Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Divagação (Page 8 of 17)

A viagem mágica e misteriosa.

Um texto de Alcides Moreira da Gama

A inocência pairava no ar. O que importava era ser famoso. Fazer sucesso. Por isso o momento era de pedir por favor para me agradar e agradar a todos, escrever carta com declarações de amor, gritar e remexer. E assim continuou por algum tempo, mês a mês, um dia após o outro, passando por algumas noites de alguns dias difíceis, até chegar o momento de gritar por socorro, pois estava precisando de alguém.

A partir desse momento, uma mudança se inicia. Comecei a questionar sobre várias coisas, até sobre nossa própria capacidade. Experiências novas. E fui me perguntando, sentado num quarto de madeira norueguesa, se pertencemos a algum lugar, se temos ponto de vista, se sabemos nossa missão, se sabemos para onde iremos. Todas as pessoas solitárias, de onde elas vêm? Por que o padre escreve o seu sermão se ninguém o ouvirá? E tudo ficou tão diferente, mais misterioso, mais reflexivo, mais introspectivo, até que descubro que todas as coisas gentis que ela disse não fazem mais sentido, aqui, ali e em qualquer lugar. Eu disse: você está me fazendo sentir como se eu nunca tivesse nascido. Passo, então, a desligar minha mente, entregar-me ao vazio, flutuar correnteza abaixo, perceber que isso é não estar morrendo, renunciar a todos os pensamentos. Estou apenas dormindo. É nesse momento que chego ao auge da criatividade, impulsionado por substâncias e experiências novas. Muitas visões e alucinações que me inspiram. Muitos galopes soberanos.

Decido criar uma banda fictícia para fazer apresentações por aí. E assim inicio o show. Acomodem-se e deixem a noite passar. Vocês acham que estou cantando desafinado? Com uma pequena ajuda dos meus amigos eu consigo. O ácido lisérgico me domina e começo e me imaginar em um barco num rio, com árvores de tangerina e céus de marmelada. Lembro-me do tempo da minha escola. Como eu me aborrecia. Muitas regras para serem seguidas. Mas agora está melhorando o tempo todo. Tudo está melhorando. Algo começa a bloquear minha mente. É um buraco onde a chuva entra. Quando minha mente está viajando, começo a pintar um quarto de uma maneira colorida. Não quero que isso bloqueie minha mente. Preciso de mais substância. Chego ao êxtase da inspiração. É quando tenho a visão de que, após escrever um bilhete, a garota está indo embora. Adquiriu independência. Descobriu que a diversão é a única coisa que o dinheiro não compra. E encontra seu parceiro. Em seguida, entro num circo, as famílias assistindo um show de acrobacias. Vejo tudo rodando, parece uma ciranda musical. Está garantido um ótimo espetáculo para todos. Começo a ter inspiração indiana. Perceber que tudo está dentro de nós mesmos, que as pessoas ganham o mundo e perdem suas almas. Começo a me ver velho, com sessenta e quatro anos, junto de meus netos, tentando conquistar a adorável policial. Até a convidei para um chá. Durmo e me acordo numa fazenda dando bom dia a todos. A fazenda está cheia de capim mágico. Os animais se misturam. Pessoas correndo em volta da cidade que está escurecendo. A nossa banda fictícia começa a se despedir. É quando leio um jornal e chego a um orgasmo musical incrível. Isso acontece um dia na vida.

Começo, então, a turnê mágica e misteriosa. Passo por um tolo na montanha. Ele permanece só, errático, sorrindo. Sentado num floco de cereal, misturando-se com sacerdotisas pornográficas e comendo creme de matéria amarelada. Não parecia se preocupar com nada. Nada parecia real. Fecho os olhos e percebo que viver é fácil, principalmente quando se está, para sempre, num campo de morango.

Fico disperso e um tanto quanto revoltado, mas mantenho a unidade, não é querida Prudence? Tenha cuidada. Toco minha guitarra e percebo que ela chora gentilmente. Quero ter a felicidade mas ela parece ser uma arma quente. Decido ir a uma festa. É o nosso aniversário. Depois da festa vem a tristeza. Pela manhã acordo com vontade de morrer. Anoitece e continuo com o mesmo sentimento. Muita confusão na minha mente, até que me despeço e digo “boa noite”.

