Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Infâmias (Page 5 of 20)

Uma farsa e trinta e sete Dreyfus.

Um ponto de contacto entre as corporações militares, judiciárias e clericais é a reinvidicação da infalibilidade e do direito a ser farsesco de maneira irresponsável.  Assim, mesmo depois da farsa desvelada ela mantém-se e as reparações se fazem como soluções compromisso: é formula intrinsecamente contraditória do estava errado e estava certo.

Isso, claro, acontece muito por conta de um sistema interno de cumplicidades, sem o que desmoronariam mais rapidamente e, principalmente, sem o recurso às contradições profundas.

Em 1894 o capitão Alfred Dreyfus foi condenado – se não me engano em quatro ou cinco dias – por alta traição à França. O capitão, segundo apuraram os sábios do conselho de guerra, passara segredos militares para um adido militar da Embaixada da Alemanha em Paris. A prova essencial era um documento sempre mencionado e afinal simplesmente inexistente.

A prova realmente usada, a que deu ensejo ao início da farsa linchadora, era a simples afirmação de que a caligrafia da carta encontrada no lixo da Embaixada era de Dreyfus. Um qualquer oficial do exército francês disse que a letra era de Dreyfus porque já vira qualquer coisa escrita à mão por ele. Só isso. Nada importou que um perito, um funcionário do Banco da França, então o maior especialista em grafotécnica, dissesse que não havia como dizer que a caligrafia era de Dreyfus…

O oficial judeu foi degradado publicamente, em frente à Escola Militar e mandado para cumprir prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Pouco depois, o chefe dos serviços secretos militares descobriu um telegrama enviado por um oficial superior do exército francês ao adido militar alemão. Um documento autêntico que, sim, revelava segredos militares aos eternos inimigos.

O homem teve capacidade de indignar-se e falar da descoberta com oficiais generais, inclusive do tribunal que é o conselho de guerra. Obviamente que passou a ser ameaçado e perdeu a chefia dos serviços secretos. Com o intuito de proteger-se de retaliações mais profundas e menos formais, ele deu a conhecer o episódio e deu o próprio documento a um advogado renomado de Paris, pedindo-lhe que guardasse sigilo e só tratasse do assunto caso solicitado.

O advogado parece que tinha ainda mais capacidade de indignar-se e – ante a imensa e estúpida injustiça cometida contra Dreyfus – procurou um vice-presidente do Senado francês. O parlamentar procurou os infalíveis fardados-togados e a reação foi violenta e no sentido de deixar-se tudo como estava.

A insistência, porém, levou o autor do telegrama traidor da pátria, de autoria certa, ao conselho de guerra, para julgamento. Charles Esterhazy, major do exército francês, autor das correspondências para o adido alemão, era um escroque, chantagista, mal-caráter, jogador, metido em inúmeras dívidas, e foi absolvido no conselho de guerra em questão de 48 horas.

O sistema de cumplicidades que leva à proteção de pequenos e infames delinquentes como Esterhazy envolve coisas como saber as corrupções do general fulano, na compra de materiais bélicos, ou com qual polonesa o general sicrano vai ter à noite. Não raro, os Esterhazy são sumariamente liquidados, quando isso é possível sem muito escândalo. Na ocasião, não era.

Outra coisa a permitir que siga a farsa e não desmorone rapidamente, além dessas cumplicidades criminosas de gabinete, é a imensa propensão do público médio à histeria a partir de alguma idéia aglutinadora o mais tola possível: no caso, o antissemitismo. Dreyfus era judeu e, portanto, culpado à partida, posto que essa invenção tão genial quanto ausente de sentido que é o antissemitismo, à época, formava culpa prévia por qualquer coisa.

É conveniente fazer aqui um pequeno parêntesis para dizer que, hoje, o antisionismo produz o mesmo efeito alucinatório nas massas, e hoje porque é confundido com o antissemitismo, embora sejam coisas nitidamente diferentes. Os deuses têm que se divertir, enfim.

A absurdidade profunda não comunica qualquer coisa às massas médias, mas instiga reações em alguns seres mais que médios. Após a segunda volta da farsa, que foi a absolvição de Esterhazy a despeito de haver provas inequívocas, a coisa foi a ponto de meter em brios um homem que já era velho e de polêmicas aparentemente já se fartara: Emílio Zola.

Ele escreveu a famosíssima peça Eu Acuso, publicada numa espetacular tiragem de 300.000 exemplares por Clemanceau. Este último, por sinal, foi quem deu o fantástico e contundente título, posto que Zola havia intitulado o escrito de outra forma, algo como a emergência da verdade, mas não me lembro agora exatamente, nem vou pesquisar.

Zola não ressuscitou do mundo dos polemistas, até porque polemista era na verdade maneira depreciativa de tratar o grande artista das letras e o caso Dreyfus não cuidava senão de infâmia profunda, não de polêmica superficial. Zola acusa, um a um, os oficias fardados-togados do conselho de guerra e diz esperar o processo que contra ele se abrirá e que o condenará. Quem percebe os grandes passos não duvida da condenação. Ela houve, claro, e Zola foi para a Inglaterra.

A questão de fundo era a República francesa e o anseio de retorno da monarquia, ou seja, questão de poder. As linhas do caso evidenciam-no, na medida em que essencialmente traidores da nação são os monarcas e as casas reais, cujos compromissos e cumplicidades estabelecem-se entre famílias – pouco importando países ou nações – e não com um grupo identificado por língua, costumes, cultura, fronteiras.

