Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Divagação (Page 4 of 17)

Pseudodivergência: poder real.

A maior expressão de poder é estabelecer as condições em que serão postos os discursos da pseudodivergência, que é um dos pilares do mito da imparcialidade. A imprensa majoritária – braço amigo do grande capital – conseguiu atingir este objetivo e domina integralmente o espetáculo do contrário aparente.

Se eu ponho as balizas da discussão sobre mim mesmo, eu sou ponto e contraponto previsíveis. Curiosamente, há um exemplo de sucesso desta estratégia na indústria do entretenimento, em que as piadas com judeus são todas previamente autorizadas por eles mesmos, não estranhamente os donos desta indústria.

Inicialmente, a abundância material atingida no século XX – e abstraio da justeza da sua distribuição – deu as condições da espetacularização da sociedade: condições econômicas para um fato social. Em segundo momento, o processo passou a retroalimentar-se também pela categoria subespetacular da pseudodivergência.

 O debate havido no âmbito dos vários meios de imprensa é o modelo ideal da pseudodivergência, que funciona mesmo se protagonizado por debatedores bem intencionados e não necessariamente assalariados para dizerem isso ou aquilo especificamente. É possível lançar a pseudodivergência que nada diz, nada informa e tudo confunde com pessoas mais ou menos livres das amarras da compra e venda puras.

 Há lugares a serem explorados para a condução da pseudodivergência com bons ares de imparcialidade teórica e política. Um deles é o consenso, tratado implicita e explicitamente como objetivo sempre desejável, embora não se pare para pensar porque o consenso seria algo invariavelmente vantajoso.

Esse arranjo disfarça uma convergência enorme de interesses na reprodução espetacular e conduz a uma aparente polifonia, quando, na verdade, tudo obedece a uma lógica que já não usa nem se refere a valores de uso. A lógica é integralmente de troca e de discursos que se articulam às trocas sucessivas, sem, contudo, nada de substancial dizerem.

Essa aceleração na dinâmica do poder real não se deve tanto ao aperfeiçoamento tecnológico recente. Do rádio em diante, suas condições técnicas suficientes estavam dadas. Bastava, para o triunfo absoluto, que se chegasse ao ponto de inexistência de memória da situação precedente, ou seja, de pertencerem todos desde nascidos ao tempo das tecnologias de comunicações usadas pelo espetacular.

 Assim, o poder determinou em que termos se pode falar dele, forneceu as objeções que ele gosta de receber, forneceu os meios das pessoas serem aparentemente contrários, apropriou-se da contracultura como mercadoria. O poder, não é demasiado destacar, não se confunde com os governos, embora com eles geralmente esteja em franco conúbio.

A essência do poder é não ser percebido; quando consegue atingir este estágio, é pleno. O dinheiro reunido aos meios de comunicação levou a um poder quase pleno, por todo o mundo. Determinar o que é assunto e contra assunto permite-lhe atuar livre de críticas efetivas e mais, reduzir as hipóteses de deserções efetivas do modelo.

A deserção efetiva implica a percepção do caráter fetichista da mercadoria e isto é cada vez mais difícil e consequentemente mais raro, o que leva a crer na longevidade deste modelo espetacular, permeado aqui e acolá de crises que ele mesmo gera, como reservas de energia para sua constante reprodução.

A divergência seria rejeição ao consumo – à falta de termo mais adequado – de mercadorias e de informações; a rejeição à terminologia fornecida pela imprensa; aos seus loci discursivos pseudohumorísticos. Seria necessário perceber que a divergência não acontece pelas regras de quem as forneceu, exceto se ele assim o quiser e neste caso, interessa ao espetáculo e não passa de pseudodivergência.

Discurso jurídico e farsa.

Recentemente, falou-se da descoberta de uma carta manuscrita de Adolf Eichmann para o presidente de Israel na época de seu processo de eliminação física. Por meio desta missiva, Eichmann teria pedido para ser poupado do assassinato. Não sei se isto é verídico e não fui averiguar a tal notícia.

Não sou dos que nutrem especiais admiração ou repulsa por Eichmann. Se fosse dos primeiros, certamente o nível de admiração cairia, na medida em que o pedido de clemência é a tolice suprema de um desesperado. Compreende-se que não se queira morrer na forma vil que é a forca, mas pedir aos executores da vingança que a não executem é patético, além de inútil.

Se fosse dos segundos, certamente a repulsa aumentaria, porque sempre se compreende um pedido de clemência como algo necessariamente antecedido de uma confissão de culpa implícita. É como se o fulano dissesse que fez o que fez, mas por razões que lhe fugiam, por cumprir ordens e coisas deste gênero.