Pela manhã as coisas parecem mais alegres. Tudo muito colorido, todo mundo sorrindo e indago se todos nós vivemos num submarino amarelo. Uma mulher passa na rua carregando um buldog, bem agitado e interessantíssimo, querendo falar comigo. Atrás dela vem um velho. Parece ser chato. Ele tem cabelos até o joelho. Volto minha atenção na mulher. Percebo algo nela que me atrai. Parece ser tão pesada, mas eu a quero. Oh, querida, não me deixe. Veja que o sol está chegando, porque o céu está tão azul. Curta seus sonhos dourados, bela adorável. É o fim.

Não, antes, como arremedo, deixar tudo como está: um sentimento que não posso esconder, numa longa e sinuosa estrada a percorrer…

Montaigne e Plutarco: um diagnóstico e a impossibilidade de cura.

Michel de Montaigne alinhava entre os piores males do humano a tagarelice. É aquele falar sem fim de bobagens, ligadas umas às outras por laços fraquíssimos e, principalmente, relativa sempre a si mesmo. O tagarela não se interessa por nada mais que ele e sua vontade de serem os outros confirmações dele. Eu fui, eu estive, eu fiz, eu vi, eu acho, fulano disse, fulano foi, fulano achou, esse arcabouço discursivo é o dizer-se contínuo e dizer-se nada.

Plutarco parece ter-se interessado menos em dizer do que a tagarelice seria de mal humano. Talvez tenha saltado o diagnóstico, de tão evidente que é. Passou à constatação de algo quase trágico: ela é incurável.

Como tudo, sua remediação dependeria de palavras e que estas fossem escutadas. A tagarelice, de sua essência, é antitética ao escutar, portanto imune ao único remédio disponível.

Aí está: grave e incurável…

Joaquim Barbosa estará seguindo a trilha do Dr. Fausto?

Fora do âmbito da física, e talvez pudesse dizer das ciências naturais, não há leis invioláveis, para desgosto dos que acreditam em ciências humanas. Esses coitados crentes tomaram o termo ciência como algo divino. Fora do âmbito da física, tudo é violável, apenas implica alguma sanção, seja social, seja jurídica.

A única lei inviolável não física é aquela a prescrever que a venda da alma ao Príncipe do Mundo não permite violar a obrigação de entregá-la. Se fosse mais selenita e cultuasse o termo natureza, buscaria sisificamente perceber e dizer e fazer a taxonomia desta lei inviolável, mas é algo para além das minhas possibilidades e da minha preguiça.

Fato é que quem vende a alma deve entregá-la, o que implica dizer que deve entregar-se integralmente em troca do que quimericamente era liberdade, por pecúnia ou por conhecimento ou pelo preço mais alto: celebridade, que pode resultar das duas primeiras, ou não.

É mais fácil comprar com dinheiro que com sedução. Mas, a primeira transação é mais instável e a segunda mais vinculante, a despeito de todos os lugares-comuns em contrário. Quem se dá por sedução, dá-se mais que se o fizesse por dinheiro.

Tenho profundo receio e desconfiança comigo mesmo quando me aproximo de supor a tolice, a falta de sagacidade de alguém. Isso, porque as pessoas costumam ser incultas, ignorantes e desonradas, mas raramente falta-lhes a sagacidade que vê o benefício imediato e o extrapola para longo prazo sem nada que permitisse tal projeção.

Pois cheguei a supor que o juiz do supremo tribunal federal Joaquim Barbosa fosse meio tolo, para além de fragmentariamente moralista. Recuei dessa suposição e fiquei-me apenas pela imaginação de que era um vaidoso extremado imbuído de espírito de cruzada.

Volto a crer na tolice do juiz, no sentido de ficar-se pela sagacidade imediata. E continuo a perceber-lhe uma vaidade oceânica, o que permitiu seu pacto com máfia a supor que este pacto não se celebrava e que ele era celebrado pelo que ele achava em si admirável.

A máfia não acha em que coopta nada de admirável, senão vê utilidades. E, filha ou irmã do Príncipe do Mundo, sabe que atua no âmbito da lei inviolável. Quem se lhe alia não se afasta dela: é impossível.

A cruzada de Barbosa, que restauraria uma moralidade perdida – convém apontar que legalidade seria inadequado de usar embora adequado de ter sido a finalidade – tenderia a atingir a todos, indistintamente. Pelos primeiros movimentos da degradação em praça pública dos inimigos da imprensa brasileira, Barbosa recebeu o preço que não pediu mas gostou.

