sentido. Um desimportante, odiado pelo pelo povo, pode ser sepultado em sítio conhecido, pode ter lápide com seu nome verdadeiro, data de nascimento e de morte.

Se khadafi era odiado e sua execução correspondeu a um desejo geral do povo líbio, qual o problema de respeitar as lei corânicas? Qual o problema de dar-lhe sepultura certa?

Tebas, depois dos trágicos episódios contados por Sófocles, sabe-se o que foi…

 

O forró, o “for all” e a kizomba.

De uns anos pra cá, geralmente na época do São João, surge uma estória de que o nome “forró” seria o aportuguesamento de “for all”, e que seria usado por soldados americanos para falar de festas “para todos” (tradução ao pé da letra de “for all”) onde tocava a música que hoje se conhece por forró… Logo o nome do nosso estilo musical nordestino, nos teria sido presenteado, até isso, pelos americanos.

Acho que além de inverídica, para não dizer estapafúrdia, a estória contada nos deprecia… O que se chama de cultura, e nos chega desde os Estados Unidos da América, não é exatamente algo que eu diga que tenho orgulho da influência, em nossos regionalismos, sabendo que, hoje em dia, há até mesmo cópias de músicas em inglês, adaptadas apenas ao nosso ritmo. Esse tipo de estória aparece, e fica nessa obscuridade, até por improbalidade, não se pode provar o contrário, e talvez por isso mesmo, ganhe ares de coisa séria.

A kizomba é uma dança africana, de Angola, onde há um baile muito parecido ao de nosso forró, apesar do ritmo ser bastante diferente. Isso é fácil de ver e provar. Mas penso que dizer que forró é “for all”, e que veio dos EUA, gera, para algumas pessoas, mais estatus, do que dizer que aprendemos a dançar com os africanos e que o forró parece MUITO com a kizomba!

Deixo vocês com uma pequena aula, olha só o “passo base” e diz se não é forró direitin! =)

Salário de R$ 30.600,00 para juiz do supremo: a ditadura da burocracia e a pretensão à imunidade crítica.

Muitas coisas são comparáveis. Os tolos e os mal-intencionados sabem disso, mas só comparam segundo suas conveniências. Bem, dito isso, é bom saber que o salário mínimo, no Brasil, é de R$ 545,00, o que resulta em U$ 328,00, na taxa de câmbio comercial de hoje: 1,66 real/dólar norte-americano.

Em 2012, o salário mínimo será de R$ 620,00, ou seja, U$ 373,00. Os juízes do supremo tribunal federal e o procurador-geral da república querem que seus salários aumentem para R$ 30.600,00, ou seja, U$ 18.433,00. Eles querem ganhar 50 vezes um salário mínimo, diferença proporcional escandalosa, sob quaisquer parâmetros. Tal diferença não existe em canto algum, onde haja um salário mínimo legal e um salário máximo para a função pública.

Eles passam ao largo dessa obscena desproporção, porque ela os favorece. Por isso, dizem que as comparações são incabíveis. Se se tratasse de comparar para mostrar um eventual salário reduzido dos juízes, eles se serviriam das comparações com toda a tenacidade possível. Se fosse de seus interesses, eles publicariam nas portas dos fóruns as tabelas de salários de juízes e de salários mínimos, no mundo inteiro.

Apegam-se a aspectos formais desprezíveis, em posturas incompatíveis com a dignidade que pretendem e com a insistente ênfase para os tais cargos de soberania. Curioso, cargo de soberania que nunca passou por consulta popular, ou seja, pelo crivo dos soberanos, o povo.

Dizem que a constituição assegura a reposição das perdas inflacionárias. Realmente, a constituição tem esse objeto arqueológico e estúpido de indexação. Acontece que eles, os juízes do supremo, já decidiram várias vezes que essa cláusula constitucional é meramente formal! Sim, em várias questões sobre carreiras de funcionários públicos, esses senhores disseram que a garantia é de revisão anual, pouco importando de quanto.

Quando se trata dos interesse deles, a garantia assume ares materiais, diferentemente do que decidiram para outros. Isso é o que se espera de juízes? Espera-se que a mesma cláusula valha diversamente para classes em situações idênticas? Que julguem em causa própria?

