Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Infâmias (Page 11 of 20)

Censura à TV3 por emitir em catalão.

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O governo da Autonomia Valenciana, liderado pela Falange ora sob o apelido de PP, retirou do ar a TV3 porque ela transmite em catalão. O nome disto é censura, sem mais nem menos.

Aconteceu, é bom lembrar, em país europeu, rico e sempre disposto a fazer discursos hipócritas de estado de direito e outras tolices deste jaez.

A verdade é que o estado é uma questão de poder e o direito – instrumental – é a mesma coisa. Então, qualquer violência pode vestir-se juridicamente. Continua sendo uma violência, é bom que se diga.

Direitos Humanos. Homem é linchado em frente a uma delegacia, em João Pessoa.

Um homem teria assaltado uma mulher ou, melhor dizendo, tentado fazê-lo, em João Pessoa. Saiu a correr pela rua, em fuga. Um outro homem alcançou-o, derrubou-o no chão e começou um espancamento. Em frente a uma delegacia de polícia! É isso que mostra o vídeo acima.

Sim, um linchamento diante de uma delegacia de polícia e os policiais deixaram a coisa acontecer. Omissão estatal criminosa, evidentemente, mas não quero me deter nisso.

O linchamento é a linguagem das massas por excelência e não tem origens norte-americanas por acaso. Uma linguagem rústica, pré-racional, de fúria catalisada por emoções descontroladas. Não tem qualquer eficácia como meio repressivo ou preventivo, porque o linchado, caso escape com vida, não ficará inclinado a qualquer outra coisa além de ele mesmo ter a oportunidade de linchar.

A barbárie se retro-alimenta, ela não é justiça nem coisa alguma assemelhada.

Direitos Humanos: umas palavrinhas para afastar tolices.

Esse nome é inadequado e deve ser responsável por uma parcela de quanta estupidez fala-se a respeito. Claro que responsável por pequeníssima parcela, porque o maior responsável mesmo é a inclinação natural para a burrice, o fanatismo e a violência.

O cuidar de nomes é preciosismo meu. Explico-me apenas para ter ocasião de alinhar algumas palavras. É óbvio que ser-se humano não é condição exclusiva e suficiente para surgimento de qualquer direito. Na verdade, pode até ser, mas em um truísmo, ou seja, assumindo-se que todo e qualquer direito é humano. Isso não explica coisa alguma, todavia.

Direitos existem porque pessoas vivem conjuntamente, não porque pessoas existem. Da humanidade decorrem fome, necessidade de urinar e coisas do gênero. Direitos originam-se da necessidade de se regularem relações entra mais de uma pessoa: é social, portanto.

Os que se chamam direitos humanos são direitos fundamentais. Essa terminologia tem ainda a vantagem de ser muito menos arrogante, porque não carrega a pretensão universalista, algo a que o fundamentalismo dominante sempre aspira.

Mas, a grande tolice não é chamar a uns direitos humanos ou fundamentais, é não perceber o que são direitos. São regras, mais ou menos genéricas, com mais ou menos excepções conforme a ânsia detalhista e diversionista de alguma sociedade.

Basta assumir isto e também que algumas dessas regras são bastante gerais, umas até pretendem-se tão gerais que se proclamam devedoras de um princípio de igualdade. Aí está a raiz do que são direitos fundamentais: os mais genéricos possíveis, em que os destinatários consideram-se mais igualmente.

Essas regras podem ser estabelecidas pelo poder que se atribui ao Estado, entidade que detém a capacidade de criar regras, supostamente por consentimento dos cidadãos. O caso é que as tais regras são criadas, que existem e que a comunidade dos cidadãos vive a dizer que aceita esse modelo.

Se o povo aceita esse modelo, deve saber o que são leis e deve obdecê-las e não deve fingir ignorá-las, nem mesmo ignorá-las por orgulhosa estupidez. Se, por outro lado, não aceita o modelo, acha que o Estado faz leis erradas, deve insurgir-se, revoltar-se, pôr o Estado abaixo, qualquer coisa, excepto mentir ou ser estúpido.

No Brasil, são comuns violências aberrantes, notadamente por parte das polícias. São muitíssimo comuns contra pobres e pretos, deve-se dizer sem arrodeios. Quando elas acontecem e são noticiadas pela imprensa ávida por um escândalo ao dia surgem duas reações básicas: a histeria por conta da violação a direitos fundamentais e a repetição de que as vítimas são bandidos e não têm direitos.