O pedido de clemência, caso tenha havido, é bastante revelador. Tanto da ingenuidade do pedidor, quanto da total ausência de juridicidade no processo em que se decretou sua execução após o sequestro. Ou, talvez ainda mais, revelador do correto significado da judicialidade.

 Nossa cultura judaico-cristã sente necessidade imensa de disfarçar as vinganças e o exercício do poder. Eles têm de ser confundidos num processo que os legitime formalmente. Para isso serve o direito, essa forma cambiante de conferir aparências civilizadas às coisas mais brutais. E serve para tanto mesmo expondo suas contradições enormes. Por exemplo, em termos criminais, não se admitem crimes nem penas sem leis anteriores que os definam.

Todavia, os famosos tribunais de exceção desprezam absolutamente este princípio e o da territorialidade. Realmente, a extraterritorialidade é algo aberrante em termos de justiça criminal, porque o suposto criminoso nunca agiu a pensar que estivesse submetido a uma nebulosa jurisdição universal baseada numa lei que ainda não existia.

O que há – e é profundamente humano – é a vingança. Mas, como em relação a quase tudo muito humano, a cultura judaico-cristã tem vergonha da vingança e precisa chamar-lhe julgamento.

O escravo não deve perceber a escravidão. Por isso a imprensa nega a luta de classes.

O capital serve-se da imprensa como se serve da repressão policial. São meios de ilusão e controle social que devem inicialmente impedir a tomada de consciência da luta de classes e, secundariamente, reprimir violentamente qualquer ameaça ao patrimônio.

O discurso é mais eficaz, historicamente. A imprensa, assim como o poder judicial, apropriou-se sagazmente do mito da imparcialidade e ficou livre para mentir e deformar à vontade, em atividades editoriais disfarçadas em jornalismo.

Vendeu a ilusão de que noticia fatos, pura e simplesmente, o que é muito distante da realidade. Ela vende pacotes prontos de idéias simples a serem repetidas pelo público não pensante.

Mas, além da imprensa e do judicial, é interessante perceber que quase toda a sociedade adotou narrativas que tendem a negar a luta de classes, como se os mais díspares grupos em termos de apropriação de rendas tivessem os mesmos interesses.

O discurso corporativo tem exemplos interessantíssimos. Em supermercados, os empregados mais subalternos são chamados colaboradores ou, o que é mais perverso, associados. Colaborador dá idéia de proximidade, de semelhança entre empregado e patrão, algo muito longe de ser verdade.

Associado é perversão e piada. Tudo isso visa a afastar a percepção de exploração e das diferenças imensas na apropriação dos resultados. E resulta bem, a despeito do empregado saber que trabalha muito e que se cansa muito e que ao final ganha pouco.

Essa sagacidade é, talvez, ainda maior nas classes médias, que chamam suas empregadas domésticas pelo eufemismo secretária. Ora, como é que é secretária quem não ganha salário desta função, quem não faz trabalho de secretária? É uma piada de alta perversidade.

Neste caso de secretária, a família médio classista expia um pouco de sua culpa esclavagista, além de suprimir o termo estigmatizante empregada. Claro que do estigma só se extirpa o nome e o restante permanece nesta que é a pior função laboral existente no Brasil.

Mino Carta aponta algo interessantíssimo no âmbito da imprensa. Diz que não conhece outro país onde os jornalistas e repórteres chamem os patrões de colegas. Ora, o fulano que escreve o editorial é o patrão ou funcionário qualificado deste – um quase patrão. O jornalista é empregado, nunca colega de patrão algum.

É necessário expurgar dos discursos todas as menções, todos os termos que indiquem a relação patrão – empregado explicitamente. É preciso que não se percebam com nitidez as diferenças enormes e obscenas entre os 2 ou 4% que se apropriam de mais e os rentantes. Claro que diferenças percebem-se, mas o discurso leva as maiorias a ignorarem qual grandes são elas.

Diferenças que não se percebem nas suas reais e abissais dimensões parecem aceitáveis e podem ser explicadas pelo besteirol comum do mérito e outras mentiras deste tipo. Assim, os escravos seguem a aceitar suas servidões, na medida em que não de veem como servos.

Por conta da negativa da luta de classes – a maior tarefa da imprensa que funciona como uma corporação mundial a serviço do grande capital financeiro – as maiorias são levadas a descrer da política e pensar que o farisaísmo é mais importante que a escolha política. São levadas a acreditar num sistema burocrático supostamente virtuoso, meritocrático e imparcial.

