Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Infâmias (Page 6 of 20)

Lula e o ódio de classe.

Está em marcha um conjunto de ações concertadas para interditar politicamente o ex-Presidente Lula. À frente desta operação estão parte majoritária da imprensa, dois ou três partidos políticos em decadência, um em ascensão, meia dúzia de empresários, meia dúzia de banqueiros privados, partes do judiciário e do ministério público.

O ódio profundo a Lula, como tudo muito intenso, não se explica apenas por razões utilitárias, assim como não se explica racionalmente o ódio de alguns homossexuais e de algumas mulheres reprimidas pela liberdade sexual . Se fosse resultado do conjunto de ressentimentos dos que perderam algo por conta das ações do ex-Presidente ao longo de oito anos de governo, seria muito menos intensa essa raiva. Mas, é algo a passear no campo do fetiche.

Nos anos de governo Lula, os banqueiros privados perderam alguma coisa, mas foi pouco. O que se perdeu por os juros dos títulos públicos terem baixado de patameres obscenos para níveis razoáveis, ganhou-se com a ampliação da tomada de crédito pelas camadas mais baixas. Ao final, ampliou-se a base de clientes e os bancos foram obrigados a agirem como bancos e não apenas como receptores de juros de títulos públicos, extorquidos à sociedade por meio do Estado.

A imprensa não perdeu por conta do Lula mais que perderia pela marcha da história. O que perdeu, deve-o ao seu laborioso projeto de estupidificação coletiva, coisa que tornou seu público mais difuso e menos fiel. Na verdade, em termos financeiros, a imprensa teve perdas a se porem na conta de seu próprio funcionamento anti-empresarial. O governo Lula não diminuiu os gastos públicos com propaganda, nem alterou sua divisão entre os meios.

As classes sociais intermédias e alta nada perderam, embora tenham a percepção de ter perdido. É que elas fazem a comparação sem termo fixo, o que conduz ao equívoco das relações entre expectativas. Ora, se eu comparo o que recebo com o que acho que receberia idealmente, em tal ou qual situação, o resultado pode ser um abismo.

As classes altas, o 01 %, esses nunca perderam nem perderão, mesmo se houver uma revolução. Nos grandes rompimentos que às vezes vêem com as revoluções, o 01% perde alguns espécimes por eliminação física, mas nunca o que possuem. Lembrem-se os superficiais que 01% não é uma figura metafórica, é um em cem mesmo. Lembrem-se, para evitarem equívocos vulgares, que os expropriados de terras na revolução russa de 1917 não compunham o 01%. Os componentes desse seleto grupo foram-se para Lutécia e seu dinheiro continuou a escravizar o novo governo e o povo, claro.

Na verdade, em termos materiais, todos ganharam nos oito anos de governo de Lula, porque a distribuição de rendas melhorou marginalmente e a economia cresceu substancialmente, o que significa dizer que o 01% foi quem mais ganhou, o que é quase uma lei natural. É claro que poderiam todos terem ganhado mais, se o mundo não entrasse numa crise de excesso de dinheiro falso.

O que explica, portanto, o ódio a Lula, não é o que realmente perdeu-se, é o que se deixou de ganhar em comparação à expectativa de manutenção de uma escravidão absoluta. Essa perspectiva de manutenção pétrea de uma massa de escravos permite esperar um aumento constante de apropriação e o distanciamento relativo das classes médias das mais baixas. Pouco importa, para a classe média, que a distância entre ela e o 01% também aumente, porque ela, cega, não vê o 01%, embora arremede o que acha serem os modos desses poucos desconhecidos.

O ódio ao Lula tem raízes no preconceito de classe. Se assim não fosse, seria impossível vender, com êxito relativo, essa raiva a quem não tem razões para tê-la. O preconceito de classe é atitude profundamente inercial, ou seja, quem não o tem tem pouca propensão a desenvolvê-lo e que o tem tem grande propensão a mantê-lo.

As classes médias são a inércia transplantada para o âmbito social, com relação aos costumes. Um acúmulo de energia que trabalha para a conservação como o leão busca matar sua fome, como busca matar sua fome quem não tem a sensação de segurança ou a de total insegurança.