Como advertências nunca são demasidas – embora sejam o cemitério do estilo – aqui vai uma: as reações básicas não excluem as mais ajuizadas. Estas últimas são minoritárias, mas existem. Feita a advertência, sigo adiante.

Quem, diante de alguma violência policial violadora de direitos fundamentais, põe-se a gritar que supostos criminosos merecem tal violência é estúpido ou desonesto, ou ambos ao mesmo tempo, o que é até mais comum. Estúpido porque devia saber que a violência não tem respaldo legal e desonesto porque se fosse a vítima invocaria o que rechaça e faria um discurso pelos direitos.

Em Recife, Pernambuco, a polícia deteve, na avenida à beira-mar, área nobre da cidade, uns suspeitos de crimes de furto. Deteve-os na praia, espancou-os e submeteu-os a tratamento humilhante. Jogou-os no chão, com as cabeças dentro d´água, pisou nas caras e fê-los comer areia.

Isso não é dever da polícia neste país. E não é dever sendo a vítima criminoso sentenciado ou não. Simplesmente não é, portanto é ilegal. Isso não é punição dentro da legalidade, porque punições legais por crimes são impostas pelo poder judicial, em processos abertos para a finalidade de apurar se houve crimes.

As punições por crimes, formalmente, neste país, são privações de liberdade ou de direitos, fixadas por um juiz ao cabo de um processo com ampla defesa. A polícia tem o dever de prevenir, investigar e reprimir crimes dentro dos limites da lei, limites que impedem, formalmente, espancar, torturar, humilhar.

Muito embora tudo isso seja elementar, quando se fala que um abuso ilegal é um abuso ilegal, o número dos estúpidos e dos hipócritas diz que acusar as ilegalidades é defender bandidos. Uma afirmação rasa e vulgar, porque um bandido só é culpado depois que o órgão estatal competente o afirma.

Eu gostaria, preferiria, que dissessem abertamente do seu desprezo por leis e coisas do gênero, coisa que não haverá, todavia, porque implicaria que os selvagens fossem nobres e sinceros, quando são patifes covardes. Não têm qualquer apreço pela igualdade legal, mas tampouco têm coragem de afirmá-lo, porque querem manter o discurso justificador hipócrita.

Ora, não há igualdades pela metade ou restrições à igualdade legal senão as previstas na própria lei. Ou bem é-se a favor disso, ou contra. Não há terceira via, para desespero da hipocritocracia vigente.

Mas o reino da relatividade legal avança, para tragédia dos estúpidos e desonestos que o promovem. Sim, porque o vale-tudo que quer manter a lógica do pau-no-lombo sem julgamento, da falta de direitos para bandidos, do linchamento, vai atingir aleatoriamente os espectadores bobos-alegres que o querem.

E serão atingidos sem perceberem porque avança o vale-tudo aleatório, firmes no discurso hipócrita, tomando pau no lombo eles mesmos e falando em direitos, eles que diziam que direitos existiam, mas não para a, b ou c. Que falavam em direitos sem saber o que são, que invocavam igualdades quando era para ganhar algum dinheiro ou disfarçar alguma patifaria.

Vamos propor o Estado policial, senhores! Vamos propor o fim dos direitos fundamentais e o estabelecimento dos julgamentos sumários ou, melhor, da falta de julgamentos. E vamos propô-lo dispostos a matar e morrer por ele! Bem, já é damais, não adianta instigar o vulgo a ter honra.

Aumentou o preço do escravo! A folha lamenta a falta de empregadas domésticas.

Os bons tempos…

A sinceridade é quase inescapável, embora o uso de disfarces também o seja.  A conclusão é que – andando os dois sempre juntos – o discurso nunca é claro, sempre é codificado, de alguma forma. Ou seja, ele é claro para seu destinatário pré-ordenado e precisa ser decodificado pelo destinatário secundário.

A folha de são paulo de hoje traz uma matéria chamada Achar doméstica vira desafio e famílias têm que mudar hábitos, na secção cotidiano. É um lamento mal disfarçado, essa matéria que inicia por dizer que há quinze anos bastava um anúncio de três linhas para contratar uma empregada doméstica.

A coisa é previsível – não apenas por ser da folha – e segue o roteiro habitual de citar especialistas. Estes são pseudo-intelectuais a serviço dos média, prontos a despejarem quaisquer análises, com a terminologia que costumeiramente faz o leitor comum pensar em ciência.