O hiato da monarquia na França era já bastante longo, porque Napoleão III não foi um episódio político monáquico, senão o anúncio da única forma de existência estável da França: um império, ainda que decadente, sem dinastia. De Gaulle o percebeu, o próprio Giscard – com todo o ridículo do protocolo real – também, Chirac compreendeu muito bem e, principalmente Mitterand.

A partir de uma mentira pueril, sem provas quaisquer, monta-se a farsa que iria dar no golpe contra a República. Para chegar próximo ao ideal, havia um oficial judeu à disposição.

Depois da absolvição de Esterhazy e da condenação de Zola, as pressões tornaram-se insuportáveis e o governo – gabinete e parlamento – percebeu que era melhor salvar o regime a proteger incondicionalmente a casta fardada-togada. Estava em jogo eles mesmo, enfim, e a França também. Estava em jogo, ainda que tenuemente, o porquê de 1873. Alguém mais apressado diria que o exército era, ele mesmo, por seu comando, traidor da nação.

Fato é que já no século XX, em mil novecentos e poucos, depois das evidências gritantes fazerem seu papel e os políticos perceberem que estavam eles próprios em risco, Dreyfus é indultado pelo presidente da república. O perdão presidencial ocorreu depois da morte de Zola, em 1902, em circunstâncias muito suspeitas, que levaram o filho, inclusive, a suspeitar de homicídio.

O mais interessante nisso é outra contradição fundamental reveladora da força da cumplicidade interna às corporações poderosas: o perdão a Dreyfus não implicou a culpa de quem culpado era, nem a culpa dos que o condenaram sumariamente sem quaisquer provas. É como se as corporações fardadas-togadas fossem totalmente irresponsáveis. Erram e o erro não é erro.

Cento e dez anos depois, coincidências perfeitamente adequadas à história, o mesmo dá-se no Brasil, qualitativamente. Uma farsa possivelmente virá abaixo, mas os farsantes não terão errado. A contradição e a irresponsabilidade são próprios de certos grupos corporativos detentores de poder, e notadamente dos grupos fardados-militares.

Ainda que seus erros sejam evidenciados, produz-se uma solução de compromisso em que se reabilitam os injustiçados e se mantém intocados os linchadores.

Proposta para melhorar saúde e educação públicas no Brasil.

Os serviços de saúde e a oferta de educação são universais e gratuitos, nos termos da constituição brasileira de 1988. A fórmula é de abrangência que não se encontra em outros países, na medida em que universalidade e gratuidade não estão condicionados por qualquer coisa além do orçamento do Estado. Não se exigem quaisquer contraprestações, nem a nacionalidade brasileira.

Nada obstante a declaração na constituição, a realidade apresenta dois serviços ruins. É verdade que a saúde, por meio do SUS – Sistema Único de Saúde – teve melhoras na qualidade dos serviços prestados. Na educação, embora os investimentos tenham aumentado significativamente, os resultados são muito ruins: recentemente o Brasil ficou em penúltima posição numa pesquisa a envolver quarenta países.

Não se trata apenas de dinheiro, evidentemente, quando se buscam razões para as deficiências. Há desperdícios e ineficiência, mas a questão central não se encontra pontualmente. No fundo, há problemas porque os grupos detentores de poder real não estão preocupados com os problemas.

Ninguém reclama a sério dos defeitos dos serviços que não usa; no máximo faz ressonância a reclamações que se convencionou bonito repercutir, por pura conveniência de manter uma boa consciência.

Pois bem, o poder real, no Brasil, encontra-se nos estratos sociais que vão das classes média para cima. Esses grupos não se servem ou pouco servem-se de serviços públicos de saúde. Com relação à educação, esses grupos servem-se da educação de nível superior pública e, por isso mesmo, ela é superior à privada, na enorme maioria dos casos. Ainda pela mesma razão, a educação nos níveis fundamental e médio é ruim.

Aquilo que não é ofertado aos estratos médios e altos tende a funcionar mal, embora haja serviços públicos bons, como é o caso da educação superior, precisamente porque seu maior alvo são os estratos detentores do poder real.

A conclusão é inescapável e sua correção pode ser medida pela ojeriza que essa proposição desperá nas pessoas componentes das classes dominantes: para funcionarem SUS e educação fundamental e média é necessário que delas precisem as camadas média e alta da sociedade brasileira.

Ocorre que o sistema todo é conformado para evitar essa utilização de saúde e educação públicas pelas camadas média e alta, o que evita também a melhora da qualidade dos serviços.

Um Estado capturado por minorias cria mecanismos contraditórios às premissas de universalidade e gratuidade dos serviços de educação e saúde. Um desses mecanismos, que deveria ser suprimido – até por imperativo de coerência interna – são as deduções de despesas médicas e com instrução no imposto a ser pago sobre a renda.

É de uma clareza ofuscante a aberração que é deduzir do imposto pago aquilo que se despendeu com algo oferecido gratuita e incondicionalmente pelo Estado. Se algo é posto a disposição das pessoas sem custos e elas resolvem pagar por isso particularmente, não há qualquer razão para esse dispêndio por opção privada ser suportado duplamente extamente pelo Estado que já oferece o mesmo. Isso socializa os custos privados de classes privilegiadas, além de ser um contrasenso difícil de refutar.

Seriam legítimas deduções no imposto sobre a renda de despesas com serviços essenciais não oferecidos gratuitamente pelo Estado que cobra o imposto. Permitirem-se deduções com despesas em serviços ofertados gratuitamente é permitir que por decisão individual o privilegiado evada-se do pagamento de tributos, o que é disfuncional e aberrante.