Esse grupo não percebe as diferenças entre pertencimento de classe social e pertencimento de classe econômica, o que vem muito a calhar para seu oportunismo atávico. Talvez, em verdade, perceba e confunda propositadamente as coisas, e isso devo confessar que não é muito claro para mim. Um exemplo vem a calhar: pertenço à mesma classe social de muitos dos mais ricos da minha cidade, mas não à classe econômica deles.

 O esforço de conservação das classes médias é o elo perdido das ciências sociais, ou seja, é a ponte entre o natural e o social. Aquilo que denuncia a inverdade do puramente natural e do puramente social, coisas que existem misturadas nesse estrato, como se tudo fosse uma inclinação e uma repetição, ao mesmo tempo.

Lula significou para essa gente uma ameaça à inércia. As coisas iriam mover-se novamente e, por mais óbvio que o movimento não deslocasse muito as posições relativas, haveria ameaça e houve. O sujeito que pemanece ou ascende, mesmo que tenha posição subalterna em relação a outros, é cioso de sua posição superior relativamente aos que escraviza. Isso deve permanecer assim para que as coisas pareçam normais.

As relações do tipo superior e subalterno não se modificaram – houve apenas deslocamento em bloco para cima – mas o temor incutiu-se na classe mais medrosa, venal e moralista que há. Ela eriçou-se, amedrontada, contra a ascensão que em muitos casos foi dela própria.

Agora, cabe distinguir agentes e objetos da ação, em dois graus. Agente é o 01%, que pretende o aumento da acumulação até ao infinito, o que não é teoricamente impossível e desculpe-me Carlos Marx. Objetos e agentes da ação são, em grau menor, os componentes da camada média, que obedecem aos desígnios de cima e à inclinação própria de quem está no meio.

Assim, o que a imprensa fez foi semear em terras férteis, embora pouco extensas. Ela obteve o ódio irracional, mas isso dará em quê, excepto na denúncia inútil de atemporal moralismo de amorais? Em golpes de estado patrocinados, hoje, pela burocracia estatal judiciária pseudo-meritocrática?

Depois de impedir politicamente Lula, o que farão? Impedirão partidos? Ou impedirão um a um, caso a caso?

Obama e a aposta certa na massificação.

Todos os governos norte-americanos desde o Presidente Jonhson apoiaram incondicionalmente o sionismo e trabalharam basicamente para os interesses de três complexos econômicos: o sistema financeiro, a indústria bélica e a indústria químico-farmacêutica.

Não é que me esqueça do complexo mediático, mas que o ponha na condição de intermediário entre o poder real e o poder político, o segundo desepenhado por empregados escolhidos pelo primeiro. A imprensa não é propriamente um complexo para que os governos trabalhem, mas a voz dos três grandes grupos onde está o poder real.

Essa voz permite que exista a aparência que é o jogo democrático, falsa peleja que só pode ser encenada com massas não apenas incapazes de pensar, mas incapazes de ter acesso a fatos.  Claro que estágios mais avançados da imbecilização espetacularizante chegam até a permitir a livre circulação de fatos, tal é o nível de lógica de partido e cegueira a que se terá chegado.

Hoje, de certa forma, atingiu-se o nível ideal de espetacularização para que o domínio seja quase pleno. É possível que evidências passeiem às vistas das pessoas e sejam percebidas exatamente como se não tivessem ocorrido ou, pior, que delas se extraiam conclusões contrárias ao que um ser mais ou menos livre extrairia.

Pois bem, o Presidente Obama disse, a respeito de mais uma erupção do afã matador israelense, que nenhum país tolelaria mísseis vindos de fora a cairem no seu território. A proposição é irretocável, sob um prisma abstrato, formal e sem quaisquer aparentes juízos de valores a turvarem o entendimento. O evidente da frase, deixemos para lá: que Obama simplesmente quer defender Israel, pois é natural defender o patrão.