A negação da luta de classes é a negação da política também. Implica a idéia de não haver escolhas, opções, hipóteses, nada variável conforme uma decisão que vise aos interesses próprios de uma classe. É um estado quase religioso de verdade única, de gestão por manuais, ou seja, de naturalização da história. Isso é conservadorismo na forma mais pura.

Por terem tido grande êxito em fazer a maioria das pessoas crerem que compartem interesses com seus exploradores, os avanços políticos, sociais e econômicos, nomeadamente no que se refere a melhor distribuição de riquezas, são espasmódicos, episódicos e sempre sujeitos a travões ou retrocessos.

As pessoas chegaram, em sua imensa maioria, ao grau zero do pensamento autônomo. Não há originalidade para dizer algo belo nem feio, só repetições. Não há noção de história, nem de realidade.

Presentemente, para travar as melhoras nas vidas da maioria das pessoas – algo que repugna às classes médias e altas – a imprensa investe contra governos sob argumentos não provados de haver neles corrução elevada.

Ora, não há hoje corrução mais elevada que em qualquer outro período histórico e só os tolos crêem que há, porque é próprio dos tolos serem ignorantes de história e não pensarem por si mesmos.

Assim, muitos são levados a esquecerem as melhoras de níveis de vida e a bradarem contra algo que é historicamente estável e não mereceu estes ataques, exceto quando havia governos mais favoráveis ao povo, claro.

Conduzido por uma imprensa hedionda o povo busca o suicídio, oferece sua servidão e marcha para um fascismo perigosíssimo.

São Jerônimo: patrono da crítica?

Um bárbaro dálmata do século IV a.C. traduziu a bíblia hebraica e os evangelhos canônicos para o latim. Fê-lo mesmo alfabetizado tardiamente em grego e em hebraico, o que é notável! A Vulgata, tradução dos textos hebraicos e dos textos gregos do Novo Testamento para o latim, deve-se a ele.

O homem fez de tudo e devia ter um senso de oportunidade muito apurado, pois foi de asceta do deserto a proto acadêmico e acompanhante e confessor de senhoras ricas piedosas. Viajou o mundo que a cristandade conhecia, ou seja, a bacia do mediterrâneo oriental, a Palestina, a Síria, a Lídia.

Pegado a livros e principalmente a livros sem autoria definida – o que não constituía qualquer problema – ele desenvolveria a técnica da crítica, que é uma forma de tradução ou, no mínimo, uma derivação desta. Estabeleceu regras para a fixação de autoria, a partir basicamente de conceitos de continência. São critérios de validade e canonicidade por autenticidade consigo mesmo.

Assim, por exemplo, se de vários livros atribuídos a um autor, um apresenta nível inferior, ele deve ser considerado fora da obra. Deve haver uma constante de nível e uma obra inferior às demais retirada do conjunto. A obra que contradiga a corrente ideológica do autor deve ser considerada não dele. Este é um critério de coerência a afastar tudo quanto inicialmente desdiga a linha maior do autor.

O estilo também deve ser homogênio e, assim, a obra que se afaste estilisticamente das restantes tampouco pode ser do mesmo autor. Por fim, lança um critério histórico – o único, talvez, a ter algum sentido – pelo que a obra que se refira a fatos e personagens posteriores ao autor não deve ser considerada dele.

Esse padrão, esses critérios, lançaram as bases da fixação de autoria e, mais que isso, de toda a crítica ocidental posterior. Para ele e na época, isso calhou muito bem, pois tratava com a formação de uma tradição que precisava autenticar-se e autorizar-se. Ele acresceu método, aquilo que autoriza mesmo que signifique nada ou quase nada, posto que sempre dogmático, como qualquer parametrização científica.

O texto sagrado pede autor certo e pede intérpretes, assim como o texto jurídico da tradição judaico-cristã. Se por um lado é aberto e pede intérpretes, por outro precisa fechar seus furos de autoria e estabelecer uma unidade que lhe confira autenticidade e historicidade, mesmo que seja para se afirmar revelado e não histórico.

A crítica gira em torno a isso desde sempre e é crítica de autor mais que de obras. Cuida da unidade da obra a partir de elementos que a própria obra fornece. Ela aponta o diferente que não deveria haver porque proveniente do mesmo autor. Ela percebe melhor da coerência que o próprio autor que tem uma obra glosada por diferente em nível, estilo ou ideologia da linha geral. A crítica é basicamente o fetiche da coerência segundo a definição externa ao autor.

O biografo de autor é uma figura de crítico que sabe escrever mais que cinco páginas e quer ser considerado também autor. Evidentemente, isso é tanto inútil, quanto presunçoso, na medida em que não for história pura e simples. A biografia de Napoleão será uma coisa, a de Stendhal outra. Qual o sentido da biografia dum autor, senão o de lhe retraduzir mais uma vez?