O sofisma dos especialistas passa por desprezar evidências, abordando-as como se fossem aspectos secundários. Os tais especialistas da folha – que os têm para tudo, desde emprego até a vida sexual das abelhas – não dizem abertamente: o desemprego caiu drasticamente e a renda média aumentou. Não dizem porque se dissessem estariam a falar bem do responsável por esta melhora: Lula.

O sofisma sob nome de análise achega-se à patifaria – não poderia escapar a isso – quando insere um elemento volitivo na questão. A análise diz que agora poucas pessoas querem empregos domésticos. Dizem como se um estigma social, uma posição de escravidão mal disfarçada, fosse uma questão de querer-se ou não.

Eles, os tais analistas ou especialistas, não dizem corretamente que, hoje, menos pessoas precisam submeter-se à mal disfarçada escravidão de trabalhar em posição subalterna e estigmatizante de empregada doméstica. A questão não é de querer, é de poder escolher outro trabalho, que não carregue o peso da inferioridade social, um trabalho que, no Brasil, sempre considerou-se quase um favor prestado pelo senhor ao servo.

E isso tem explicações históricas relativamente fáceis. Aqui, houve escravismo até aos finais do século XIX. O pior serviço que o escravo podia desempenhar era nas plantações e o melhor dentro das casas. Então, o serviço doméstico era uma tremenda atenuação dos males da servidão no campo.

Daí, a raiz do trabalho doméstico é um não trabalho, ou seja, um favor do senhor, de atenuação dos rigores da servidão. Mais enraizado na percepção social da condição servil que na pobreza, pura e isoladamente. Porque um trabalho mal-remunerado, em sociedades mais antigas, é ainda um trabalho e assim percebido.

O estigma social do trabalho doméstico é imenso, no Brasil. Basta observar-se que as pessoas que o desempenham não querem e esforçam-se para que seus filhos não se destinem a ele, independentemente do aumento de salários na atividade. A questão aqui é de poder não se dedicar a este trabalho, porque querer, nunca se quis.

Estado mínimo é a proposta dos que não vivem sem ele.

O capitalismo brasileiro nunca teve discurso coerente com sua realidade, excepto por um e outro sujeito mais honesto intelectualmente. Sua realidade é de simbiose ou parasitação do Estado, ou seja, de lucros privados e prejuízos públicos. Mas, a coisa apresenta detalhes mais profundos, que evidenciam a desonestidade da repetição acrítica do discurso do Estado mínimo, precisamente por aqueles que predam o Estado.

Esta opção, a do discurso do Estado mínimo, parece atender a uma necessidade de se parecer crítico e de se renderem homenagens ao liberalismo teórico. O capitalista brasileiro típico sente-se mal no seu hibridismo e precisa disfarçá-lo; precisa, pois, afirmar um desejo que na verdade é profundamente inverídico.

A necessidade de distinção relativamente aos predadores sinceros visa a marcar uma aparente posição de modernidade – um tremendo anacronismo, pois sabe-se que essa modernidade é o dia-a-dia – e buscar aceitação social. Passa por afirmar um discurso que seria a sua absolvição teórica da tremenda apropriação de riquezas sem correspondentes méritos.

Se, de fato, esse grupo fosse composto por livres empreendedores que chegaram onde estão sem quaisquer ajudas estatais, o discurso estaria bem posto e significaria uma notável iniciativa de honestidade intelectual e de assunção de riscos políticos. Todavia, é mentira, porque a realidade os desmente impiedosamente.

Não é o caso de se alinharem aqui todas as formas de simbiose e predação do Estado pelos falsos livres empreendedores brasileiros.  Mas, convém dizer que o Estado mínimo seria a ruína desses hipócritas sem limites que o propõem. E, um e outro exemplo pode vir a calhar para o desenho dessa impostura.

Todos os grandes empreendimentos capitalistas brasileiros contaram com subsídios públicos, seja por via direta, seja por isenções tributárias, seja por empréstimos baratos. Assim funciona por toda parte, apenas não se o deve negar! Contaram ainda com subsídios indiretos, menos perceptíveis, como são as escolhas pontuais dos investimentos do Estado em infra-estruturas.