Não me parece inteligente supor que Obama é pouco inteligente e que ele mesmo age e pensa como os destinatários da fórmula, de resto tão lógica. Ele não é burro; ele é um empregado bem formado, que consegue demonstrar simplicidade e sofisticação com certa naturalidade e por isso foi escolhido para o posto. Ele é muito mais serviçal e violento que os brutos, exatamente porque não age com brutalidade, mas com sutileza.

Recorrer às formas para esconder a matéria é usual. No âmbito político, implica público ignorante de história e já deformado para ter o campo de opiniões reduzido ao maniqueísmo mais binário possível.

A redução do público ao homem massa total – aquele que até a linguagem perdeu – e ao homem massa aparentemente não-massa  – aquel que detém a linguagem, alguma lógica formal, mas obra já no maniqueísmo atemporal – foi trabalho levado a cabo pelo cinema, pela TV, pela imprensa escrita e pelos escritores a soldo de um público inculto e da academia.

Obama diz que nenhuma nação aceita chuva de bombas extrangeiras, o que é o mesmo que dizer que não aceita invasão externa. Os palestinos constituem uma nação. Assim, os palestinos não é suposto que aceitem invasão e usurpação de suas gentes e territórios pelos israelenses, há cinquenta anos.

O trágico em Obama não é sua lógica, mas que a possa usar para extrair aplausos por ser tão lógico, de um público tão massificado que não perceba que a fórmula serve para qualquer situação.

Juiz Joaquim Barbosa perpetra mais uma aberração.

O juiz do stf Joaquim Barbosa, na sua fúria persecutória aos réus da ação penal 470, dá mais uma volta no parafuso das aberrações jurídicas da perseguição seletiva: manda cassar os passaportes dos réus, que ainda não foram condenados por decisão transitada em julgado.

A medida não tem amparo legal. Foi adotada algumas vezes, a partir da aberrante atuação legislativa de um tribunal que não foi eleito para legislar, quando verificou-se risco real e iminente de fuga de algum processado. Ainda nesses casos, foi ilegal e adotou-se erroneamente como substituta da correta prisão cautelar, que era o cabível.

Quem pode cassar passaportes, no Brasil, é o Ministério da Justiça, órgão do Poder Executivo; nunca o poder judiciário, que não é competente para dar, negar, ou cassar tais documentos.  A cassação de passaportes não se inclui entre as penas previstas na legislação penal brasileira.

A medida revela um juiz com espírito de cruzado e total desprezo pelas leis; certo de possuir alguma condição divina, portanto.

Além disso, é praticamente inútil. Os países do Mercosul não exigem dos nacionais dos estados integrantes passaporte para o ingresso de nacionais. Ou seja, um brasileiro réu na ação penal 470 pode, mesmo com o passaporte cassado ilegalmente pelo juiz, ingressar no Uruguai, por exemplo.

E, lá pode pedir asilo por perseguição política disfarçada em processo judicial, já que este não atendeu às garantias que a constituição brasileira prevê. Seria interessantíssimo que alguém fizesse isso, pois a concessão do asilo político implica o reconhecimento por um Estado soberano das violações sofridas pelo asilado no seu país de origem.

Marcos Valério na Rua Toneleros. Pequena parte 1.

A única coisa a que o capital esteve ameaçado, no Brasil, foi a dividir um pouco menos selvagenmente seus ganhos. Pouquinho menos selvática divisão e permanência de ganhos no país, isso foi tudo quanto bastou para sentir-se ameaçado e partir para golpes de Estado.

Os golpes foram atentados à mais elementar lógica. Sempre se deram a bem da democracia, suprimindo-a. Puríssima lógica do Estado de exceção esteve e está por trás do golpismo brasileiro. Não repitirei detalhadamente pela milésima vez o exemplo de Lacerda e Castelo, mas devo lembrá-lo.

Incapaz de ganhar a presidência nas urnas, Lacerda foi o golpista mais tenaz desde 1950 até 1964. Fez Getúlio suicidar-se, fez o hábil Juscelino servir-se de Lott, fez o honrado Jango servir-se de seu medo de provocar a guerra civil.