O homem tornou-se o justiceiro inabalável, lançado inclusive a uma quimérica disputa presidencial. E ele acreditou nisso e deixou-se enredar pelas teias amplas da sedução mefistofélica. Eis Barbosa em eventos de uma certa rede de televisão e media em geral. Eis o justiceiro em fotografias com apresentadores desta mesma rede. Ei-lo a brindar com sua presença o espaço privado desta rede no estádio em que se disputou a partida final da Copa das Confederações.

Eis, por outro lado, que o homem insinua a continuação da cruzada antes empreendida contra os inimigos dos seus incensadores, desta feita contra pessoas de estima in pectoris da mesma imprensa. A partir da percepção deste risco advindo de tão instável personagem, surge a necessidade de avisar-lhe dos riscos e esperar que perceba os avisos.

Quem não se deixa cooptar imediatamente por dinheiro privado, enquanto dá-se integralmente em troca da sedução que afaga a vaidade, geralmente reputa merecidas todas as somas que recebe em licitude aparente do Estado. Recebe também benefícios aberrantes do Estado, por mais que formalmente se possa dizê-los lícitos.

Essas coisinhas lícitas são tão desproporcionais ao que é necessário pelo desempenho de um cargo, por mais elevado que seja, que a massa – classes médias – os receberá com o mesmo escândalo gerado por todos os escândalos, reais ou imaginários, desde que a imprensa conduza a isto.

O termo é pesado, mas é óbvio que o ungido Barbosa é e será chantageado pelos que o ungiram ou o fizeram ao menos ter crido ser ungido, não apenas da imprensa como de um povo todo.

Como fará para não entregar o que pactou, sabendo ou não?

O crime no criminoso. Ou como o vulgo aprendeu a julgar.

Das piores experiências que há é esperar horas em consultório médico. Se o consultório for de ginecologista ou obstetra e tiver a sala de espera pequena, é pior. Não é apenas que haja muitas mulheres reunidas em pouco espaço e entregues à monomania da gestação, há mais.

Circunstancialmente, nestas plagas, as pessoas, todas elas quase, são dadas a falarem muito alto, o que me incomoda profundamente, mesmo sendo parcialmente surdo. Ao telefone, berram como se falassem a quilômetros de distância; a qualquer pretexto, falam como a convidarem os presentes, avidamente, para entabular conversa. Para quem está geralmente bem consigo em silêncio, é desafiador.

Mas, o pior constrói-se em camadas – como a personalidade do criminoso – e temos então a televisão, presente em todas as salas de espera, assim como as revistas de fotografias de atores de novelas e membros de realezas supranacionais. A televisão, esta sim é pior que a monomania que une os presentes numa sala de espera.

Há poucos dias, vi-me numa tal situação. Havia duas senhoras que gritavam no seu tom normal de comunicar-se e havia televisão, claro. Era já pelo meio-dia e começava o jornal televisivo das bobagens diárias, que se resumem a crimes, os mais aberrantes possíveis.

A TV noticiava com o escândalo de praxe mais um crime. Uma mulher namorava com seu amante, enquanto o esposo estava fora de casa. Eis que o filho de oito ou dez anos chega em casa e surpreende a traição da mãe. O erro do menino foi ter idade para compreender o fato e isso fechou sua sorte. Para evitar que o menino contasse ao pai, a melhor idéia que a mãe teve foi pedir ao amante que matasse o filho e assim o fulano fez.

Matou o menino e escondeu o corpo, não me lembro mais se enterrou ou pôs num saco, mas isso não importa. Eis o previsível escândalo, pois estava presente o pesar desproporcional de valores e objetivos que leva à comoção. Realmente, no elenco de crimes aptos a comoverem, o infanticídio encontra-se em posição privilegiada, quanto mais se por motivos fúteis.

A mãe e o amante, autores intelectual e material do crime, foram presos, expostos à habitual degradação pública, colocados em pé, lado a lado, enquanto um delegado com pendores artísticos dava entrevista com tudo que não importa ao deslinde de um crime, a expor tudo quanto juridicamente não é relevante. Mas, sabemos que os julgamentos são muito pouco jurídicos…

Nesse ponto, a senhora que falava aos gritos exaltou-se e, aos gritos, claro, começou a verbalizar o que o vulgo foi ensinado a pensar. Dizia, repetindo-se sempre, que o pior de tudo era a frieza da mulher, a secura dela, que não tinha vertido uma mísera lágrima enquanto confessava o crime. E repetia, e repetia, insistindo nisso de frieza e da ausência de lágrimas.