A obra sobre a obra e a obra sobre o autor são a obra de alguém sem obra. Ora, se autor e obra forem o mesmo, escreve-se história. Se o primeiro existe sem o segundo, escreve-se psicologia de uma pessoa que pode ter existido. Se a segunda existe sem o primeiro, escreve-se uma tradução.

Embora não seja o que me levou a escrever essas bobagens, recentemente houve algo que, agora, me vem ao pensamento. Um fulano muito importante escreveu um livro a que chamou: Fernando Pessoa – Uma quase autobiografia. É extraordinário! Conseguiu ser extraordinário mesmo num mundo com tanta gente e com tanta gente proveniente das terras narcísicas da capitania de Pernambuco.

Uma autobiografia é a história de si mesmo, escrita pelo que a viveu. Uma quase autobiografia é obra de quem é quase o autobiografado. Assim, o autor da quase autobiografia de Fernando Pessoa é quase Fernando Pessoa!

Até então, nunca tinha visto alguém dizer-se quase outra pessoa, embora já tenha escutado a afirmação da identidade total. Quase Fernando Pessoa é algo interessante, porque fica a dúvida se quase o escriturário metódico ou o autor tão aparentemente diverso em estilos de prosa e de versos.

A presunção em afirmar-se quase Fernando Pessoa não passa por ser este autor algo muito grande e inatingível por outrem; não passa por o quase ser impossível de ser quase o paradigma. Não é uma questão de valor do paradigma ou do quase. É que é difícil saber o que é outrem na integralidade, para poder saber que é quase ele.

Quase algo só se afirma por saber-se totalmente o que é o outro. Assim, sabendo-se a integralidade, pode-se saber as diferenças que fazem o quase. Mas, saber a totalidade é quase presunçoso…

O STF deve julgar, não se vingar, se emocionar, ou se indignar.

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Constituição da República Federativa do Brasil

Não tenho quaisquer especiais simpatias ou antipatias pelo Senador Delcídio do Amaral. Não votaria nele para qualquer cargo eletivo e isso não somente a partir dos acontecimentos desta semana, notadamente sua prisão ilegal.

Tenho, sim, profunda antipatia por um poder de Estado destituído de legitimidade popular que nega vigência à Constituição da República. Principalmente quando o faz por meio do seu órgão máximo, a que compete precisamente a defesa da lei mais importante.

O aplicador da lei, ou mesmo o intérprete dela, se se preferir essa manobra semântica, não cria a regra geral nem a deve violar frontalmente, mesmo na forma sub-reptícia de negar-lhe vigência com amparo em discurso emotivo e farisaico.

A prisão do Senador Delcídio é uma aberração jurídica perpetrada pela mais alta corte de justiça do Brasil.

A prisão de um congressista somente pode acontecer em flagrante de crime inafiançável. Não há prisão preventiva de um congressista diplomado, segundo a Constituição. O decreto de prisão do Senador ampara-se no art. 324, IV do Código de Processo Penal. Essa norma diz que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.

Essa norma veda a fiança, mas não amplia o rol dos crimes inafiançaveis. São inafiançáveis os crimes de racismo, de tortura, de tráfico de entorpecentes ilícitos, os crimes hediondos, de terrorismo, e de genocídio e praticados por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Isto se encontra nos incisos XLII e XLIII do artigo 5º da Constituição Federal.

A prisão do Senador não foi pedida e deferida por qualquer um dos crimes inafiançáveis. Logo, teria de ter sido feita e acatada por crime em flagrante. Mas, em caso de flagrante, o preso teria de ser imediatamente conduzido à autoridade judicial responsável, no caso o ministro relator no STF, o que não ocorreu.

Não houve crime inafiançável, nem flagrante. A decisão é uma monstruosidade jurídica advinda do tribunal maior do país.

Os juízes do STF ficaram melindrados porque uma gravação ambiente sem conhecimento do gravado dizia que ele obteria vantagens inclusive por meio de juízes daquela corte. Ficar com raiva, com espírito de vingança, com vontade de punir exemplarmente é algo adequado a jornalistas de programas policiais vespertinos, na TV.

A vingança está no âmbito da honra privada, não da pretensão punitiva do Estado.

Neste caso, não estavam presentes as condições exigidas pelo parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição da República. O decreto do stf é inconstitucional, portanto.

O homem-massa não pensa, projeta-se.

Inicialmente, a advertência sempre necessária: o homem-massa ocorre tanto entre os pobres, quanto entre os ricos. Ele não é causado, nem é causa da luta de classes. Esta última sempre houve; o primeiro é assustadoramente novo.