Isso de a constituição prever saúde e educação públicas universais e gratuitas e ao mesmo tempo permitir que classes privilegiadas deduzam do imposto sobre a renda despesas com esses seviços é típico da hipocrisia fundante da nacionalidade. Faz-se uma bela declaração de intenções e, por vias laterais, faz-se outra norma a manter tudo como sempre esteve e a mesma sistemática de sangria de muitos em benefício de poucos, por meio do Estado.

Como sempre, percebido o esquema subjacente, hipocrisia e contradição são vertiginosos, até para nossos largos padrões brasileiros. E hipocrisia e contradição revelam-se também nas defesas do deformado sistema. Os beneficiários sempre dirão que tem que ser assim porque os serviços públicos são ruins e têm que partir para serviços privados.

Fiquemos com uma parte da objeção, desprezando a das conclusões, evidentemente, para minimizar os riscos de contaminação. Ora, se os serviços públicos são ruins, pode-se buscar sua melhora, ao invés de saquear o Estado para pagar por serviços privados. Pode-se também assumir postura mais sincera e honesta e deixar os serviços ruins para os pobres e pagar os serviços privados do próprio bolso, mas isso seria sonhar com um direitismo só direitista e não desonesto e oportunista, como é nosso comum.

O meio mais eficaz, não apenas de suprimir a contradição gritante, mas de encaminhar os serviços de saúde e aducação públicas para melhora é tornar as classes médias e altas clientes deles, deixando de ajudar esses grupos a pagarem por serviços privados, quando a constituição diz haver os mesmos serviços públicos, gratuitos e universais.

Brasil: promiscuidade público privada essencial.

Os estamentos mais elevados da burocracia estatal brasileira, seja eletiva, seja meramente seletiva, prestam enorme desserviço à implantação de uma república a merecer este nome. E não se trata aqui de falar desse moralismo difuso anti-corrupção, que não sabe mesmo de que fala.

Trata-se de vício essencial a demonstrar, primeiro, que as preocupações com corrupção são contraditórias e, segundo, que a percepção do que é corrupção é corrompida ela mesma.

Corrompida essencialmente é a noção de espaço público e privado, conveniente e inercialmente imbricadas num todo em que as distinções são pontuais e de mera conveniência.

É básico que funcionários públicos, que em teoria não atuam para nada mais que o interesse geral, não podem colocar-se em situações que insinuem conflitos de interesses. Todavia, no Brasil, esta noção básica é atropelada sem quaisquer cerimônias, ao tempo em que o discurso permanece absolutamente contraditório.

É deformante que funcionários públicos tenham e aceitem presentes e privilégios, mas aqui eles os têm e aceitam. Com relação aos presentes, habitualmente os esquecem, como a tentar fazer deles um nada ou uma normalidade silenciosa. Com relação aos privilégios, defendem-nos com o discurso puído de defesa da atuação e não das pessoas.

É antiquíssima a enunciação de que juízes não podem receber presentes. Tão antiga quanto evidente e coerente, posto que resolver conflito entre partes implica não se relacionar com elas. É intuitivo que o relacionamento do juiz com uma parte desloca sua percepção e anula qualquer possibilidade de imparcialidade. Sem imparcialidade, convidam-se os litigantes ao uso da justiça privada, da força.

Pois, no Brasil, acha-se normal que juízes, em grupos associativos, recebam presentes, que atendem pelo eufemismo patrocínio a eventos. Um sindicato ou associação de juízes recebe, assim, de empresas privadas, passagens aéreas, diárias em hotéis de luxo, refeições caras, automóveis para serem sorteados entre os integrantes.

Da mesma maneira, sindicatos e associações de funcionários públicos com algum poder decisório obtém junto a montadoras de automóveis descontos na compra desses produtos, obtidos única e exclusivamente pela circunstância de reunirem certa corporação estatal.

Curiosamente, os beneficiários desses presentes não acham que estejam a ser comprados nem detem-se a pensar na especificidade das benesses, ou porque o sindicato dos coveiros não obtém as mesmas coisas para seus associados.

Isso de não se acharem devedores dos dadores das prendas é realmente preocupante, porque pode ocorrer que realmente os agraciados acreditem-se merecedores daquilo tudo a troco de nada, a revelar imensa ingratidão e defeito de caráter maior que aceitar as prendas. Aceitá-las e dar nada em troca é realmente vil!

O golpe de estado de 1964 acordou o pior da pequena burguesia.

Não falarei do entreguismo, força que subjaz ao golpe de estado dado em 1964, no Brasil. Falarei dos efeitos laterais da ação para manter o Brasil mais fielmente vassalo de interesses externos.

Instalada no poder a corporação militar a serviço de Jonhson – e, portanto, dos bancos e do complexo industrial-militar – houve condições para a ascensão social de partes da classe média, que nunca tivera grandes poderes decisórios, ainda que fossem os de escolher despachar um papel de um setor a outro de uma repartição pública.

O pessoal próximo aos níveis superiores tratava diretamente com os representantes do Departamento de Estado e das grandes corporações. Esse grupo apropriava-se imediatamente de dinheiros recebidos de fora e roubados do Estado. Era questão de receber, comprar imóveis e pronto. Os mais grandes, mandavam dinheiro para a Suiça.

Essa gente mais de cima é violenta no que consente na violência e no que rouba muito; é a violência no atacado, contemplada e planeada em conversas amenas e sem planilhas. Maquiavel explica esse grupo, o que torna as coisas muito mais fáceis de se perceberem.