Se pensarmos nos empreendimentos médios, basicamente não industriais, a coisa é também evidente, embora pouco mais disfarçada, e talvez mais escandalosa. Deu-se que o Estado, apropriado privadamente pelos que falam mal dele, retirou-se de setores fundamentais de serviços, a que está formalemte obrigado. Falo, evidentemente, de saúde e de educação.

Nunca foi grande problema a omissão Estatal, desde que ela gere problemas somente para as camadas mais pobres da população, porque a constituição cumpre-se segundo as circunstâncias e seus intérpretes estão a serviço dos predadores do Estado. As questões do descumprimento de um e outro direito constitucional têm visibilidade quando são, na verdade, questões menores elevadas a espetáculo.

Na educação, o Estado retirou-se quase totalmente dos níveis básicos e parcialmente do nível superior. Abriu, assim, espaço para os prestadores privados. Estes últimos não ocuparam o espaço à força de empreendedorismo tomador de grandes riscos, como seria o caso em um sistema liberal puro e coerente consigo mesmo.

Obtiveram do Estado, que controlam e que se retirou de onde deveria estar, benefícios como as isenções fiscais e a mentira escandalosa das entidades sem fins lucrativos. É um panorama maravilhoso de escolas beneficentes, em que a benemerência curiosamente levou seus donos à riqueza!

No caso da educação de nível superior, a coisa vai mais além, porque os preços cobrados são ainda mais elevados e os subsídios ainda maiores. O mesmo Estado que deve ser mínimo – no discurso desses intrépidos empresários – praticamente isenta faculdades privadas do pagamento de tributos e financia o pagamento pelos serviços.

Ora, se o Estado renuncia a tributos e financia os alunos para que paguem a instituições privadas, porque não gasta esse dinheiro na criação e manutenção de universidades públicas? Ou, do contrário, se o Estado deve ser mínimo, porque não deixa as universidades privadas entregues à sua maravilhosa sorte de livre iniciativa?

O divórcio entre o discurso e a prática fica evidente na postura dos empreendedores, que são intermediários dos dinheiros públicos e não querem a atuação direta do Estado. Ora, isso não é Estado mínimo, é Estado a transferir dinheiros recolhidos de todos – por meio de impostos – para poucos prestadores de serviços que deviam ser públicos e para grandes industriais.

Alguns pretendem inserir uma pouca de sofisticação no discurso, alegando que não se trata do Estado abster-se de dispender recursos, mas que se trata de sua suposta incapacidade gerencial, o que não recomendaria sua presença direta nas prestações. Isso é mais uma variante da falácia, agora acrescida do lugar-comum tolo da capacidade gerencial.

Do ponto de vista gerencial – para usar o termo da moda – é uma estupidez acrescentar intermediários a uma cadeia de instituições cujo objetivo é prestar um serviço. Além disso, em setores de fortíssima demanda, que raio de diferença a capacidade gerencial vai fazer, se se trata de algo que todos querem?

Mais uma sub-variante dessa estória de capacidade gerencial é aquela da prestação por locadores de mão-de-obra. Segundo os teóricos do assalto disfarçado, seria mais barato contratar empresas locadoras de empregados que tê-los diretamente assalariados, porque os custos tributários estariam excluídos.

Aqui, a coisa é mais de mentira escancarada que de argumento sofisticamente elaborado. Os custos tributários – previdência, imposto sobre renda e fundo de despedimento arbitrário – serão pagos por alguém, obviamente. Esse alguém é o próprio Estado, o locador dos empregados, porque o locatário não é um filantropo, mas um predador brasileiro a discursar pelo Estado mínimo!.

Convém ainda lembrar que esses locadores de mão-de-obra provavelmente quebrarão ou mudarão de nomes e de sócios, promovendo a insolvência e a confusão. E aí, o maldito Estado virá em socorro dos empregados, que afinal são a parte mais fraca mesmo, e pagará tudo diretamente. A empresa locadora provavelmente terá quebrado, mas busque alguém saber se os sócios terão…

Em busca de exemplos, posso seguir alinhando os mais diversos, mas seria cansativo e até inútil. Importa somente mencionar, pela magnitude do saque e da hipocrisia, o caso da saúde provida por hospitais privados que recebem dinheiro do Estado. A maioria reclama a cada minuto, mas não vive sem esta simbiose. Se o Estado paga pouco por algum procedimento, inventam-se procedimentos e pronto, fiat lux.