Tocqueville traçou-lhe o esboço, surpreso que as palavras despotismo e tirania não servissem à perfeita caracterização deste tipo ameaçador da democracia, na América do Norte. Isto foi nos anos da década de 1830, mais ou menos.

Em Nietzsche, no último quarto dos 1800, não há esforço sistemático na definição de tipos psico-sociais. Nem há, contrariamente ao convencionalmente aceito, o panegírico da transvaloração ou do super-homem. Há, sim, profecia. O super-homem aconteceu, é o homem absoluto, algo possível quando os valores absolutos estão todos ultrapassados e o homem-massa torna-se absoluto e simulacro de relativos.

O niilismo e a ignorância histórica são as bases do homem-massa, suas condições iniciais e necessárias. Sepultados os valores absolutos – e aqui não se cuida de valores morais – o homem assume a posição dos absolutos e conforma-se em um ambiente de vários absolutos reunidos, o que somente poderia ser uma reunião de deuses ou um simulacro. A sociedade torna-se em simples convívio de inúmeros absolutos.

O absoluto a que me refiro talvez fosse melhor nominado categoria. O belo, o verdadeiro, o feio, o falso, como categorias, não são axiologias apropriáveis intelectualmente, por esforços do espírito. A partir do momento em que se lhes retira toda a objetividade, tornam-se projeções subjetivas e assim podem ser qualquer coisa, desde que se lhes dê qualquer capa de ciência de almanaque.

Ortega y Gasset desenhou o homem-massa, que estava triunfante já. Escandalizou-se que o tipo fosse prenúncio do extermínio de uma forma de convívio que lhe tinha permitido o surgimento: a democracia liberal. E antecipou o fascismo que viria e não seria exterminado pela vitória russa e dos aliados na guerra de 39 a 45.

A arte seria superior às teorizações, mesmo que aparentemente não seja prospectiva. Albert Camus põe na boca de dois médicos a percepção da volta do mal inominado. Os ratos morriam em Orã e não eram brincadeiras de crianças. Era o que não devia, não podia haver, pois estava extinto há séculos, mesmo que o bacilo fique guardado na poeira, à espera da ocasião para mandar os ratos à morte…

A tal democracia liberal, esta coisa inventada na Ática como reação aristocrática, é tão necessitada de prestar serviços ao processo de acumulação que estimula suas próprias crises ou, pelo menos, faz tudo para que elas sejam mais constantes e próximas.

O fascismo é a crise por excelência da democracia recente. Fazer de conta que a vitória militar em 1945 extinguiu o fascismo foi das coisas mais geniais que se viram nos últimos tempos. É algo semelhante à quase proibição da palavra problema pelos norte-americanos, substituída pela moralista desafio.

Foi interditado dizer fascismo, como foi dizer peste. A forma sócio-política teria de ser de impossível retorno, assim como a infecção pelo bacilo gentilmente passado adiante pelos ratos. Nenhum dos dois está banido, nenhum dos dois impossibilitado de retorno, todavia. Na verdade, o fascismo retornou onde seria supostamente improvável, nos Estados Unidos da América e nos seus satélites, regionais ou não.

O triunfo do homem-massa, tipo social dominante, deu solo fértil para retorno dos fascismos. Seguro de si, esta figura não pensa nem desconfia do que afirma. Sensibilíssimo, por gestado na abundância material que crê estado natural – um ponto divergente do homem-massa fascista de 36 – reage a tudo que seja discreto regresso material com fúria. É capaz de ódio por não ter podido acrescentar um alfinete à sua vasta coleção de alfinetes todos inúteis.

A sua linguagem é a do corpo. Portanto, sua última razão é a violência, o ponto final a que a linguagem corporal pode conduzir.

À máxima intumescência deste quisto sucede o esvaziamento aliviado. Mas, até que o tumor exploda, muitos pereceram. O roteiro do fascismo é semelhante mesmo ao da peste e, num, como noutro, há quem ganhe. A peste é um enorme ganho para os que a sobrevivem. O fascismo é enorme ganho para os esquemas financeiro e bélico.

Ambos são ruins para os que morrem sem o terem querido, porém…

Golpe paraguaio é mais barato que impeachment.

Eduardo Cunha será liquidado na máquina de moer carne judicial. Terá de ser assim para se manter a coerência interna da narrativa; o judicial é percebido como jogo pela regra, embora seja ele um fazedor de regras e, portanto, agente do jogo político que não conhece regras.

Uma figura quase mafiosa, que se serve há muito da chantagem como modo de operação, não é fácil de se descartar, nem de fazer acordos. Assim, deve cair por obra do poder moderador, porque o poder político real precisa podar seus galhos ruins por outras mãos.