A pequena classe média, aquele fermento de todos os fascismos, atua em outra frente. Rapaces a não poder mais e medrosos na mesma medida, gozam das migalhas que caem da mesa dos donos do poder e têm uma característica muito própria: ódio. A par com a vontade de poder, têm algo terrível, que é o ódio aos melhores, aos mais pobres e aos mais honrados. O poder real não odeia, manda.

Nenhum poder ditatorial pôde negar-lhes a saciação de seus desejos. Nenhum Rei e nenhum Bispo de Roma pôde negar aos seus subalternos o direito a queimarem seus inimigos. Claro que boa parte dos bandidos estetas nunca deixou de se escandalizar com isso, mas não deixou de praticar a política que mantém o poder: então, se querem queimar, violar, espancar suas vítimas, que o façam.

No Brasil do golpe de 1964, a distribuição dos subornos à classe de apoio fez-se primorosamente. Quem queria subornar a função pública pôde; quem queria ganhar dinheiro deixando-se subornar, pôde; quem queria espancar, meter cabo de vassoura no cú dos inimigos, dar choques nos testículos, afogar, fazer chafurdar na merda, arrancar unhas, pôde fazê-lo.

Quem, mais pudico e aveso a sangue e fezes e urina e gritos lancinantes quisesse aproveitar-se podia apenas progredir nas carreiras públicas ou nas IBMs, Coca-colas, Fords, Volkswagens e outras mais corporações privadas que gozavam de amplo espaço.

Quase trinta anos depois do fim formal desta festa de sangue sem suor, boa parte dos escravos ascendentes é gente rica. Sem nada do que a teoria pueril do merecimento prediz, grande parte dessa gente é rica, hoje. É rica e tão ou mais desprezível que era há quarenta anos. É rica e muito pouco rica em relação aos que sempre foram e são.

Pensando-se bem, essa gente não é pior que os donos do poder, que não são os eleitos de qualquer partido. Mas, o que essa camada média faz, quando ascende a recebedora preferencial das migalhas do poder, é, sim, o pior. Os piores príncipes são-no porque precisam deixar esse grupo fazer o que quer. Eles, os príncipes, consentem nisso, porque o poder é comprar a camada média, seja para beneficiar a uma minoria, seja a uma maioria.

E quando finalmente a Yoani Sánchez fala…

A blogueira cubana superstar do momento, Yoani Sánchez, está de visita ao Brasil. Depois de anos pedindo permissão para sair de seu país, Cuba, e outros tantos vivendo na Suiça e por ai vai. A blogueira é polêmica por criticar as consequências atuais do que aconteceu em  Sierra Maestra há tempos atrás, mexendo assim com os brios de uma esquerda latino americana que não deixou, não deixa, e creio, nunca deixará de idolatrar os mesmos feitos.

Pois desde de que conseguiu a tal permissão de viagem, e desembarcou no Brasil, vinha enfrentando protestos onde quer que chegasse. Recife, Salvador, Feira de Santana, enfim… Por outro lado, li algumas contra-manifestações falando que no Brasil as pessoas mantivessem blogs anti-governo sem maiores problemas, assim como em qualquer lugar do mundo.

Pois pra não entrar nos feitos de Sierra Maestra, e nem da Yoani por enquanto, vou falar um pouco do prato principal, mas que ninguém se dá conta, os blogs. Não, não tem nada demais em ter o seu blog, e fazer dele o que quiser, como bem diz Andrei, usando de respeito e bom português, mas, o blog tem uma coisa pela qual os jornais não primam. E disso, quem pode falar é um blogueiro, que eu não sou, aprendi com o Cris Dias, esse sim, blogueiro. O que o blog tem que os jornais não primam, e por vezes tampouco têm, é credibilidade, assim simples e ponto final.

Porque só o blogueiro pra saber disso? Porque vive de seu blog. Jornalista não é blogueiro, blogueiro não é jornalista, são coisas diferentes, muito embora possam coincidir. Os blogs têm que primar pela credibilidade porque possuem audiência frágil, se eu que te leio, descubro que tu elogiou uma marca, porque foste pago, e não me disseste, deixo de ler o que tu escreves. Assim de fácil. Então qualquer blogueiro sabe que se começa a enganar seus leitores com frequência, os perderá, e por conseguinte, seus patrocínios.

Então, voltando pra Yoani… Ela chega no Brasil, enfrenta protestos, e todo mundo acha bonitinho ela calada, sorrindo, ou dizendo que as manifestações contra ela são um exemplo da democracia que não existe em Cuba. Ok… Mas nada dela falar…

Só ai ela resolve abrir a boca… E as primeiras palavras dela?

“A blogueira cubana Yoani Sánchez, em visita ao Congresso Nacional no início da tarde desta quarta-feira,  fez um apelo ao senador Aécio Neves: pediu que ele monitore a situação da restrição da liberdade em Cuba permanentemente. “

“Yoani Sánchez cobra posição “enérgica” do Brasil em relação a Cuba.”

Mas peraí cara-pálida, tu vais ao congresso nacional fazer palanque pra oposição, beleza… Que cada um joga com as cartas que tem… Agora tu saiu do teu blog, que é de conhecimento do reino mineral que se financia pela CIA (como diria Mino Carta), e quer ditar a política do meu país, sobre o teu? Além da ingerência aqui no meu quintal, tu ainda queres que, nossa presidente (ou o futuro presidente), meta o bedelho no quintal dos outros?