Outra coisa notável é a arrogância que se descobre nas suas posturas. As mesmas pessoas que gostam de pedir tudo aos outros bem explicadinho, detalhadamente, que gosta de por os mortais a lhes pedirem suplicantemente, com genuflexões, como quem pede a deuses mal-humorados e caprichosos, expõe seus pleitos com uma superioridade mal-disfarçada.

Pedem um aumento absurdo como se fosse a maior trivialidade, uma coisa óbvia e previamente devida, certa, impassível de dúvidas. É de comover! Todo o restante do mundo assalariado tem que se expor a insistências, a explicações, a dar razões consistentes, mas esses senhores apenas devem comunicar o que desejam, para que seja ratificado. Mas, quantos votos eles têm?

Eles têm que explicar que valem o que pedem, porque pedem a todo o povo que custeia o Estado que lhes conceda o que acham devido por direito divino. Podiam lembrar-se que, há pouco mais de dez anos, pediam mais discretamente e recebiam nada, no caso específico do consulado de Fernando Henrique Cardoso. E este, Fernando Henrique, não os deu nada  e não foi porque tenha consultado o povo, mas simplesmente porque não quis e não se preocupou com isso, forte em patrões robustos e ideologias religiosas que se queriam liberais.

Não há qualquer razão para o governo e o congresso cederem à chantagem judiciária. Uma greve de juízes? E daí? Se a fizerem, a imprensa contrária ao governo vai dar ênfase, mas o fará não porque queira que eles tenham o aumento, apenas porque qualquer coisa que sirva para falar mal do governo calha bem. Entrarão nesse comércio de cabeça, assumirão os riscos do flerte com a imprensa de baixo nível que domina a cena?

Zé Dirceu mete medo na Veja.

Aconteceu um episódio que mistura patifaria e ridículo, em doses imensas. Um repórter da revista Veja – o maior lixo editorial brasileiro com pretensões informativas – tentou invadir o apartamento do Zé Dirceu, no hotel em que ele hospeda-se, em Brasília.

Sim, o fulano tentou enganar a camareira, dizendo-se o hóspede daquele apartamento e que tinha perdido as chaves. Uma estratégia tosca, que não deu certo, porque a camareira sabia muito bem quem era o hóspede costumeiro do quarto.

Desmascarado, pois a camareira avisou à gerência do hotel, o tal repórter saiu às pressas, sem pagar a conta! Mas, o agente semi-secreto da Veja tornou à carga. Retornou ao hotel, identificou-se com outro nome, disse que era assessor de um certo prefeito e que precisava deixar uns documentos importantes no quarto do Dirceu. Novamente, a ação dessa mistura de Clouseau com empregado de Corleone resultou mal.

O hotel apresentou queixa formal, na polícia, por tentativa de invasão.

Está claro que se ia produzir um escândalo, essa coisa difusa de que vivem meios de comunicação do nível da Veja. Ou iam implantar escutas no quarto, ou forjar documentos acusadores ou qualquer coisa desse jaez mafioso que está por trás da falta absoluta de limites e atuação clara no âmbito mafioso.

Zé Dirceu é um sujeito inteligente, muito tenaz e político vinte e cinco horas por dia. Tem, além dessas características, outra muito interessante: mete-se em tudo e assume os riscos correspondentes. Nesse sentido, não é um canalha, porque joga as regras do jogo e fá-lo com mais desenvoltura que a enorme maioria dos políticos.

Ele foi alvo – o que não carrega juízo de culpa ou inocência – de uma manobra bem orquestrada para fragilizar o ex-presidente Lula, no início de seu primeiro mandato. A imprensa contrária ao ex-presidente criou uma coisa chamada mensalão. Essa coisa seria um esquema governamental de pagamento mensal e constante por apoio parlamentar.

A criação da farsa baseou-se em duas coisas existentes. A primeira é o financiamento ilegal – por fora – de partidos políticos, que gastam nas campanhas eleitorais muito mais que o declarado oficialmente. Outra, foi a filmagem de um  pedido trivial de suborno, por parte de um funcionário subalterno da Empresa de Correios, que nenhuma ligação a Dirceu tinha. O valor é bastante esclarecedor, pois esse imenso meliante recebeu R$ 3.000,00! Sim, a república devia ser abalada por um pedido de U$ 1.500,00, feito por um subalterno!

O público recebe a bomba já armada, tudo misturado e uma versão final pronta e já com os acusados condenados. Todavia, Lula e Dirceu estão muito longe de serem estúpidos. O ministro poderosíssimo afastou-se do cargo e cuidou de defender-se. O presidente afastou de si o tal escândalo e o mundo seguiu seu rumo.