Fez, enfim, Costa e Silva presidente da república e fez sua própria cassação vir à realidade. Carlos Lacerda percebeu que o golpe seria uma ditadura tão rapidamente quanto Jango e Juscelino o perceberam. A diferença era que ele tinha estimulado o golpe e Juscelino apenas aceitado, satisfeito por poder concorrer em 1965. A estas alturas, Jango apenas sofria a depressão do exílio uruguaio.

Lacerda foi cassado por aqueles que ajudou a dar o golpe. Dez anos antes, ele era mais inventivo; levou Getúlio Vargas ao suicídio por meio de acusações inverossímeis, na esteira de uma campanha moralista.O episódio da Rua Toneleros – cheio de nuvens – é de se lembrar, porque esta infâmia levou Getúlio à morte.

Um atentado estranhíssimo resultou na morte do major Rubens Vaz e no ferimento de Carlos Lacerda no pé. Os homens estavam juntos, mas um foi morto com tiros no tórax e outro foi ferido com tiro no pé. Particularmente, creio que Lacerda daria um pé pelo poder…

Envolver Getúlio era a finalidade principal. A versão oficial, construída pela imprensa, dava conta da vontade de Getúlio, por meio de Fortunato, seu chefe de segurança. Nunca houve provas disso, mas provas eram o menos neessário, como hoje.

STF: o que certas escolhas implicam?

Na ação penal 470, o STF deveria julgar trinta e tantos réus pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Para ser rigoroso, o tribunal deveria julgar apenas três dos réus, que tem foro por prerrogativa de função. Mas, o Rubicão já foi cruzado há muito tempo.

O núcleo da acusação é que José Dirceu e outras figuras políticas do PT teriam alugado, mensalmente, o apoio de bancadas parlamentares integrantes da base de apoio ao governo, para votarem alinhados aos interesses do governo, notadamente em grandes votações como as reformas tributária e previdenciária.

À parte a falta de provas – que o tribunal superou ao inaugurar o novo direito penal brasileiro, devidamente expurgado de anacronismos como a presunção de inocência e o in dubio pro reo – fica a puerilidade da acusação em si. Primeiro que conseguir alugar uma bancada parlamentar brasileira seria uma façanha a fazer o autor merecer o céu sem escala no purgatório.

Segundo que alugar a própria base é, no mínimo, estranho. Mas, o anseio de linchar não se acanha diante de simples improbabilidades e estranhezas. A coisa foi adiante, bem embalada e propagandeada pela parte majoritária da imprensa atuante no Brasil – não digo brasileira por razões intuitivas.

Ainda que o acusador e os juízes creiam mesmo nisso – é de crença que se trata, pois sem provas não há verdade jurídica – ficarão diante de situação no mínimo embaraçosa, pois haverá quem os chame à coerência.

Ora, se as reformas tributária e previdenciária, em que os partidos oposicionistas votaram unanimemente, foram compradas, temos aqui leis inválidas, por vícios no processo legislativo. O acusador e os juízes irão até às últimas consequências?

Espanha: O rei João Carlos I fez tudo que não podia.

A estupidez é diretamente proporcional ao tamanho do alvo dos tiros…

 

O rei João Carlos costumava ter atitudes inteligentes e, pelo menos aparentemente, sensatas. Não se trata de fazer a hagiologia de Dom João Carlos e de o elevar pessoalmente à condição de salvador. Todavia, o homem desempenhava bem suas funções, tinha senso de oportunidade, mantinha as aparências, não chamava a atenção para si mais que o necessário.

Ele, sabe-se, atuou no episódio de 1981 por cálculo político, pois é provável que fosse favorável ao golpe conservador cuja ponta evidente foi a palhaçada de Tejero. Terá abortado o golpe porque foi avisado que não haveria complacência ou apoio francês, nem alemão, mas revelou-se inteligente, porque percebeu que não dava para ir adiante. Ou seja, o rei não agiu por amor a sólidas convicções democráticas – o que afinal seria um paradoxo num monarca – mas, pelo menos agiu da melhor forma. Um imbecil teria apoiado o golpe, mesmo depois de alertado que a coisa seria dramática para o país.