Primeiro, algo deve ser reposto ao seu lugar. Não me interesso por essas coisas como dramas, que são muito comuns. Sob este prisma, não me interessam, por falta de originalidade, por falta de apelo estético. Acontece que me detive a ver a TV e a fazer esforço para compreender o que a TV dizia. Primeiro, a mãe não confessava o crime, absolutamente, antes o negava. Segundo, ela sim chorava.

Isso pouco importa, sabemos, mas foi só um parêntesis. Também pouco importa, felizmente, o que se confessa na polícia, no Brasil, porque depois de uma surra o sujeito diz até ter roubado peças da Apollo 13.

O caso é que a senhora dos berros era todos em forma potenciada. Todos – ou quase todos, para sermos precisos, não indulgentes – criam o criminoso a partir de camadas de comportamentos, o que faz dele o crime. Paradoxalmente, a figura do criminoso, composta a partir de lugares-comuns moralizantes que em rigor nada significam, torna-se autônoma e ao mesmo tempo superposta e identificada ao crime em si.

Havendo uma figura criminosa não poderia ter deixado de haver crime, portanto. Eis a petição de príncipio que funda tudo nos julgamentos a partir de comoção moralizante do vulgo.

Quem olhe a coisa com mais calma sabe que o criminoso falar de um crime com frieza e sem lágrimas muda nada no resultado do crime. Na verdade, do ponto de vista estritamente jurídico, muda nada, tanto no crime, quanto na forma de apreciá-lo para o punir. O que o vulgo começa a colecionar em desimportâncias que o emocionam não constitui agravante nem atenuante do crime e não define absolutamente o tipo e a pena.

Aqui convém dizer que o vulgo a que me refiro não exclui os especialistas que tratarão do crime, aí incluídos polícias, promotores, juízes e advogados. Todos cabem muito confortavelmente no amplo e nunca bem entendido conceito de massa. Ela está sempre em busca de criminosos e quase sempre muito à vontade para deixar o crime em posição secundária.

A construção do criminoso, do sujeito anormal, é algo que lembra Foucault e é dele mesmo que me lembro agora e digo que não se trata de Vigiar e Punir, mas de outra obra, cujo nome não me vem à cabeça agora. O criminoso, nestes casos mais escandalosos a envolverem principalmente parentesco e motivos fúteis, é construído à parte do crime em si, por sucessivas deposições de aspectos de comportamento que isoladamente e até então nada significavam.

Depois de reunidos eles continuam a dizer nada, mas a obra que é a reunião desses comportamentos ganha vida própria, é a forma a tornar-se matéria. Um libelo clássico – seja ele dito em tribunal, na imprensa ou em conversas comuns – compõe-se da memória de que o criminosos maltratava animais na meninice; na juventude era retraído e calado e faltava às missas; nas primícias da idade adulta apresentava sexualidade desviante do número maior; já adulto comia só à mesa e gastava dinheiro demais. Assim, a coleção pode seguir com inúmeras circunstâncias desprovidas de significação para o que se quer dizer.

Essa construção sedimentar pode apontar para a psicopatia, realmente, mas não conduzirá a ela como se se fizesse ciência. Levará à montagem do criminoso, a figura que antecede necessariamente o crime. Com o criminoso pronto e acabado, é certo que há crime, tanto quanto é certo que do crime não se cuida, na verdade.

O crime, previsto em lei a partir de moldes bem estritos, é uma sofisticação descompassada com a sociedade. Ela não quer crimes e punições, ela quer criminosos e linchamentos e entrevistas e comoções e gritos e indignações fugazes à espera das próximas.

A mulher que não chorou ao confessar o assassinato do filho e que o fez friamente, mesmo que assim não tenha sido, é a mesma espectadora que gritou a frieza e ausência de prantos húmidos. Só se constrói o que se sabe, o que se é capaz de fazer a partir dos modelos detidos; assim, o criminoso é ao mesmo tempo um desenho do proscrito anormal e um espelho dos desenhadores.

Ainda pensei em dizer à gritadora: minha senhora, a falta de lágrimas e a frieza na confissão nada mudam no crime, já vi criminosos terríveis chorarem a quase se desidratarem. Mas, seria inútil como mandar soltar um leão enjaulado para enfrentá-lo, e sem a poesia de Cervantes.

No fim das contas, lembro-me de Mersault, que percebeu estar a ser julgado não por ter matado um árabe, mas por não ter chorado no enterro da mãe.

Obviedade: a tolice é terrível e profundamente cansativa. Mas, o mundo é dos tolos.

O mundo é dos tolos ou, talvez melhor dizendo, das tolices. É conclusão desagradável, mas seria desonesto chegar a ela e não no dizer.