No fim e ao cabo, é mais uma postura a revelar o quanto de mentira permeia o discurso das classes mais elevadas da sociedade brasileira e que consegue seduzir alguns daqueles que são prejudicados pela proposição. O problema é que a mentira, no fundo, é percebida e gera uma ambiente em que o vale-tudo e a hipocrisia são elevados à normalidade e a valores inevitáveis.

Campo de Lula: assim será batizado pela Petrobrás.

A Petrobrás decidiu rebatizar o Campo de Tupi – imensa reserva de óleo em águas profundas – Campo de Lula, em homenagem ao Presidente que despede-se do poder amanhã.

Rapidamente, as oposições raivosas e pseudo-democráticas acusaram essa bobagem de ser um grande absurdo.

Especificamente, um dos próceres do oposicionismo neo-fascista, um diligente escravo a serviço de interesses anti-nacionais, ávido por destaque mediático a partir de qualquer tolice, correu a dizer que isso era o sintoma de uma ditadura e uma tentativa de perpetuar o nome de Lula na memória nacional.

Que é uma forma de inserir mais fortemente o nome do maior Presidente que esse país teve na memória nacional, é uma obviedade. Que tenha algo de ditadura, é uma tolice, alias nada estranha ao autor da assertiva.

Sinais de ditadura são precisamente aqueles que gente como o performático acusador querem apagar da memória nacional, quando se insurgem contra a condenação de agentes públicos que mataram, sequestraram, estupraram, espancaram cidadãos nacionais, sem processos, acusações formais ou oportunidades de defesa.

É curiosa uma tal acusação em um país que dá o supremo espetáculo de ridículo consistente em ter, em todas as grandes cidades, alguma avenida batizada de Presidente Kennedy!

Argentina dá exemplo novamente. Videla é condenado à prisão perpétua.

Jorge Rafael Videla, de oitenta e cinco anos, foi o cabeça do golpe militar de 1976, na Argentina. O regime que ele inaugurou foi responsável por 30.000 desaparecimentos. Foram muito longe em torturas – aprendidas com professores brasileiros, inclusive – e em assassinatos vis, como, por exemplo, por meio do lançamento de gente ao mar, desde aviões.

Videla foi condenado à prisão perpétua, pela segunda vez. Desta feita, foi o tribunal de Córdoba que o responsabilizou pelo assassinato de 31 presos, em uma cadeia cordobesa.

O general já fora condenado à prisão perpétua, anteriormente, em 1985. Mas, em 1990, o então presidente Menen o perdoou, por meio de uma lei de anistia julgada inconstitucional pelo tribunal constitucional argentino.

Um país que sabe de onde veio e para onde quer ir é assim. Enquanto isso, no Brasil, juristas esforçam-se na produção de sofismas para defender a iniquidade de uma auto-anistia dada pelos ditadores a eles mesmos e aos agentes públicos criminosos que mataram, torturaram, sequestraram, estupraram, esconderam cadáveres…

Saúde: aqui e algures

Minha mãe esteve por trinta e cinco dias em Montpellier, na casa de uma grande amiga dela. Esta amiga tem cidadania francesa e, recentemente, teve diagnosticado um câncer de mama. Sorte imensa dela que se encontra em França e não nesta selva mal disfarçada que é o Brasil.

À amiga foi assegurado por um médico – ou uma médica, sei lá – que nada tinha, há um ano, por ocasião da realização de uma mamografia, em uma clínica bem conceituada do Recife, daquelas cujos donos frequentam colunas sociais e que, estranhamente, também frequentaram os bancos da faculdade de medicina e fizeram um juramento hipocrático.

O Dr. Pierre Bertrand – cancérologue et chirurgien général – não é o protótipo do sábio monoglota de província, aquele ser cuja única preocupação é o dinheiro que ganha e que ganharia ainda que não se preocupasse. O Dr. Bertrand, cuja frequência em colunas sociais desconheço, embora qualquer um possa conhecer o seu currículo no Google, é daqueles que olham uma imagem radiográfica antes de lerem o laudo do exame.

O médico diagnosticou a doença da amiga da minha mãe imediatamente, na imagem da época em que o profissional estrelado brasileiro disse-lhe que não havia com que se preocupar. E iniciaram-se os tratamentos, em um centro médico de referência, totalmente à custa do Estado Francês, incluindo-se auxílio psicológico e deslocações de casa ao hospital.