O rei fez lobi internacional a favor das emergentes empresas multinacionais espanholas, nas décadas de 1980 e 1990, todo o mundo sabe. Não é algo propriamente nobre, mas é comum a figura do monarca comerciante, travestido em monarca diplomata, figura mais simpática. De qualquer forma, por menos nobre, não se pode dizer que tenha sido ruim ou contrário aos interesses espanhóis.

Que o rei se tenha aproveitado dos malabarismos financeiros do seu genro ou mesmo acobertado-os, é algo que não se prova, por enquanto. Que tenha os famosos casos extraconjugais, é algo desimportante, realmente, mas a ele convém ser discreto.

Todavia, que vá caçar elefantes em Botsuana, às custas do Estado espanhol, ao tempo em que se mantém presidente de honra de uma associação de defesa dos animais e quando a Espanha está à beira do precipício econômico é profundamente estúpido.

O rei parece ter abandonado todo o rigor consigo próprio, este rigor que o fez manobrar sempre cautelosamente, sempre aparentar austeridade e simplicidade, que o fez calcular os riscos de apoiar o golpe de 1981. O abandono desse rigor calculista evidencia-se na fotografia acima. Ela é nada menos que absurda. O monarca, velho, posa à frente de um elefante abatido e arranjado cuidadosamente, escorado em uma árvore.

Um imenso cadáver amolecido dá bem a idéia de um vasto e manso alvo para tiros precisos ou imprecisos – pouco importa – desferidos por um prazer fácil de caçar um bicho em extinção… Um prazer estranho, esse de acertar um alvo grande, lento e manso, que não oferece qualquer resistência; um prazer, diria, anti-viril; um prazer assassino sem sangue.

O rei é – ou era – presidente de honra na Espanha da organização internacional WWF, que cuida de defender a natureza. Não é preciso deter-se na absurdidade de um defensor da natureza a matar animais em extinção, por puro deleite de abatê-los. E não se trata de um absurdo com efeitos conceituais, porque a nudez completa da hipocrisia do monarca tem, sim, efeitos práticos no campo político.

A monarquia borbônica beneficia-se de um axioma político cuidadosamente construído a partir de algumas eviências: que a Espanha é impossível sob a forma republicana. Realmente, as experiências republicanas levadas a cabo desde o último quarto do século XIX mostraram-se inviáveis e uma delas acabou-se numa violentíssima guerra civil.

O axioma, porém, socorre-se de pouco corte histórico e da crença na imutabilidade histórica e política, além de um sofisma cuidadosamente escondido. Assume-se que a união da Espanha só é possível sob a forma monárquica ou sob uma ditadura, o que talvez seja verdade, mas omite-se uma questão antecedente: porque a união da Espanha deve-se considerar algo desejável, a priori? Será necessariamente desejável para todos os que se consideram formalmente espanhóis?

Bem, assumido que é desejado por todos que a Espanha seja uma só e que isso somente é possível com a monarquia, chega-se à evidência de que a monarquia tem de estar à altura dessa consolidação de um desejo nacional amplo. E, se esse desejo existe, certamente ele significa um substrato de solidariedade nacional, o que tem contornos muito dramáticos em ambientes de crise e empobrecimento rápido. Aqui, pede-se do rei muito mais que a grandeza política do abortador de golpes políticos a cálculo frio; pede-se que participe da solidariedade.

Gastar dezenas de milhares de euros do Estado – que os obtém de toda a população – para ir matar elefantes na África, quando o povo empobrece, resultou efeitos previsíveis. Um partido já pede a abolição da monarquia e instalação da república. Nem é propriamente pouca gente, nem o pedido vem acompanhado da proposta de fragmentação da Espanha. Ou seja, é uma aspiração que tem sentido político e tende a obter aprovação popular.

A estúpida atitude do rei obriga o poder consolidado, que vai do PP ao PSOE, a grandes esforços retóricos para defendê-lo e a sacar do bolso, meio envergonhadamente, o argumento chantagista do perigo de desagregação. Assim, a discussão não tende a acalmar-se, senão a se reanimar, porque não é verdadeiro que todos os espanhóis queiram sê-lo.