A tolice mais agressiva com que me deparo é aquela de tomar a parte pelo todo e pensar por associações primárias de coisas que não se implicam necessariamente. Não foi à toa que Ortega y Gasset disse ser mais difícil dissociar idéias que as associar. É mesmo, porque dissociar implica pensar, ao passo que as associações fazem-se arbitrariamente segundo esquemas de pressuposições improváveis.

Lembremos, por exemplo, que se deu às massas o seguinte esquema: Fulano consome substâncias ilícitas; quem consome tais substâncias é inclinado ao delito; logo Fulano é inclinado ao delito. O silogismo é perfeito, mas as premissas não têm qualquer coisa de provável.

No exemplo precedente podem-se perceber várias ausências de significação. O consumo de substâncias legais e ilegais pode levar ao delito; pode-se delinquir independetemente do consumo de qualquer coisa; pode-se delinquir por necessidade, mais que por inclinação. A premissa vai de improvável a absurda, a depender do grau de lucidez a acuidade de quem a analisa.

É fácil associar porque as falsas relações estão dadas, mais que por manipulação das premissas. Trata-se da oferta de uma ementa pre-estabelecida de relações que trazem sua validade implícita, ou seja, de uma grande petição de princípios.

Por exemplo, se eu digo que não gosto de basquetebol o tolo perfeito acha que não gosto de esportes em geral, porque ele toma a parte pelo todo e é escravo da obrigação de dizer – ou sinceramente crer – que gosta de todos os esportes, como se fossem uma coisa única e sem distinções. Ao tolo perfeito foi dada a obrigação de associar automaticamente o gostar de esportes ao gostar de todos os esportes, mesmo que não goste desse ou daquele.

Quando a tolice associativa chega ao terreno minado da religiosidade o perigo é grande. Aqui, estamos na ante-sala do acendimento das fogueiras, sempre pelos motivos mais justos. A massa queima quem ela não compreende. Principia a queimar com as chamas suaves das palavras simplesmente imbecis e finda por fazê-lo em termos físicos.

A ameaça ao homem-massa – o perfeito tolo –  provém não apenas de quem pense, mas de quem não se possa apreender nos poucos modelos associativos de que ele dispõe. Disseram ao perfeito homem-massa que há fórmulas a serem ditas pelos que são como ele; logo, quem as não disser é diferente. Pelo modelo associativo recebido, não repetir as fórmulas é causa de exclusão, portanto dá-lhe um rótulo, que é a primeira tentativa de exclusão.

A segunda exclusão tarda pouco e é física. O tolo triunfará, isso é um axioma.

O golpe de estado de 1964 acordou o pior da pequena burguesia.

Não falarei do entreguismo, força que subjaz ao golpe de estado dado em 1964, no Brasil. Falarei dos efeitos laterais da ação para manter o Brasil mais fielmente vassalo de interesses externos.

Instalada no poder a corporação militar a serviço de Jonhson – e, portanto, dos bancos e do complexo industrial-militar – houve condições para a ascensão social de partes da classe média, que nunca tivera grandes poderes decisórios, ainda que fossem os de escolher despachar um papel de um setor a outro de uma repartição pública.

O pessoal próximo aos níveis superiores tratava diretamente com os representantes do Departamento de Estado e das grandes corporações. Esse grupo apropriava-se imediatamente de dinheiros recebidos de fora e roubados do Estado. Era questão de receber, comprar imóveis e pronto. Os mais grandes, mandavam dinheiro para a Suiça.

Essa gente mais de cima é violenta no que consente na violência e no que rouba muito; é a violência no atacado, contemplada e planeada em conversas amenas e sem planilhas. Maquiavel explica esse grupo, o que torna as coisas muito mais fáceis de se perceberem.

A pequena classe média, aquele fermento de todos os fascismos, atua em outra frente. Rapaces a não poder mais e medrosos na mesma medida, gozam das migalhas que caem da mesa dos donos do poder e têm uma característica muito própria: ódio. A par com a vontade de poder, têm algo terrível, que é o ódio aos melhores, aos mais pobres e aos mais honrados. O poder real não odeia, manda.

Nenhum poder ditatorial pôde negar-lhes a saciação de seus desejos. Nenhum Rei e nenhum Bispo de Roma pôde negar aos seus subalternos o direito a queimarem seus inimigos. Claro que boa parte dos bandidos estetas nunca deixou de se escandalizar com isso, mas não deixou de praticar a política que mantém o poder: então, se querem queimar, violar, espancar suas vítimas, que o façam.