O problema desses escândalos é precisamente sua vacuidade e a diferença entre alguma base fática e a versão oferecida pelos media. São instrumentos táticos que servem à uma estratégia maior, de longo prazo. Assim sendo, destinam-se a terem vida curta e a sucederem-se, uns aos outros. Então, ou bem um desses escândalos tem massa crítica suficiente para uma total derrubada do alvo, ou bem vai esvair-se aos poucos, à espera do próximo.

O lastro do mensalão são coisas diversas do que se acusou Dirceu e o governo em geral. Trata-se do fluxo de caixa dos partidos políticos e envolve a todos eles. O mensalão, como foi vendido, é profundamente improvável, embora fosse uma grande idéia, caso posto em prática, porque comprar continuadamente é mais barato que esporadicamente.

O caso é que o problema do financiamento ilegal de partidos, se levado às últimas consequências, implicaria enormes prejuízos em todo o espectro político partidário e isso não convinha, obviamente, a um escândalo desencadeado por visões politico partidárias. E Dirceu, evidentemente, sabe disso e sabe de muito mais.

Levaram o caso ao supremo tribunal. O ministério público denunciou algumas figuras políticas, entre elas o Zé Dirceu, pelo que seria o mensalão. Ou seja, denunciou pelo que não aconteceu, mas pode levar, ao menos hipoteticamente, a descobrir-se o que acontece…

Da forma que se fez a denúncia e tratando-se de réus poderosos e dispostos a defenderem-se adequadamente, parece claro que redundará em absolvição. Não sei se os media, Veja principalmente, terão coragem de apostar ainda mais e atacar o tribunal, a insistir na inexistência que encobre outra coisa. Por isso, a tentativa de invasão – prova da possibilidade da convivência da patifaria com o ridículo – faz bastante sentido.

A publicação precisa de alguma coisa, e qualquer uma serve e qualquer meio é para ela possível, para manter a pressão sobre Dirceu. Não pode haver um Zé Dirceu absolvido e sempre sabedor das coisas e disposto ao combate.

 

Quem matou Kennedy.

Obama não quer ficar assim…

O título é assim mesmo, sem interrogação. Primeiro, não visa a provocar falso suspense; segundo, sabe-se, pelo menos, porque mataram Kennedy, o que abrevia a questão de quem o fez.

Como não foi acidente, nem obra de Lee Oswald, evidentemente, a questão é por que e não exatamente quem. E a questão vem um tanto a calhar, hoje, quando as finanças testam os limites de tensão da corda.

O Presidente Obama não quer o mesmo fim, portanto cede…

O trecho adiante foi extraído do texto Who Killed JFK, de Dean Henderson e é bastante claro e direto:

Kennedy had angered the US military establishment but his death sentence was signed by the international bankers.

Kennedy had announced a crackdown on off-shore tax havens and proposed increases in tax rates on large oil and mining companies. He supported eliminating tax loopholes which benefit the super-rich. His economic policies were publicly attacked by Fortune magazine, the Wall Street Journal and both David and Nelson Rockefeller. Kennedy’s own Treasury Secretary Douglas Dillon, who came from the Bechtel-controlled Dillon Read investment bank, voiced opposition to the JFK proposals. [386]

Kennedy’s fate was sealed in June 1963 when he authorized the issuance of more than $4 billion in United States Notes by his Treasury Department in an attempt to circumvent the high interest rate usury of the Eight Families Federal Reserve international banker crowd. President Lincoln had made a similar move 100 years earlier and suffered the same consequences.

The wife of accused assassin Lee Harvey Oswald, who was conveniently gunned down by Jack Ruby before Ruby quickly died in prison, told author A. J. Weberman in 1994, “The answer to the Kennedy assassination is with the Federal Reserve Bank. Don’t underestimate that. It’s wrong to blame it on Angleton and the CIA per se only. This is only one finger on the same hand. The people who supply the money are above the CIA”.

Strauss-Khan: a canalhocracia é moralista. E os fatos? Há fatos?

Aconteceu qualquer coisa entre Dominique Strauss-Khan e a camareira Nafissatou Diallo, no hotel de múltiplas estrelas novaiorquino. Um estupro, um quase estupro, violência física… Há um processo pára apura-lo, porque acredita-se em processos para se descobrirem as coisas, embora sirvam pára construi-las e condenar alguém, que pode ser o autor ou o réu.