Vou te contar viu… Pelo menos o Bono Vox é recebido pelos presidentes… Talvez porque só peça informações sobre programas sociais, e não saia por ai dizendo aos que foram votados o que fazer com os votos…

O Bispo alemão de Roma renuncia às funções. O subornado apaixonado e o culto são diferentes e semelhantes.

A renúncia do Bispo alemão de Roma às suas funções corporativas foi, por um lado, ato de grandeza: está velho, doente e com medo dos papéis que indicam atividades pouco edificantes do banco Vaticano e da corporação em geral.

Por outro lado, foi infame, pois revela pouca preocupação pelo antecessor, que foi deixado a fazer papel ridículo, a exercer o cargo fora de suas faculdades mentais e não teve a inteligência de fazer o mesmo que o sucessor fez.

Ambos trabalharam para o mesmo patrão. O primeiro, para quem quis perceber, era primário. O segundo, erudito e patife voluntário.

O primeiro teve êxito na derrubada do governo polonês e na lavagem de dinheiro que se fez a partir da P2, para tantos quantos se dispusessem a pagar o elevado preço cobrado pela Opera para branquear capitais.

Passou vinte anos a dizer tolices, que, na verdade, eram discurso ideológico pago pelos seus patrões.

Perto de morrer, o primeiro, que não era muito mais que um simplório apaixonado, teve clarões de grandeza. Tentou purgar-se antes de morrer. Em Cuba, iniciou o que seria grande em um pontificado pequeno e subornado. Disse que Cuba era ua questão Latino-Americana e, não, estadunidense.

A purgação do inocente – falta melhor palavra – que se vendeu é dramática. Ele conta palitos e digere com a raiva cara-a-cara de há quarenta anos. Uma e outra vez, os deuses dão-lhe a liberdade de ser homem, raramente, e ele fala…

O alemão dirigia os negócios do Estado chefiado pelo polonês. E dirigia a corporação no que é, para ela, mais importante que os negócios: o poder de estabelecer regras a partir de nada, ou seja, o poder de emular um criador.

O alemão tem a sorte dos cultos e inteligentes: sai de cena quando quer e lhe convém.

Cidadão de segunda classe. Ou, Sobrados e Mucambos precisa apenas de novos nomes.

Não me alongarei; tentarei ser o mais breve. A existência de garantias formais jurídicas serve ao Sobrado como amparo ao discurso de que nada mais precisa ser feito e que há igualdade no país. Mentira. Entre garantias formais e a efetividade delas, de maneira a superar ou diminuir a dicotomia com os Mucambos, vai longa distância.

Duas formas básicas de manter os Sobrados e os Mucambos são, primeiro, afirmar que não existe a diferença e, segundo, negar que o fosso mantém-se porque somos bandidos que consagramos garantias em lei, mas não damos a mínima para a efetividade delas. Os mecanismo formais que criamos para aparentemente dar efetividade às garantias, trabalham para os Sobrados.

Pois bem, terça-feira de carnaval é feriado no Brasil. Aqui, a legislação do trabalho prevê que haverá um dia de descanso semanal remunerado e que as jornadas não devem exceder a oito horas, com intervalo intra-jornada, se se quiser ficar no pagamento da hora de trabalho ordinária. E prevê que os feriados oficiais implicam o pagamento de horas extraordinárias, se o empregador quiser os empregados trabalhando.

Ou seja, o labor máximo por semana, a preço de hora ordinária, é de quarenta horas, assegurado, no mínimo, um dia de folga por semana. Quer isso dizer que se algum empregador quiser por seus empregados para trabalhar mais que quarenta horas ou para trabalhar em dia feriado, terá que pagar horas-extraordinárias.

Isso só vale para os funcionários e empregados dos Sobrados, todavia. Fomos, hoje, terça-feira de carnaval, almoçar em um restaurante chinês. Pelas tantas pergutei ao garçom se estavam pagando horas-extraordinárias, porque é feriado oficial. Ele disse que não.

Não pagam e isso parece normal. Normal, porque se o funcionário reclamar, é demitido e pronto. Mas, ele tem o direito, que está consagrado, inclusive, na constituição desse país demoníaco, em que a escravidão funciona mesmo quando todas as leis a proscrevem.

Ativismo judiciário e mistificação.

Nomear alguma coisa já é condicionar as percepções e análises que haverá desta coisa ou, pelo menos, tentar estabelecer o condicionamento. Os próprios criadores de algo ou praticantes de certa conduta apressam-se a oferecer as balizas de compreensão de suas obras e ações, porque assim sempre se está mais seguro de oferecer tanto a coisa como sua roupagem discursiva.

Quem está fora da corporação atuante tende a deixar-se aprisionar pelos modelos interpretativos oferecidos pela própria corporação, o que leva ao desejado hermetismo e à discussão em círculos. Então, fica-se pelo contra ou a favor, sem que estas posturas consigam estabelecer precisamente sobre que incidem.

Ativismo judiciário é o nome de batismo do exercício ilegítimo de poderes estatais pelo judiciário, em nítida exorbitância do que o sistema prevê. Seus praticantes batizaram-no eufemisticamente, de maneira a pautar todas as análises do fenômeno político em questão. Trata-se, em resumo, de desequilíbrio no balanço dos poderes estabelecidos pela constituição de 1988 e, mais grave, de violação ao princípio de legalidade, que deveria ser a coluna central do estado democrático de direito.