O golpe, hoje, precisa mais de livrar-se do deputado que de contar com sua ajuda. A presença do deputado como protagonista do golpe é o retardo da derrubada da Presidente. A situação dele é crítica e um processo de impedimento por ele aberto seria facilmente desacreditado, por evidente movimento pendular de vingança ou barganha.

Além disso, o processo parlamentar é caro, tanto nas seduções imediatas – à semelhança do ocorrido  na votação da emenda constitucional da reeleição para cargos executivos – quanto nas seduções de longo prazo, a partir de compromissos  mais ou menos estáveis.

O parlamentar médio não é estúpido nem suicida como o médio classista típico, leitor de revista veja. A ação dos deputados e senadores médios pauta-se por cálculos muito mais objetivos. Realmente, um parlamentar com raiva é, em 80% das vezes, mera encenação.

O impedimento tem outros inconvenientes que os golpistas de alto escalão consideram atentamente. Se o congresso afasta a Presidente da República, o vice-Presidente assume o posto. Muito embora seja um conservador, ele não é exatamente a quem o partido líder do golpismo quer dar a presidência.

A hipótese de se impedirem ambos Presidente e vice-Presidente é remotíssima porque é dificílimo encontrar ou fabricar qualquer puerilidade com ares jurídicos contra quem não tem efetivo poder, como é o caso do vice. Além disso, Michel Temer é do PMDB e seria algo incoerente demais até para os padrões deste partido.

O cenário de três anos de Michel Temer na presidência da república não é precisamente o sonhado pelos líderes do golpismo, que servem marginalmente a si mesmos e principalmente aos interesses entreguistas. Não haveria muitos problemas para Temer abraçar um roteiro entreguista, mas os ganhos marginais dos operadores políticos do PSDB seriam muito reduzidos.

Temer poderia muito bem articular a interlocução direta com os interesses externos e afastar destes entendimentos os intermediários atuais, tornando-os desnecessários. E teria chances de reeleição em 2018, caso não incorresse na tolice de impor retrocessos sociais muito drásticos.

Daí que o golpe paraguaio – o golpe judiciário – é muito mais plausível, por muito mais produtivo para a vanguarda do golpe. Além de aparentar isenção – pois as massas ainda creem nesta quimera – seria muito mais barato em termos de compromissos. Em um tribunal qualquer com dez juízes, dois estão intimamente comprometidos e os restantes vão na onda com medo da imprensa ou por convicção mesmo, porque leem revista veja.

O único empecilho ao golpe paraguaio é quem assume após consumada a derrubada. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não tem qualquer interesse em patrocinar um golpe que favoreça o senador Aécio Neves. Alckmin sabe muito bem que seria competitivo nas eleições de 2018.

Aliás, com a blindagem poderosa e a propaganda constante contra o governo federal patrocinados pela imprensa, Alckmin seria muitíssimo competitivo nas presidenciais de 2018. Caso Aécio herde a presidência sem a ter ganho nas urnas, evidentemente não haverá espaço para o governador de São Paulo em 2018.

E tampouco em 2022, porque após sete anos de governo Aécio será virtualmente impossível alguém da sua sigla eleger-se presidente.  Para quem não acredite, basta lembrar o estrago feito por oito anos de Fernando Henrique, tanto no país, quanto na imagem dele mesmo e dos seus acólitos.

Daí que a resolução de conflitos internos ao PSDB é essencial no tempo do golpe, seja ele parlamentar, seja judicial, sendo este último mais provável.

Porque o golpe está em regime de urgência.

O golpe de estado atualmente tentado no Brasil, contra o governo eleito legitimamente, segue em ritmo frenético e, por isso mesmo, confuso. A pressa constantemente tem por consequência a confusão, o que pode ser bom ou ruim estrategicamente, a depender das habilidades dos agitadores e operadores.

É fundamental dizer claramente que este processo golpista – assim como seus precedentes – é preponderantemente exógeno. Internos são os agentes operadores localizados na imprensa, congresso nacional, poder judicial e movimentos supostamente populares que ninguém sabe como se financiam.

Sozinhos, estes operadores internos pouco podem. As elites locais sempre atingem acordos em que mantém quase intocados seus altos níveis de apropriação, mesmo em períodos de concessões mais ou menos tímidas às maiorias. Elas ganham em todas as situações, com algumas variações poucas que não invalidam a lógica capitalista. Logo, o núcleo da burguesia nacional, na ausência de estímulos externos, não patrocina golpes.