De início, Strauss-Khan foi submetido à indignidade pública, o que foi visto como vingança social, porque a indignidade momentânea de um poderoso foi vista como contrapartida da servidão histórica da outra, a vítima.

Houve as suposições habituais, quase todas esquizofrênicas e a girarem em torno ao mesmo ponto central do modelo. Para uns, os absurdos de um poderoso encontravam, enfim, punição no linchamento moral nada súbtil, mas imediato, transmitido direto para meio mundo. Pára outros, houve um golpe orquestrado cuidadosamente, com base em interesses escondidos e a servir-se de uma oportunista relacionada com pequenos criminosos.

A segunda idéia veio a parecer mais sagaz, para os que se querem sagazes. Depois que se descobriram contatos da vítima com criminosos comuns, estabeleceu-se que ela não era vítima. Esqueceu-se – a partir de alguns fragmentos de informação – que a reputação da vítima nada tinha com a ocorrência ou não da agressão.

A reputação da vítima, coisa elaborada segundo os critérios do agressor, tornou-se no ponto chave do caso. A vítima comunicava-se com pessoas suas semelhantes, étnica e socialmente. A vítima já se tornava culpada de ser quem era e de estar onde estava. A agressão desapareceu…

Isso vai muito além do antigo argumento tu quoque, que permite a dois bandidos igualarem suas situações, porque já fizeram o mesmo.Vai além, porque o mesmo só acontece em situações similares. É o argumento de dois frequentadores de Eton, que quebraram lojas, depois de bebedeiras, afastaram-se ligeiramente na política e reencontraram-se no parlamento, a responderem por delinquências comuns à classe.

Agora, diz-se que o laudo médico-legal aponta a existência de agressão física a Diallo, por Stauss-Khan. O tal exame não diz que Diallo amiga de fulano ou sicrano, encarcerado por isso ou aquilo, foi agredida e violada por Strauss-Khan. Diz que ela foi vítima de agressão, narra a existência de traumatismo na região pélvica…

Esses traumatismos físicos, essas evidências de violação com agressão física deixam de existir por conta das amizades da vítima?

Bancos e os fundamentos do poder.

O banco sempre empresta o que não tem ou mais do que tem, ou seja, a descoberto. É a regra de ouro da atividade bancária, emprestar mais do que tem e a quem não pode tomar aquele dinheiro emprestado, até porque o melhor devedor é aquele que não pode pagar e não paga o total, nunca.
A dívida com o banco deve ser como a ferida que nunca sara; aliás esse é um dos fundamentos do poder. O outro é a mentira. Dependência, mentira e discurso são os fundamentos do poder. A coação física é um meio à disposição de quem opera os fundamentos. Assim acontece com os grandes poderes que se evidenciam: o dinheiro, a ciência, a dupla política e direito.
O dinheiro é uma representação e uma mercadoria denominada em si mesma. Fundamenta-se na dependência dela, na mentira de sua realidade e no discurso de que é impossível romper com seus mecanismo.
O mesmo acontece com os poderes da ciência, em que se destaca a medicina, e do político-jurídico. Aprisionam com a dependência do saber do especialista, com a mentira de suas certezas e da impossibilidade das coisas serem diferentemente e com o discurso que embasa sua verdade inquestionável. Tudo isso funciona porque não existe liberdade; foi esmagada.
Portanto, os bancos sabem que esse dinheiro financeiro, a juros, é de mentira. Nunca um banco será mais desonesto que o sujeito que deixou de pagar-lhe. É bom lembrar disso, para objetar moralistas de ponta de rua, sejam eles movidos por tolice, sejam eles simplesmente moralistas comprados pelos bancos.
Sim, porque foi elevada a axioma a bobagem dos contratos imutáveis e dos acertos livres. Foram todos levados à devoção a uma verdade não-sabida. Experimentem todos os que vivem a verdade do sistema financeiro irem buscar o que pensam terem nos seus bancos. Isso é exemplo vulgar e gasto, pois todo mundo sabe, ao final e ao cabo, que seria a quebradeira, porque aqueles números, em papel ou no computador, correspondem a nada.
A bancocracia é possível porque as pessoas dependem da crença em algo, em alguma estabilidade, aceitam bovinamente a mentira que lhes é oferecida – porque são ignorantes ou, não o sendo, não pensam mesmo – e precisam ter um discurso para reproduzir. No fundo, as três bases são a mesma coisa, decomposta em três fatores ou aspectos diferentes.
Mas, a questão é dizer que os caloteiros de um banco não são mais ladrões que ele, banco. A questão é pensar as coisas um pouco além do moralismo rasteiro do moralista sincero ou do moralista comprado.

