A maior expressão de poder é estabelecer as condições em que serão postos os discursos da pseudodivergência, que é um dos pilares do mito da imparcialidade. A imprensa majoritária – braço amigo do grande capital – conseguiu atingir este objetivo e domina integralmente o espetáculo do contrário aparente.
Se eu ponho as balizas da discussão sobre mim mesmo, eu sou ponto e contraponto previsíveis. Curiosamente, há um exemplo de sucesso desta estratégia na indústria do entretenimento, em que as piadas com judeus são todas previamente autorizadas por eles mesmos, não estranhamente os donos desta indústria.
Inicialmente, a abundância material atingida no século XX – e abstraio da justeza da sua distribuição – deu as condições da espetacularização da sociedade: condições econômicas para um fato social. Em segundo momento, o processo passou a retroalimentar-se também pela categoria subespetacular da pseudodivergência.
O debate havido no âmbito dos vários meios de imprensa é o modelo ideal da pseudodivergência, que funciona mesmo se protagonizado por debatedores bem intencionados e não necessariamente assalariados para dizerem isso ou aquilo especificamente. É possível lançar a pseudodivergência que nada diz, nada informa e tudo confunde com pessoas mais ou menos livres das amarras da compra e venda puras.
Há lugares a serem explorados para a condução da pseudodivergência com bons ares de imparcialidade teórica e política. Um deles é o consenso, tratado implicita e explicitamente como objetivo sempre desejável, embora não se pare para pensar porque o consenso seria algo invariavelmente vantajoso.
Esse arranjo disfarça uma convergência enorme de interesses na reprodução espetacular e conduz a uma aparente polifonia, quando, na verdade, tudo obedece a uma lógica que já não usa nem se refere a valores de uso. A lógica é integralmente de troca e de discursos que se articulam às trocas sucessivas, sem, contudo, nada de substancial dizerem.
Essa aceleração na dinâmica do poder real não se deve tanto ao aperfeiçoamento tecnológico recente. Do rádio em diante, suas condições técnicas suficientes estavam dadas. Bastava, para o triunfo absoluto, que se chegasse ao ponto de inexistência de memória da situação precedente, ou seja, de pertencerem todos desde nascidos ao tempo das tecnologias de comunicações usadas pelo espetacular.
Assim, o poder determinou em que termos se pode falar dele, forneceu as objeções que ele gosta de receber, forneceu os meios das pessoas serem aparentemente contrários, apropriou-se da contracultura como mercadoria. O poder, não é demasiado destacar, não se confunde com os governos, embora com eles geralmente esteja em franco conúbio.
A essência do poder é não ser percebido; quando consegue atingir este estágio, é pleno. O dinheiro reunido aos meios de comunicação levou a um poder quase pleno, por todo o mundo. Determinar o que é assunto e contra assunto permite-lhe atuar livre de críticas efetivas e mais, reduzir as hipóteses de deserções efetivas do modelo.
A deserção efetiva implica a percepção do caráter fetichista da mercadoria e isto é cada vez mais difícil e consequentemente mais raro, o que leva a crer na longevidade deste modelo espetacular, permeado aqui e acolá de crises que ele mesmo gera, como reservas de energia para sua constante reprodução.
A divergência seria rejeição ao consumo – à falta de termo mais adequado – de mercadorias e de informações; a rejeição à terminologia fornecida pela imprensa; aos seus loci discursivos pseudohumorísticos. Seria necessário perceber que a divergência não acontece pelas regras de quem as forneceu, exceto se ele assim o quiser e neste caso, interessa ao espetáculo e não passa de pseudodivergência.