No Brasil do golpe de 1964, a distribuição dos subornos à classe de apoio fez-se primorosamente. Quem queria subornar a função pública pôde; quem queria ganhar dinheiro deixando-se subornar, pôde; quem queria espancar, meter cabo de vassoura no cú dos inimigos, dar choques nos testículos, afogar, fazer chafurdar na merda, arrancar unhas, pôde fazê-lo.

Quem, mais pudico e aveso a sangue e fezes e urina e gritos lancinantes quisesse aproveitar-se podia apenas progredir nas carreiras públicas ou nas IBMs, Coca-colas, Fords, Volkswagens e outras mais corporações privadas que gozavam de amplo espaço.

Quase trinta anos depois do fim formal desta festa de sangue sem suor, boa parte dos escravos ascendentes é gente rica. Sem nada do que a teoria pueril do merecimento prediz, grande parte dessa gente é rica, hoje. É rica e tão ou mais desprezível que era há quarenta anos. É rica e muito pouco rica em relação aos que sempre foram e são.

Pensando-se bem, essa gente não é pior que os donos do poder, que não são os eleitos de qualquer partido. Mas, o que essa camada média faz, quando ascende a recebedora preferencial das migalhas do poder, é, sim, o pior. Os piores príncipes são-no porque precisam deixar esse grupo fazer o que quer. Eles, os príncipes, consentem nisso, porque o poder é comprar a camada média, seja para beneficiar a uma minoria, seja a uma maioria.

Divindade mesquinha. Ou, no começo, o Homem criou Deus.

Os pontos centrais da idéia de divindade são criação e transcendência. Embora o primeiro ponto não implique logicamente hierarquia, assim admite-se que seja e, portanto, que criadores são superiores a criaturas. Os primeiros sabem perfeitamente bem o que são os segundos; o que farão; quais obras serão as suas.

Esses dois pontos centrais imbricam-se. Convém separá-los, todavia, que mesmo parecidos não são a mesma coisa. Mas, ambos são insistentemente negados nas afirmações mais comuns dos crentes de todos os credos greco-judaicos. As negações têm o mesmo sentido e permitem abordá-las todas conjuntamente.

A divindade greco-judaica é um decalque do pior homem disponível. Ela é, sob esse ponto de vista, construção democrática a reunir muitíssimos caracteres e inclinações, de forma a compor algo que permita pontos de identificação amplos.

É difícil apontar se é o legislador ou é o juiz o pior modelo humano, então reunem-se as duas figuras e tem-se o modelo prototípico em torno a que gira tudo na religiosidade greco-judaica. Ela estrutura-se juridicamente, seus cleros são funções burocráticas de dar regras e interpretações.

Não há maiores dificuldades para perceber que divindades assim criadas – e aqui convém dizer que o serem criadas não lhes retira existência – revestem aspirações de seus criadores e comumente as mais comezinhas. O mesmo sucede com a legislação autorizada por essas divindades, corpo jurídico que desce a minúcias sobre vestimentas e alimentos e, evidentemente, condutas sexuais.

Nada obstante tudo isso seja de humanidade claríssima, é imperioso traçar-lhe genealogia divina e dizer das regras que são emanadas da divindade criadora e transcendente. Entra em cena o absurdo em forma pura: a revelação. Absurdo porque o transcendente nada pode dizer ao intranscendente, pois que romper a incomunicabilidade significa nada mais que negar a própria transcendência.

Todavia, a maior paixão humana não é por dinheiro, sexo ou poder político. A coisa mais sedutora, mais apaixonante, aquela que mais atrai o homem, é o paradoxo, a contradição profunda, o absurdo. Conviria aceitá-lo sem mais arrodeios e entregar-se a este vinho resinado irresistível que nos conduz a celebrar os mistérios porque são misteriosos e nada mais.

Mas, não. Precisamos estruturar as coisas juridicamente, a partir do dogma da estratificação normativa piramidal, assumindo a existência de norma fundamental perene que dá legitimidade às inferiores, deduzidas logicamente por um corpo de especialistas que se ungiram em meio-deuses.

Não é de estranhar-se que o fetiche constitucionalista seja tão forte na parte do mundo inspirada na cultura greco-judaica, afinal todas elas vivem sob estruturas clericais paralelas, uma falando da divindade, outra da constituição. No fundo, legisladores, juízes, padres, rabinos, intérpretes do Corão, pastores, são todos funcionários de um mesmo modelo.