Provenientes da grande burguesia nacional envolvidos diretamente como agentes do golpe temos apenas os patrões da imprensa. Todavia, essa gente não é propriamente nacional. Historicamente, têm alinhamentos ideológicos fortes com os norte-americanos, além de participação capitalista externa. A imprensa é formatada de tal maneira que serve, queira ou não, aos interesses norte-americanos. É filha do modelo TV – Hollywood do pós-guerra; um modelo de propaganda, basicamente.

Cabem aos agentes locais do golpe duas missões básicas: dar formato jurídico à violação da institucionalidade e cevar o ódio difuso da pequena-burguesia. A segunda missão é de uma irresponsabilidade profunda, porque é a semente do fascismo, mas eles a levam a cabo, sem cálculos de futuro. Estão imbuídos em uma cruzada religiosa; sua tenacidade é quase de devoção.

A pressa explica-se por fatores geopolíticos e pela perda gradual de fôlego financeiro da imprensa local. Á medida que segue a decadência norte-americana – algo que se sabia seria terrível para o mundo e dramático para os vizinhos continentais – encurtam-se os prazos para fazer tudo que do apoio norte-americano dependa.

As decadências tem vários paradoxos aparentes. Um deles é que à perda de influência corresponde a abertura de mais frentes de combate, sejam políticos ou propriamente bélicos. Nisso, a analogia já feita aqui com a morte de uma estrela, creio ser bastante adequada.

Sucede que a perda de capacidades de enfrentar numerosas frentes de combate, a par com o crescente desejo de as aumentar, cobra seu preço em termos de realidade. A capacidade norte-americana de desestabilizar o mundo reduz-se. Recentemente, a entrada da Rússia na Síria, para dar cabo do Estado Islâmico criado pelos EUA, Israel e outros sócios menores, dá provas disto. Além de encurralados na exposição flagrante de suas hipocrisias, os associados da OTAN vêm-se diante de limites objetivos.

Por maior que o Brasil seja economicamente, não é mais importante que o jogo no tabuleiro do oriente próximo e da estepe asiática. Naturalmente os maiores esforços estão lá concentrados e, considerando-se que os recursos são finitos e decrescentes, fica claro que reduz-se sua capacidade de investir na desestabilização nas áreas menos importantes. Por isso a urgência em consumar o golpe no Brasil, pois será cada vez mais difícil financiá-lo e cada vez mais remota a possibilidade de emprestar a sexta frota para o impor na forma clássica.

As forças armadas brasileiras, hoje, não têm interesse no golpe de estado. Seus oficiais generais não estão dispostos a entrar na aventura. A experiência recente com governos da gente que está à frente do golpe mostrou-lhes que perdem dinheiro. Realmente, o período fernandino, de tão entreguista que foi, quase liquida com as forças armadas. Ora, os oficiais superiores tem honorabilidade no que tange às suas capacidades bélicas reais e não acham muita graça no sucateamento das suas armas.

Por outro lado, uma personagem central do esforço golpista parece ter sido muito mal escolhida. O presidente da câmara dos deputados é alguém muito sujo até para ser protegido pelos fortes esquemas da imprensa e do sistema judicial. Fazer sua integral blindagem mediática e jurídica é esforço semelhante ao de segurar água com as mãos. Sempre vazará por todos os lados.

Mesmo que a pequena-burguesia seja terreno fertilíssimo para a propaganda golpista escrita e televisiva, há níveis de contradições que tumultuam o processo e podem implicar massa crítica para uma reação sem quaisquer controles. As contradições da ponta-de-lança do golpe de verniz jurídico tornam-se muito evidentes e fica difícil escondê-las todas. O presidente da câmara é figura complicadíssima. Tirá-lo da posição será também complicadíssimo, porque ele tem apego pessoal à posição e sabe onde todos os outros possíveis substitutos almoçaram no passado.

Há razões para crer que se o golpe não se consumar neste ano de 2015, será inviável ao depois. Perderá inércia, porque os EUA não terão tempo de o ajudar tão intensamente quanto necessário, a imprensa terá de cuidar da sua situação financeira caótica e os agentes imediatos terão de cuidar de inúmeras defesas na arena judicial. Apenas espero que esse eventual fracasso do golpe não deixe em seu lugar algo tão ruim quanto: o desgoverno.

Carros com adesivos religiosos. Sua inveja é a razão do meu sucesso!

Esta frase transcrita no título torna-se, a pouco e pouco, tão frequente quanto o consagrado Deus é fiel. Na verdade, serve-lhe de subtítulo, a acrescer lógica de rancor, comércio e mesquinharia ao que originalmente era apenas um vazio enorme.