 

Brasilidades: a promiscuidade público – privada.

Esse, certamente, é dos caracteres mais marcantes de certa forma de estar no mundo que viceja forte no Brasil: a total promiscuidade público-privada. Essas duas esferas misturam-se e imbricam-se como nervos na carne, até se confundirem quase totalmente.

Claro que nunca ocorre a confusão total, porque o privado defende-se, e fá-lo como se nunca tivesse sugado o público até este ficar exangue. No limite, escapa o interesse privado, sempre.

A repulsa que a simples expressão dedicação exclusiva causa é prova inequívoca da promiscuidade público-privada enunciada acima. E não precisa ser dedicação exclusiva imposta de cima para baixo; trato aqui da dedicação exclusiva opcional e aproveito para falar de coisas concretas.

Sabe-se que existe um regime de docência superior em instituições públicas submetido a dedicação exclusiva. Nesse sistema, o professor optante – sim, é bom apontar o optante – passa a ganhar uma gratificação e fica impedido de qualquer outra atividade. O exclusiva da locução não abre campo a dubiedades e espaços vazios para interpretação: exclusiva quer dizer exclusiva e pronto. Assim está na lei.

Pois bem, muitos docentes optam pela dedicação exclusiva, para ganharem mais, e trabalham em outras coisas. Nesses casos, ocorre improbidade administrativa, ilícito que implica na reposição ao erário do ganho ilícito, impõe multa civil, impõe proibição de contratar com os poderes públicos e impõe suspensão dos direitos políticos e perda do cargo!

As leis são claríssimas quanto a isso, mas o fato é tão comum quanto claras são as leis. Inúmeros docentes de medicina, em universidades federais, optam pela dedicação exclusiva e trabalham em consultórios particulares. Outros tantos de engenharia fazem o mesmo e trabalham como consultores ou projetistas. Os exemplos estão em todos os ramos da docência, enfim.

E, tolera-se! Sim, tolera-se, não se escuta falar da coisa, fez-se dela assunto proibido, ou desassunto, ou coisa de menor importância. Ora, se era para ser assim, por quê raios trataram disso na lei e regularam a proibição? Será o amor profundo das aparências, a hipocrisia insuperável que nos inspira as ações diárias? Será a inclinação para a palhaçada, para o ridículo de sairmos a fazermos proibições em que não acreditamos?

Se a preocupação do sujeito é ganhar mais e ele pode consegui-lo trabalhando fora do serviço público, por que opta por algo que legalmente é impeditivo? Porque sabe que dará em nada, que, no final e ao cabo, estará navegando nos mares da normalidade extralegal.

A dedicação exclusiva deveria ser a regra das funções públicas, até para se evitarem conflitos de interesses. Qual a razão para se admitir que juízes, procuradores, promotores públicos, por exemplo, dediquem-se à docência superior? Não vivem a reclamar que trabalham demais, como querem ainda trabalhar mais, acaso ganham pouco?

O Brasil não é um país sério: racismo na Universidade Federal do Maranhão.

Vem a tona um caso paradigmático do que é a mentalidade da classe dominante brasileira. O caso particular chega a ser caricatural, pelas circunstâncias que o envolvem, destacadamente por ter sucedido no Estado do Maranhão, que ocupa a pior posição na lista de IDH – índice de desenvolvimento humano dos Estados brasileiros. O IDH do país é baixíssimo, o do Maranhão é revelador da ante-sala do inferno. Mais adiante ficará evidente a razão dessa menção ao IDH.

O caso é que um africano, nigeriano, preto, é aluno do curso de Engenharia Química na Universidade Federal do Maranhão. Ele vem sendo vítima do crime de racismo, praticado pelo professor Cloves Saraiva, que, segundo noticiado nos links que estão ao final, agride o aluno constantemente. Pergunta-lhe por que não volta para a África, que aqui somos civilizados, diz que deve clarear sua cor, faz piada com a sonoridade do nome do aluno, relacionando-a com o vulgar no cú.