Nessa marcha da insensatez, o normativismo hierarquizado visou e visa sempre a definir algo essencialmente anti-normativo: a natureza humana. Não por humana, mas por natural, ela é inapreensível dogmaticamente e impossível postular-se objeto de alguma revelação. Ela é e basta-lhe alguma ontologia e que fique pelo ser sem predicativos.

No modelo greco-judaico o estar conforme à religiosidade afere-se exatamente como se afere a legalidade de uma conduta, o que é muito coerente, deve-se dizer. Não se cuida aqui de mais que a conformidade a regras jurídicas que ditam comportamentos e visam a proscrever outros.

A absurdidade, contudo, está em que os juízes e os legisladores são os mesmos e agem de maneira nitidamente casuística, o que se evidencia na flexibilização das regras. Ora, se se tratasse de averiguar a conformidade de condutas humanas com regras dadas pela divindade, estaríamos diante da impossibilidade de qualquer flexibilização e não haveria intérpretes, porque um deus legislador ambíguo seria também um piadista.

Margens, interpretações, ambiguidades, sentidos falsos e verazes de uma proposição são coisas demasiado humanas e soa a heresia pô-las na conta da divindade. Anacronismo e perda de vigência por conta da história, por outro lado, não são coisas que se harmonizem com um legislador eterno e portanto fora do tempo.

Um criador transcendente não implica absolutamente um legislador, sob pena de, sendo parcial, não ser criador trancendente. Ora, legislar é fazer qualquer coisa contra alguém e a favor de outrem, política, enfim. Contra e a favor não são adjetivos que se possam apor a ações de um criador transcente, até porque a única ação minimamente cognoscível seria a própria criação, que não é adjetivável.

Decorre outra contradição profundamente blasfema, que é a crença na possibilidade de se agradar algum deus. Ora, um deus que sinta júbilo, que se sinta agradado com essa ou aquela homenagem, não é transcendente, nem que se torça a lógica aristotélica até que ela verta lágrimas. Um deus sedento de homenagens é o pior dos homens, na verdade.

Eduardo Campos vende a alma já em 2013?

Não há qualquer mística neste assunto; a conta é simples. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, anuncia-se candidato para as presidenciais de 2014. A presidente Dilma Rousseff, muito bem avaliada popularmente, será candidata à reeleição.

Assim, Eduardo tem que ser candidato pela direita, porque pela esquerda será Dilma. Esse besteirol de terceira via é algo que se utiliza para evitar que o favorito vença na primeira volta, apenas. Foi precisamente o que aconteceu com Marina Silva, a terceira-via absolutamente nada, que permitiu a Serra ir à segunda volta e perder de Dilma.

Creio que Eduardo não seja tolo e dado a indignidades a ponto de aceitar ser o candidato laranja da tal terceira via. Então, é razoável supor que será ele mesmo o candidato a presidente ou a vice-presidente pelo campo da direita.

Aí, chegamos ao ponto. Para ser minimamente viável contra Dilma, Eduardo terá que vender-se integralmente à TV Globo, única forma de contrapor-se a um governo bem avaliado. E convém não esquecer que não se vende meia alma…

As aparências pouco enganam. Bergoglio é jesuíta.

Assembléia de cento e quinze cardeais elegeu Jorge Bergoglio Bispo de Roma e Chefe do Estado Vaticano. O cardeal é jesuíta argentino e era Arcebispo de Buenos Aires; sua nacionalidade tem importância nenhuma, mas o pertencimento à Companhia de Jesus tem.

A imprena, e não só da periferia do mundo, tem insistido em aspectos do estilo de vida de Bergoglio, como o hábito de usar transportes públicos, o residir em apartamento modesto e o preparar suas próprias refeições. Ora, tais hábitos, em um jesuíta, só podem surpreender quem não os conhece absolutamente.

Surpreenderia, em um jesuíta graduado, que fosse inculto, ignorante, incapaz de dominar argumentação lógica-formal e, principalmente, que não fosse hipócrita. Mas, austeridade no trajar e no morar, aversão à ostentação, aparente auto-crítica, tudo isso faz parte do modelo deles. É uma ordem de sofistas.

A Companhia de Jesus segue um programa rigorosíssimo de busca e manutenção do poder, mediante abertura seletiva em busca dos mais capazes e dominação discreta, precisamente a forma do poder mais intenso. O jesuitismo, de certa forma, é como uma companhia que realmente adote a meritocracia para recrutar e fazer ascender aqueles mais adaptados ao seu projeto.