Por outro lado, o nome revela uma contradição em termos, mesmo que isso não incomode os ativistas em questão. Contradição porque o sistema prevê a inércia da jurisdição e, ademais, sua imparcialidade. Daí, é inconcebível, em termos que não violem a lógica mais elementar, que a jurisdição seja ativa no sentido de possuir iniciativa, porque isso viola as duas premissas antes mencionadas: a inércia e a imparcialidade.

A evidente incoerência apontada no parágrafo anterior é contornada pelo mais sutil e perverso argumento de que se trata de interpretar para extrair da lei seu máximo conteúdo. Imagino que pouca gente honesta consigo própria em termos intelectuais se aventure na crença de que a lei tem conteúdos mínimos, médios e máximos, porque o conteúdo da vontade legislativa não é mensurado quantitativamente.

Lastimavelmente, entre as várias tolices que se ensinam nas escolas de direito – protótipos de escolas beneditinas e jesuítas – o postulado de que o juiz interpreta mesmo na clareza é dos mais repetidos e aceitos sem críticas. Mas, como é amplamente sabido, as coisas mais absurdas são as mais fáceis de granjearem simpatias.

Ora, na ausência de dúvida quanto à existência de lei aplicável e quanto à lei específica aplicável, nada há para ser interpretado, sim para a aplicação. Não é objeção viável o dizer que a interpretação estará na base da escolha ou descoberta da norma específica, porque isso dependerá do estabelecimento dos fatos, não de interpretação.

Provado o que ocorreu, encontra-se a norma cabível ou percebe-se a ausência de norma que discipline a situação. Nesta última hipótese, haverá, sim, espaço para interpretação judicial que atraia para o caso a norma mais semelhante possível àquela que se adequaria perfeitamente. Esta ação seria melhor chamada aproximação por semelhança que interpretação, mas sempre preferimos o nome mais propício à ambiguidade.

A lei destina-se a ter vigência e a ser aplicável eficazmente a todos os casos que se insiram nos seus moldes genéricos e abstratos. Por outro lado, o sistema legal brasileiro prevê as hipóteses de suspensão da vigência da lei e da eficácia. Sempre que a norma for contrária à constituição, é lícito o juiz não na aplicar, desde que diga expressamente onde está o conflito e declare a lei inconstitucional.

A suspensão da aplicação de uma lei dá-se em casos específicos, quando a norma inconstitucional é afastada para que se afaste assim a violação de norma superior. Nestes casos, a lei permanece válida abstratamente e segue a incidir em outros casos que não ensejaram a crítica judicial de inconstitucionalidade. Diferentemente ocorre quando a própria lei ou parte dela é atacada abstratamente, sem que isso ocorra em caso concreto, ou seja, em um litígio entre partes.

O supremo tribunal federal pode julgar a validade em si de ato normativo frente aos paradigmas constitucionais e concluir pela sua nulidade e consequente extirpação do sistema jurídico positivo. Nestes casos, a norma perderá completamente vigência e eficácia, o que se assemelha à revogação, embora não seja idêntico.

Negar vigência, pura e simplesmente, a qualquer ato normativo, sem lhe declarar a inconstitucionalidade, isso o juiz brasileiro não pode fazer legitimamente. Não obstante, é o que se tem visto cotidianamente.

Não é apenas no supremo tribunal federal que o voluntarismo judiciário – travestido nessa confusão conceitual que se chama ativismo judiciário – inspira muitas decisões aberrantes e, a rigor, nulas. Em todas as instâncias judiciais generaliza-se o voluntarismo judiciário e se veem decisões a negarem vigência à lei a partir de argumentos pueris e de voltas à lógica.

Raramente alguma decisão traz a declaração incidental de inconstitucionalidade da lei aplicável, somente o afastamento da incidência legal a partir de generalidades ou disfarçada em crítica judicial da validade de algum ato administrativo, o que é o desculpa mais comum para a negativa de vigência da lei a partir da simples vontade pessoal do juiz.

A disfuncionalidade é enorme, porque se trata de exorbitância de função e desvio de poder, em confronto com as competências do poder executivo e principalmente com as do poder legislativo.

O voluntarismo judiciário provindo do supremo tribunal federal é o mais grave porque foi apropriado e patrocinado pelo discurso superficial e oportunisticamente moralizante da maior parte da imprensa. Aqui, o voluntarismo que não aplica leis senão vontades pessoais está de mãos dadas com a teoria do estado de exceção.

A bem de promover uma moralização – como se a finalidade do Estado de Direito fosse a moralidade e não a legalidade – o mais elevado tribunal do país viola as leis e a constituição, que ele deveria proteger. É ocioso dizer que a cruzada moralizadora é de fancaria e não passa de perseguição política seletiva, porque seria demasiado estúpido, até para nossos padrões, achar que a moral é qualquer coisa mais que vontade de mandar nos outros.

Busca-se retirar da discussão o único âmbito que está a cargo do judicial, que é a legalidade. Assim procedendo-se, as coisas deslocam-se, tanto da política, quanto do jurídico, para o nebuloso campo dos códigos pessoais e grupais de condutas, de resto amplamente cambiantes e precariamente estabelecidos. A marcha da patifaria disfarçada conseguiu até inserir na constituição um nada jurídico que chamou de princípio da moralidade administrativa.

É aberrante postular-se que a administração pública obedeça à vacuidade conceitual que atende pelo nome de moralidade. A administração, como todos os cidadãos, atende, sim, à legalidade, que é o resultado da vontade popular manifestada pelos representantes eleitos legitimamente. Na lei, feita por quem a deve fazer, já estão todos os antecedentes axiológicos que levaram ao estabelecimento de prescrições gerais e abstratas.