O Dr. Bertrand, além de gostar da poesia musicada de Vinicius de Moraes, fez o juramento hipocrático e esteve presente a todas as aulas do curso médico. Um certo dia, às 20:30, depois de muitas horas de cirurgia, ele teve a paciência e o interesse de ver uma mamografia da minha mãe, que acompanhava a amiga a uma das consultas.

Monsieur Pierre não tem qualquer obrigação legal de olhar exames de uma cidadã brasileira sem residência permanente na França, mas fê-lo! E pacientemente, com um cuidado que o cansaço não afastou; com o cuidado de um médico. E, até então, não se sabia que Monsieur Pierre gostava de Vinicius, nem se lhe tinha oferecido um disco do poeta, o que afasta a hipótese de que se tenha corrompido pela música brasileira. Afirmou que está tudo bem.

O nosso Pierre Bertrand – e não foi ele que me autorizou essa intimidade – conversa com os pacientes independentemente de serem eles pobres, ricos, franceses, estrangeiros, pretos, brancos, amarelos. Não lhes cobra qualquer coisa no serviço público, porque recebe do Estado Francês.

Conversa e trata deles, porque não se cuida aqui de fazer elogios da tagarelice, mas do profissionalismo de um médico competente que não pensa somente em dinheiro, algo que ele tem independentemente de ser presunçoso ou de chantagear o governo francês.

O que há de melhor no sistema francês, além das diferenças entre Bertrands e brazucas, são séculos de história e milhões de euros a mais. Dos séculos de história não vou ocupar-me, para não me estender demasiado. Basta lembrar que algumas sociedades separaram a cabeça do corpo do rei, um dia.

Dos milhões de euros convém falar um pouco, porque muita gente reproduz o discurso de que não falta dinheiro para a saúde pública no Brasil. Falta dinheiro, sim, como diz repetidamente o grande médico Adib Jatene. Só não falta para uma saúde pública ruim e de pouca abrangência, como querem as pessoas mais bem aquinhoadas que podem pagar por planos de saúde privada. Essas, vivem a repercutir o discurso de que o problema é de gestão e de salários dos médicos, discursos pueris, ambos.

O dinheiro que falta impede a universalização do atendimento de saúde com qualidade. Impede a expansão da rede, a pesquisa, a utilização de equipamentos adequados e atualizados.

O dinheiro que falta, por outro lado, permite os ganhos imensos de empresas financeiras que vendem seguros de saúde,  de cooperativas de médicos que vendem esses mesmos serviços ruins, permite que os serviços privados sejam um grande negócio e permite que os médicos pensem segundo uma lógica de um serviço mercantil.

A sociedade, mantida em profunda ignorância e refém da urgência de viver e acreditar que a vida é a urgência de ter uma TV, não percebe que a solidariedade por meio de impostos e dispêndios públicos é forma muito mais barata de ter acesso a um serviço essencial que, de resto, é constitucionalmente assegurado a todos.

Brasil: as raízes da deformação social – Atualizado.

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos – Pisa divulgou os resultados das avaliações de 65 países. O Brasil ficou na 53º posição, ou seja, muito próximo das últimas. Ainda que tenha melhorado em relação a 2006, a situação é terrível. Como disse a Economist, a situação brasileira evoluiu de desastrosa para muito ruim.

Há dois dados que merecem olhar atento e menções cuidadosas e sem eufemismos, por isso transcrevo adiante passagens da matéria da revista, citada na BBC em português:

Mesmo escolas privadas e pagas são medíocres. Seus pupilos vêm das casas mais ricas, mas eles se tornam jovens de 15 anos que não se saem melhor que um adolescente médio da OCDE”

“Apesar do avanço, a revista diz que dois terços dos jovens de 15 anos são incapazes de fazer qualquer coisa além de aritmética básica.”

A primeira conclusão é que a falta de educação é bastante democrática e permeia todas as classes sociais, embora as mais altas não o aceitem.

A segunda conclusão é que o nível de escolaridade médio é obscenamente baixo. A enorme maioria das pessoas não é capaz de compreender um texto, qualquer que seja ele, nem de expressar-se por escrito, ainda que em um bilhete.

E expressa-se oralmente por uma linguagem repleta de termos ambíguos, repetidos e plurisignificantes. Claro que sempre haverá um e outro linguista a chamar essa imprecisão de riqueza da oralidade. Mas, isso é o germe da pobreza e da aceitação da dominação, sem percebê-la.