É um retrato sem retoques do baixíssimo nível da figura média componente das classes dominantes brasileiras. Um professor universitário de engenharia química presta-se a fazer anedotas vulgares com a sonoridade de um nome próprio em outra língua! Esse bárbaro oferece-se ao ridículo abertamente ao dizer que o aluno volte para a África, pois que aqui somos civilizados. Civilizados!

O professor do Maranhão, esse grande civilizado, acha-se na civilização. Vou dar uma pequena idéia da civilização em que ele insere-se. Em 2005, o IDH do Maranhão era de 0,683, comparável, em termos mundiais, ao Gabão, curiosamente situado na África e, até onde se sabe, raramente utilizado como parâmetro de civilização, nos termos em que o professor usa o conceito.

Ainda segundo os dados de 2005, o IDH – Educação do Maranhão é de 0,784, comparável, em termos mundiais, a São Tomé e Príncipe.

Vamos adiante: o IDH – Renda do Maranhão era, em 2005, de 0,57, comparável, em termos mundiais, ao Vietnã!

Em termos de esperança de vida, o índice de longevidade do civilizado Maranhão é de 0,696, em dados de 2005, sempre. Comparável ao Uzbequistão.

Esse primor civilizacional foi produzido por uma classe dominante de que é honroso representante o professor racista! O produto revela o nível de seus produtores, evidentemente.

Professor no Maranhão é acusado de racismo contra africano

Crime de Racismo na UFMA

Poder e as prisões da alma. O prisioneiro concorda em dar sua dignidade.

 

Uma velha doente, tem leucemia, de 95 anos, foi submetida a uma revista e a retirar a fralda geriátrica, em um aeroporto da Flórida, nos EUA. O funcionário da segurança do aeroporto percebeu algo estranho em sua perna. Levada para uma sala à parte, a filha da idosa foi obrigada a assea-la, sim, porque estava suja, antes que os funcionários a revistassem detalhadamente. Revistar detalhadamente uma idosa de 95 anos, despida!

Sim, os funcionários de um aeroporto norte-americano vêm perigos em velhas de 95 anos, doentes, incapacitadas. Põe-nas em situações mais aviltantes que aquelas já proporcionadas pela vida. Reduzem a dignidade ao rés do chão, porque afinal não têm qualquer rasto dela; não acreditam nela, não a têm em si e, assim, não podem reconhecer a perda do que não conhecem.

Dirão a palavra segurança, mil vezes, se se acharem obrigados a dizerem algo. Mas, segurança não têm a mínima idéia do que seja, escravos de uma engrenagem demoniacamente democrática no rebaixamento. Sentem prazer em fazê-lo? Provavelmente, um prazer difuso, mal percebido, mas sempre um prazer. De poder, de rebaixar indistintamente, de deixar claro o poder que reside em igualar desigualando na insensatez. Fazer triunfar a insensatez animalesca com alguma desculpa que mal compreendem.

E está tudo ordenado para que o agredido, o humilhado, um pouco menos bestializado que o agressor, ainda assim sinta-se obrigado a buscar para a agressão uma explicação racional. Para submeter-se fazendo sua submissão ser algo voluntária, como que inescapável, porque afinal os poderes são fortíssimos e ser diferente é indecente.

Terá passado pelas cabeças da idosa e de sua filha mandarem tudo à puta que os pariu e dar meia volta, desistir da viagem? Talvez, mas seria escandaloso nesse país campeão em hipocrisia e violência, que fala em liberdade, como de um nada qualquer, e não respeita qualquer liberdade. Seria mais constrangedor ser livre que ser escândalo a não aceitar voluntariamente a falta de liberdade e a humilhação da canalhocracia.

Assim operam os poderes fortes nos discursos técnicos ou científicos. São irresistíveis até sem coacção física, porque são poderes do discurso epistemológico. Encarceram coercitivamente apenas nos casos mais extremos, como a prisão, o manicômio ou o hospital. Não há recursos, não há apelações, não há outras instâncias, pois todas são escalas da mesma coisa.

Sem coerção física coagem pelo medo da diferença. E não se cuida do medo da diferença social, somente, mas do medo da diferença entre o normal – aquele que acredita no saber técnico – e o anormal, aquele que acredita em si. Dá medo duvidar do especialista, do detentor do saber técnico, seja ele jurídico, psiquiátrico ou médico, ou seja, de qualquer enunciador de um saber poder.

A liberdade é Monicelli, mas há poucos dele…

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