Há pouco, o voluntarismo judiciário do supremo tribunal federal chegou aos píncaros. Na ação penal 470 foram condenados sem provas trinta e tantas pessoas e, entre elas, três deputados federais. Inúmeras garantias constitucionais foram violadas frontalmente neste julgamento de exceção, pautado pelo furor de linchamento da imprensa.

O princípio de que cabe à acusação provar a culpabilidade dos réus foi para os confins do sistema jurídico. O de que a ausência de provas e a presença de dúvidas ensejam a absolvição dos réus, idem. O do juiz natural e do duplo grau de jurisdição evaporou-se. Nesta encenação de julgamento, o supremo tribunal federal cruzou o Rubicão.

Porém, depois de passado o rio inviolável, o pior vem: o saque da cidade em que não estacionavam Legiões. Primeiramente, o tribunal que estabeleceu sólida jurisprudência contra a prisão antes da sentença definitiva ensaiou o autoritarismo de prender os réus antes do trânsito em julgado. Apenas impediu essa aberração de consumar-se a falta de habilidade do acusador geral, que tentou manobra infame até para quem à infâmia acostumado.

Depois, a pior violação ao sistema inaugurado e aparentemente regido pela constituição de 1988: a pretensão do supremo tribunal federal de cassar mandatos parlamentares de réus condenados. Aqui, servem-se da confusão de duas situações distintas.

No Brasil, há um anacronismo que é a justiça eleitoral. Ela julga a existência de partidos políticos, recebe pedidos de candidaturas, procede aos registros, analisa-as, julga-as, conta os votos, concede diplomas aos eleitos, nega diplomação aos que descumprem requisitos. Pode ocorrer que algum agente político eleito venha a perder o mandato popular porque a justiça reputou ausentes os requisitos para a elegibilidade e o julgamento final deu-se após a posse.

A perda do mandato, nestes casos, não decorre de cassação, mas de constatação de irregularidade prévia da situação do eleito e empossado. Aqui, quer-se dizer que o eleito não poderia nem mesmo ter disputado votos legitimamente. Trata-se de incapacidade política por fatos anteriores à eleição, constatados definitivamente pela justiça eleitoral após a consumação da eleição e da posse.

O direito brasileiro não conhece a cassação judicial de mandato eletivo de quem foi eleito legitimamente. Quem cassa um parlamentar é a casa legislativa a que ele vincula-se, somente. Trata-se de previsão constitucional expressa e sem ambiguidades, que se encontra no artigo 55.

Se um deputado federal ou senador da república é condenado criminalmente cabe à casa legislativa respectiva abrir processo de cassação de mandato por falta de decorro parlamentar, porque o mandato conferido pelo povo só pode ser retirado por seus representantes.

O Congresso Nacional pode resistir ao golpe judiciário.

A opção do 01% brasileiro para o golpe de estado que visa a impedir a reeleição da Presidente Dilma ou a eleição do ex-Presidente Lula, em 2014, não foi pelas baionetas. O momento permite alternativa mais simples e barata e, ademais, com vantagem de manter aparências democráticas: é o golpe judiciário, dado no mais alto tribunal de justiça do país.

O julgamento da ação penal 470, ainda não encerrado totalmente, foi o ensaio geral do modelo. Inaugurou-se solenemente a condenação criminal sem provas, o processamento no stf de réus que deveriam responder em primeira instância, a supressão do direito de defesa ampla, a tentativa de encarcerar réus antes do trânsito em julgado da sentença e mesmo que não haja ameaça de fuga e, o mais significativo, a tentativa de emascular o Congresso Nacional e decretar a cassação de mandatos parlamentares sem a intervenção do próprio Congresso.

A facilidade com que esse enredo foi posto em cena deveria servir de alerta para quantos ainda crêem não estar em curso o golpe de estado. Aberrações jurídicas evidentes foram praticadas sob os aplausos da imprensa ávida pelo linchamento dos réus. E este apoio mediático incutiu em grandes parcelas do público a impressão de que se estava a fazer grande campanha de limpeza moral. O público, de resto, é muito inclinado ao linchamento e para ele sabe bem o gosto a sangue.

É interessantíssimo notar a facilidade de se cooptarem juízes da corte suprema para esta empreitada de estupro da constituição e da democracia. Não se trata de suborná-los ou de prometer-lhes vantagens, basta que seus egos sejam acariciados na imprensa, para que assumam a tarefa espontaneamente, em busca de nacos do poder estatal.

As pessoas que conseguem auto-limitar-se e passar imunes pelos fotógrafos e repórteres contam-se em número bastante reduzido. Tão ou mais reduzido é o número dos que prezam o jogo democrático para além do discurso nitidamente hipócrita. Assim, estão sempre presentes as condições para a judiciocracia, desde que as personagens erradas sejam escolhidas para os postos mais altos.

O erro quanto à personagem do juiz do supremo tribunal e do acusador-geral da república dá-se com relação ao caráter e não prioritariamente com relação à capacidade técnica. Este último aspecto é parte de uma farsa mitológica, porque os elegíveis todos têm condições de manejar as técnicas jurídicas, sejam no campo mais rasteiro, sejam na parte mais complicada da teoria do Estado.

O indicado, independentemente da coloração política que tenha intimamente, deveria ser o mais discreto e quiçá com o maior complexo de superioridade posssível. Claro que alguém poderá objetar que incorro em contradição, porque complexo de superioridade seria campo fértil para a sedução mediática. Mas, não é nada disso, antes o contrário.