Nesse ambiente, os que dominam razoavelmente algumas ferramentas lógicas, ou seja, sabem construir um período minimamente coerente, têm aberto o caminho da pequena sofística e obtém as migalhas que bastam-lhes para serem 10% da população.

O incremento da concentração de rendimentos permite que as camadas médias permaneçam mais ou menos onde se encontram, na escala social, com menos competências. Isso porque as vastas camadas baixas e baixíssimas não possuem, de regra, educação alguma. É aquilo que vulgarmente enuncia-se naquele dito genial: em terra de cego, quem tem um olho é rei.

É interessante que a revista Economist não consegue escapar da prisão das suas condicionantes ideológicas. Ela diz que o problema é de dinheiro. Ela tem que referir tudo a dinheiro, é claro, mas incorre em uma contradição. Se a publicação diz que o nível das escolas privadas e públicas é muito semelhante e se sabe que as primeiras são caríssimas, devia perceber que a associação está errada.

Gasta-se muito dinheiro em educação privada no Brasil e, nada obstante, ela é péssima. Evidentemente que mais dinheiro ainda poderia significar um incremento marginal de qualidade, mas a falta dele não é a causa principal dessa comédia de horrores.

O ponto central é o pacto pela mediocridade. Esse acordo é daqueles que se pactuam com Satanás de fiador e os contratantes acham imensas vantagens nele. Dá-se algo como o sujeito que está feliz por pagar juros de 10% porque algum vizinho está a pagar 11%. Apenas o fulano desconhece que há quem pague 09%.

O pacto pela mediocridade funciona assim: um pequeníssimo grupo chama outro menos pequeno e garante-lhe que não se deve preocupar com bobagens de livros, investigações e coisas do gênero, porque eles estão a engendrar um mundo maravilhoso de abundância, que será obtida por duas razões, a primeira mágica, a segunda o trabalho de um terceiro grupo.

O segundo grupo – o menos pequeno – acha a idéia sedutora, mas antevê por entre algumas sombras que ainda falta algo para fechar a conta. Claro, diz o grupo mais pequeno, mas pensamos nisso também. O pacto vai ser firmado com o terceiro grupo também!

O grupo intermédio, sincero nas suas desconfianças, objeta timidamente que talvez o terceiro grupo não queira aderir. Mas, a verdade descortina-se a uma revelação do primeiro grupo: ora, o terceiro grupo é incapaz de expressar sua vontade, precisa ser tutelado. Fiat lux!

Firmamos por ele, que precisa ser tutelado e afinal não compreende coisa alguma do extenso contrato.

Permito-me inserir, aqui na postagem, o comentário de Rafael, porque corrige informações que retirei da Economist por meio da citação da BBC. Porque traz informações precisas e porque traz uma boa análise. Segue o comentário do Rafael:

As performances das escolas privadas e das públicas não são semelhantes. A nota média das escolas privadas brasileiras no teste da PISA foi de 519. A das públicas foi de 398. Há um gap na qualidade delas, e ele é enorme. A distância entre um estudante de escola privada brasileira e um de escola pública é semelhante àquela entre um estudante britânico e um colombiano. Em média, aliás, a nota do estudante de escola privada brasileira supera a de um estudante americano médio (497), e também a de um estudante britânico médio (502) ou a de um estudante médio de um país médio da OCDE (497). Nem por isso a The Economist chamará de medícores as escolas de seu país, do Reino Unido. Mas com países da América Latina, usa-se muito nos textos dessa revista de adjetivos vazios como sucedâneo de uma análise dos fatos. Essa revista, aliás, se notabiliza por sempre tentar interpretar a realidade dos fatos e prever tendências futuras com um número muito reduzido de conceitos, todos eles invariavelmente extraídos de uma visão de mundo liberal. Que a The Economist prevê como fadada à ineficiência qualquer tentativa de melhorar a qualidade do ensino público através do aumento de gastos no setor, é prova disso. O argumento dela nesse sentido – um argumento, aliás, muito tosco e simplista – é o de que os gastos relativos ao PIB do Brasil nesse setor já são maiores que a média dos gastos dos países membros da OCDE. Em vez disso, a The Economist recomenda como exemplar a estratégia adotada pelo governo São Paulo – um estado que, apesar de rico, fornece uma educação pública muito ruim, até abaixo daquela da média brasileira, algo que a maioria dos brasileiros que lêem jornal já devem saber bem.

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