 Em comparação com outras ordens, são muito suaves e sutis, exceto em negócios que tinham a violência física como parte integrante, como deu-se no tráfico de escravos, é claro. Eles acreditam, com bastante razão, no poder do discurso e perceberam que a censura aberta é suma tolice, porque o inteligente não precisa ser censurado, que ninguém o escuta, e o burro tampouco, que não é capaz de enunciar algo sedutor.

Eles censuram o elemento médio por meio da sutileza de o levar a pensar importante nas opiniões que tem e a levar-lhe a pensar exatamente dentro do modelo previamente fornecido. São, em resumo e servindo-me de termo estrangeiro consagrado, o modelo do soft power.

Não foi à toa que vários Estados e a própria Corporação Romana precisaram expurgar os jesuítas em várias ocasiões, porque seus projetos de poder eram viáveis e cresciam rapidamente, à revelia de todo controle externo. O Marquês de Pombal teve muito a dizer a respeito, para ficarmos em um exemplo apenas.

Pois bem, o lugar-comum da moda é associar os modos austeros de vida particular e pública de Bergoglio a opção preferencial pelos pobres e por problemas sociais. O engano que pode haver e provavelmente há nisso advém da ausência de relação de uma coisa e outra, se considerarmos que a associação é totalmente arbitrária e baseada no cotejo de meioa dúzia de casos em que se mostrou certa.

O engano não provem das aparências, que de aparências não se trata aqui. Eles, os jesuítas, são assim mesmo. O engano provém do que se convencionou associar simbolicamente a tais ou quais formas de comportar-se em público e em privado. Essas associações de idéias são arbitrárias e dão-se segundo modelos pré-concebidos, sem que alguém preocupe-se em pensar o que há por trás e se há realmente alguma ligação.

Ortega y Gasset já dizia algo genial, em um dos ensaios de A Rebelião das Massas: é mais difícil dissociar idéias que as associar. Realmente, as associações estão praticamente dadas e funcionam quase automaticamente, são questão de pouca sagacidade. Uma vestimenta simples associa-se à pobreza; o silêncio associa-se à estupidez; a fala aparentemente simples associa-se à inocência e por aí vai.

O poder real e profundo e a riqueza grande não são ostensivos. Ostensivas, deselegantes e prolixas são as aspirações do poder pequeno e novo e do novo-riquismo. Convenientemente, as manifestações exteriores dos novos-poderosos e novos-ricos converteram-se, aos olhos do vulgo, na única expressão que reconhece como de poder. Daí, tem-se um bloco de atitudes pronto a ser associado à ambição e, no sentido inverso, tem-se um bloco de atitudes contrárias pronto a ser associado ao contrário.

A simplicidade comportamental não apenas aparente do novo Bispo de Roma foi associada a opção preferencial pelos pobres, inclusive sua imensamente sagaz escolha da alcunha Francisco, que remete ao Santo dos Pobres. Ocorre que essa associação não tem qualquer sentido próprio. Se se purgarem das atitudes significantes os significados que às primeiras não se relacionam necessariamente, a coisa fica clara.

Comportar-se assim ou assado é linguagem, além de alguma coisa de inclinação pessoal. Residir em apartamento pequeno, adjunto ao prédio da Catedral de Buenos Aires, não é opção significativo de opção preferencial pelos pobre, nem sinal tênue disso, senão afirmação de um belo estoicismo ou esteticismo forte, ou ainda elitismo em forma pura, seja por cálculo ou vontade muito sincera. O poder não se perde por isso, ao contrário reforça-se.

Um jesuíta no Bispado de Roma pode significar a retomada do crescimento do Catolicismo Romano ou seu precipitado fim.

 

 

A sagração do Tsar Vladimir Vladimirovicth Putin.

http://youtu.be/Q8xiD_c0apY

Precisamente o que teme a Europa, em silêncio e a falar de um falso temor de islamismo, porque de temores reais não se fala. Teme porque é onde há força e riqueza, porque a oprimiu e hoje depende de seu gás.

Teme a Rússia porque talvez receie uma vingança, já que contra a Rússia os europeus fizeram várias guerras de agressão. Zukhov só tomou berlim, em 1945, porque antes os alemães mataram 20 milhões de russos e quase tomam Moscou. Busquem o que disse Von Paulus, sobre o infame, suicida e assassino avanço a leste.

Talvez não na devessem temer, que nunca tencionou agredir a Europa, apenas, de algum tempo para cá, tenciona deixar de exportar a preço de nada suas riquezas minerais.

 

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