A abertura para a sedução ególatra vem antes do recalque e do íntimo conhecimento das insuficiências. Ou seja, o oportunista que se entrega por promoção pessoal extrai-se muito mais frequentemente do campo dos aparentemente mansos e sensatos que dos realmente auto-suficientes. Os seres menores, a maioria estrondosa naturalmente, dão rasteiras e pontapés por baixo da mesa e, pior, depois revelam as práticas. Com esses dá-se o golpe.

Por outro lado, é ilusório acreditar em reações populares eficazes, por maior que seja a capacidade de mobilização de líder extraordinário como o Lula, por exemplo. O caso é que as pessoas inclinam-se facilmente ao imobilismo, reféns de uma crença quase inabalável em que as coisas tendem a não piorarem para elas.

Por isso, as tais reações populares tendem a ser muito localizadas em corporações específicas como sindicatos, o que facilita sua classificação como defesas pontuais e perigosas, que devem ser vistas como ameaças à vida cotidiana do prototípico ser de classe média, aquele cuja maior característica social é o medo. Esse grupo tem medo de tudo que possa parecer ameaçador da aparente estabilidade e por isso não vê com bons olhos manifestações populares, nem se elas destinam-se a defender coisas vantajosas para a própria classe média.

Outra ilusão – auto-ilusão, talvez – que aponta a ineficácia das reações populares é da impossibilidade de retrocesso. Ora, para seguir o mesmo caminho tem-se o grupo que já aí está. O golpe é precisamente para mudar os rumos e retroceder a pouca melhora na distribuição de rendas obtida nos últimos dez anos. Por o não poder negar, o golpe não fala de economia sob tal perspectiva, fala apenas em moralidade.

A maior contradição interna ao golpe, quando ele adquirir mais inércia, será o ser apoiado por grupos que perderão com ele. Isso, se se tratasse de golpe militar e sucessiva instalação de ditadura mais ou menos abertamente seria problemático, pois os grupos insatisfeitos externariam sua insatisfação e teriam que ser reprimidos à força, o que sempre é complicado.

Todavia, no modelo novo de golpe, a necessidade de repressão violenta é afastada e a insatisfação quando emergir será conduzida a um beco-sem-saída. Ele operará por meio da interdição seletiva, no início, e em bloco, ao depois, de opções políticas, razão porque poderá manter eleições diretas. Tudo quanto for possibilidade real de escolha será banido judicialmente e os eventuais insatisfeitos ficarão sem possibilidades reais de escolhas e, pior, profundamente confusos.

Este cenário só poderá ser evitado se o Congresso Nacional o perceber e quiser regir a ele. Claro que parcela dos congressistas sentir-se-á à vontade para acomodar-se ao novo modelo, em que terão pouquíssimo poder efetivo, reféns de interdição judiciária seletiva e casuística, a partir da acusação mais pueril. Se não quiserem ser parlamentares emasculados, terão que reagir e fazer valer os poderes que só os eleitos têm, legitimamente.

O mais importante a ocorrer nos próximos meses será a reação do Congresso à cassação de mandatos de deputados condenados na ação penal 470. Ela não é automática, como quer o stf, mas depende de processo autônomo no Congresso. A constituição brasileira de 1988 não abriga a cassação judicial de mandato parlamentar, ainda que abrigue a posterior cassação de diploma do eleito, por faltas prévias ao processo eleitoral.

Um parlamentar legitimamente eleito simplesmente não pode ser cassado pelo judiciário, embora o stf insista nisso e conte com a enorme ajuda da imprensa na divulgação dessa aberração.

Oscar Niemeyer e Filopseudeis.

Não falarei de Niemeyer, pois que seria presunção e inutilidade. Dele falam os prédios que fez, como de Velazquez as Meninas, o Crucificado e a Forja. O elogio fúnebre faz-se dos soldados desconhecidos tombados em combate, precisamente por desconhecidos e não artistas.

Os artistas não se elogiam, apreciam-se-lhes as obras e isso basta.

Mas, há quem faça, tanto os elogios fúnebres, como as acusações pósteras. Os resultados vão de nada à vilania mais pura, pela ordem.

Filopseudeis, presentemente empregado na redação de uma revista, deu-se à acusação póstera do grande artista, com a previsível exposição da incontida vilania. Ele é muito representativo de certo estado de alma mais comum do que gostaríamos de supor: a entrega total à desonra, à grosseria e à vulgaridade.

A partir da década de 1980 intensificou-se o triunfalismo da sentença curta, aparentemente chistosa, aparentemente brilhante e claramente agressiva. O banditismo selvagem destes anos, que se quis batizar de neo-liberalismo e pretendeu-se o anúncio da parúsia, teve bastardos. Um deles auto-intitulou-se intelectualidade pós-moderna.

Como todos que participam de grandes anunciações, essa nova seita não precisa de qualquer moderação, pensamento, dialética, boas maneiras, nem nada que lembre os antigos bons modos, sejam de pensar, sejam de agir. Os portadores da boa-nova podem expandir-se como bem quiserem e seu dizer as coisas é cortante, grosseiro e supõe-se inquestionável.

Semi-letrados triunfantes a soldo de funcionários de bancos enfatuados em Armanis e ostentadores de Rolex que se passeiam em BMWs esportivas são a morte da intelectualidade. O modelo criou público adequado para si: uma massa que acredita, já em segundo grau, que a acutilada derramadora de gotas purpúreas é a suma manifestação da mente brilhante.

As massas não pedem sangue , senão que não pedem além do que recebem. Se é sangue ques lhes dão, é ele que antes recebem que pedem.

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