Quando o governo impõe o saque generalizado da austeridade – que, além do mais, é a pior saída econômica – o rei vai caçar elefantes… Quando a tal austeridade implica tensões com os orçamentos das autonomias e ressuscita debates sobre as independências, o rei vai caçar elefantes… Precisamente quando é impossível esquecer-se que crise profunda e Espanha lembram guerra civil, o rei vai caçar elefantes…

A absurdidade da coisa revela-se claramente na impossibilidade de a perceber, nesse episódio, sob a perspectiva da clássica pergunta: para quem o rei trabalha? Ora, nesse episódio, fica a parecer que ele trabalha para si, apenas, e não considerou qualquer outra coisa, qualquer hipótese. Esse é o maior perigo.

EUA: acabaram-se democracia, direitos civis e liberdades individuais.

Os EUA já foram propagadores da democracia, das liberdades individuais e dos direitos civis. Isso estava na constituição deles, em termos muito claros. Na verdade, ainda está e o fenômeno é de desprezo aberto pela tal constituição.

O que se vive nos EUA é precisamente o que os teóricos do estado de exceção preconizaram, ou seja, a superposição de uma ordem jurídica supostamente de exceçã à original ordem constitucional. Uma não substitui a outra e aí reside o aspecto mais pérfido da coisa, pelo que tem de ambiguidade voluntária.

Não é ocioso lembrar que o regime jurídico do III Reich não revogou nem suplantou o anterior regime de constitucional de Weimar. Ele instalou-se ao lado e por cima, o que é espetacular, do ponto de vista político-jurídico.

Hoje, nos EUA, não há, em termos práticos e legais, as garantias e direitos que caracterizavam o regime do país até o grande golpe de 1963. Isso, a despeito de permanecerem na constituição!

Acabou-se, sem mais, nem menos. Por que é claro que se acabou? Basta ler a lista de ações abaixo:

1) The government reads all of our emails and listens to our phone calls contrary to the Constitution. The Patriot Act allows them to search our homes without warrants.

2) They passed NDAA which President Obama signed on New Years Eve. It took away our rights to Habeas Corpus, trial by jury, indeed the right to a trial of any kind, the right to not be tortured and the the right to legal representation. All of those rights were taken from us by criminals masquerading as politicians who also pretended to care for us.

3) The Congress passed an FAA bill which appropriates money for 30,000 drones to spy on us. The majority of those drones are to be armed with shotgun tasers though they can easily be fitted with missiles. You are now subject to summary execution just like the people of Yemen and Pakistan.

4) The government has brazenly said they have the right to kill us without a trial based on secret evidence.

Entreguismo e a mudança que não foi.

Tornou-se lugar-comum nas discussões políticas brasileiras o tipo que foi, supostamente, esquerdista, no período inicial da ditadura inaugurada em 1964, e que, depois, mudou de idéia, porque viu a luz na estrada de Damasco.

Essa gente diz que teve um dia posições de esquerda, mas que, depois, chamados a ocuparem os postos-chaves do Estado, tiveram que assumir compromisso com a verdade única e religiosa que se travestia em economia.

Ou seja, já governantes, governaram para todos os interesses alheios aos do seu país, porque isso era inevitável e mais, porque isso seria bom inclusive para o próprio país. Revela uma capacidade de mentir extraordinária.

A insistência no destino imutável é de se notar. Imutável e impossível de ser diferentemente era tudo aquilo que seus patrões lhes impunham e que eles se empenhavam em vender ao público pagante, com a ajuda sempre preste de uma imprensa voltada aos mesmos fins.

Casos clássicos são os do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-ministro e ex-governador de São Paulo José Serra.

Essa mudança não houve, nem como aceitação póstera de suborno. O suborno foi aceito desde o princípio de suas atividades políticas e acadêmicas. Acadêmicas, aqui, vale apenas para Fernando Henrique, porque José Serra não se graduou em coisa alguma.

Eles contaram com financiamentos da Fundação Ford e da CIA, desde os inícios, como é o caso do CEBRAP. Foram comprados desde o início e muito significativo é que seus esquerdismos não tenham causado grandes embaraços a eles, em plena ditadura de extrema direita.

Essa gente não mudou, ela sempre foi a mesma coisa, apenas disfarçada ao início…

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