Está em carros de adeptos de seitas evangélicas não históricas e, quase de regra, em carros um tanto baratos. Claro que aqui emerge uma primeira contradição, exceto se nos pusermos a relativizar todas as camadas de sucesso e considerar todos os patamares comparativos possíveis. Mas, não é a contradição que chama atenção nesta frase tão pouco, ou nada, religiosa.

Aqui, destaca-se a lógica; a proposição é toda impregnada de lógica; ela faz sentido internamente, formalmente, se considerarmos os dois substantivos ligados. E esta tamanha logicidade é outra coisa a afastar caráter religioso, pois que crença e lógica não se precisam, nem se implicam reciprocamente.

Mas a lógica aqui é do rancor e da vingança e não resiste a algumas brincadeiras com lógica  material. Evidentemente, a inveja de alguém pode fazer o sucesso de outrem, mas numa perspectiva psicológica, ou seja, interna à pessoa alvo da tal inveja e dentro duma espécie de sinalagma dual.

Admitindo-se que haja um sucesso – assim mesmo, não definido nem parametrizado – o que seria dele se não se encontrasse a inveja que foi postulada como sua causa? Deixaria de existir! Se uma coisa foi posta como causa de outra, a supressão da primeira atrai a da segunda…

Daí que, antes de tudo, é necessário haver a inveja. Ora, não é confortável para pessoas anacrônicas como eu ter de por a inveja na condição de categoria fundamental ou necessária. Mas, para quem postula o sucesso como causado pela inveja, é!

Muito romanticamente, preferia não ter de render homenagens à existência da inveja e mesmo ansiar por sua disseminação, se quero também que haja sucesso.

O fulano que homenageia a inveja como causadora do seu sucesso precisa que exista inveja e, interessante notar, até nas axiologias mais rasteiras e massificadas é consenso reputar a inveja algo indesejável! Como ficamos então, se a inveja é algo indesejável, mas condição necessária do sucesso, que é desejável?

Evidentemente que, do ponto de vista material, que é o que está em jogo, a inveja não é absolutamente causa de sucesso algum. Nisto a frase é apenas tola. O sujeito talvez precise invocar a inveja alheia como motivo para sua tenacidade no trabalho e no acúmulo de mais posses. Todavia não é um sentimento alheio a causa de melhora patrimonial de alguém.

Postular um absurdo tal dá mostras do nível de subjetividade em que se vive. Uma situação em que as intrigas cotidianas pelas mais pequenas coisas passa a ocupar o altar principal onde se rende culto. E a que se rende culto? Às pequenezas da alma vulgar, claro.

Por que faz? Porque pode!

Este blogue ficou fora do ar alguns dias. Fez alguma falta? Não sei e, na verdade, acho que não, do ponto de vista da necessidade de alimentação de novidades, o que move a maior parte de quem anda a ver coisas na internet. Esse, afinal, não é um sítio de novidades.

Aqui não há furos jornalísticos nem inovações. Há muita chatice e coisas que interessam aos que aqui escrevem. Mas, soou como agressão o que o fez ter ficado fora por vários dias. Agressão não pessoal, mas à lógica do que permeia nossa vida: o mercado.

O domínio apocaodepanoramix.com estava registado na empresa UolHost. Este registo venceu-se e esqueci-me de pagar a renovação. Deu-se que no tal UolHost o domínio foi cancelado. Tudo bem.

Acontece que na confusa página da empresa registadora consta a possibilidade de resgatar o domínio, mediante o pagamento da renovação e um outro valor, estratosférico, diga-se logo.

Entrei em contato com o tal registador e pedi a emissão da guia para pagamento de quanto era necessário. Começou então uma romaria de contatos com vários atendentes despreparados. Todos a dizerem as mesmas tolices e a resolverem nada.

Ao final de um dia a conversar as mesmas idiotices com gente que se porta como barnabés resolvi registar o domínio em outro canto, com sutil alteração.

Ocorre que insistiam em perguntar o que havia e nada havia. E mantinham meu cadastro associado a um domínio já cancelado!

Ora, se já estava cancelado, porque manter meus dados relacionados com a criação de um domínio já cancelado? Chantagem, o que percebi logo.

Diante da insistência em cancelar meus registos os atendentes do UolHost limitaram-se a dizer asneiras e a pedir, ao final, que telefonasse para eles. Poucas coisas podem ser mais inúteis que telefonar para um serviço desses, em busca de cancelamento.

Aliás, há recente norma da ANATEL a prever que os consumidores têm direito a cancelar seus serviços contratados sem terem que penar ao telefone em ligações que sempre caem, passam de um a outro ou simplesmente não se completam.

Esse é o tipo de serviço privado que os privatistas dizem ser bons. Os mesmos tipos que se tratam à custa de todos os brasileiros no SUS, que dizem ser ruim…

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