Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Divagação (Page 14 of 17)

A discrepância de opiniões não invalida coisa alguma. Um pouco de Ortega y Gasset.

A discrepância de resultados obtidos a partir de um mesmo método invalida uma conclusão ou tese científica especial, em física, por exemplo. Todavia, isso não ocorre em filosofia e, por isso mesmo, o problema central do capticismo – a possibilidade do conhecimento – é um problema mal colocado.

A unanimidade absoluta ocorrerá com a mais intensa tolice que se enuncie, porque unanimidade e tolice em torno à qual ela se forma crescem na razão direta, a primeira na da segunda.

Atraiu-me ao assunto a constante curiosidade que tenho a respeito e pontualmente a leitura do Prólogo à História da Filosofia de Karl Vorländer, escrito por José Ortega y Gasset e publicado na edição da Revista de Occidente da obra orteguiana História como sistema.

Ortega aponta que a barbárie do especialismo, conceito tratado a fundo em um dos artigos da Rebelião das Massas, foi possível devido à perda de toda noção clara, na Europa, de filosofia, a partir de 1850. Nessa época, triunfaram os especialistas, médicos, engenheiros, advogados, físicos, muito sabedores de uma coisa e incapazes de reconhecer seu profundo desconhecimento das demais.

O indivíduo assim formado projeta seu sentimento dominador, baseado na especialidade que domina, para os temas que ignora. Assim, arrogantemente nega os outros temas e ciências.

Na raiz dessa projeção de violência e desprezo para todos os conhecimentos que não seja os do especialista e o orgulho de sua classe, está o fetiche da não dissonância. Ortega vai ao ponto preciso, ao dizer que: Uno de los partos de tal insciencia colectiva fué la afirmación completamente caprichosa de que en disciplina alguna habían discrepado tanto las opiniones como en la filosofia.

Segue afirmando que ver na discrepância doutrinal uma razão para cepticismo é indiferença tão velha como plebéia e pouco meditada. Realmente, essa objeção que se faz à filosofia, a da impossibilidade do conhecimento, baseia-se no antiquíssimo argumento da dissonância das idéias.

Em primeiro lugar, essa dissonância é aparente, porque filosofia é uma forma de conhecimento histórico e essa não discrepa, senão que acontece continuamente. Não se trata, tampouco de ver as coisas aqui sob a dialética romântica de Hegel, que era uma estranha dialética, ela mesma triunfante e termo final da história e consequentemente dela mesma dialética.

Trata-se de observar que as discrepâncias, além de serem muito menos agudas do que possam à primeira vista parecer, são mais cronológicas que conceituais, o que não poderia ser diferente porque isso tudo existe porque existem pessoas. O que há são filosofias e seus homens e seus tempos.

O fato é que elevou-se no senso comum a concordância – e, no limite, a unanimidade – a sintoma da verdade, ignorando-se que pode dar-se concordância e, novamente, até unanimidade, em torno ao erro, também.

Dois erros aqui estão bem evidentes. O primeiro é confundir o resultado obtido a partir de um método ou experiência – técnica de ciências como a física – com resultado derivado de alguma concordância. Ora, a concordância que pode haver em torno à lei da gravitação universal não lhe confere validade alguma, apenas é uma evidente aceitação de uma regra física.

O segundo erro é não perceber que a concordância – e a eventual unanimidade, repetirei exaustivamente – é método da política, que não é ciência ou forma de apreensão de realidade. Filosofia e política são coisas diferentes e a primeira não busca validade na ausência de discrepância.

Por falta de concordância, a ser obtida mediante sufrágio, pode alguma empresa política perder legitimidade, mas não pode a filosofia perder validade por falta desses elementos. É tolo o cepticismo que se fundamente nas variedade imensa de opiniões e teorias, ou seja, na discrepância delas.

Da mesma maneira, é tolo o atéismo por improbabilidade. Ora, isso não é física e não se discute nesses termos. O ateísmo só tem sentido por negação pura e simples, ou seja, por outro teísmo que se lhe superpõe. Tanto é assim, que o teísta que constrói seu Deus com Aristóteles, com causas e necessidades, recebe a objeção nos mesmos termos e métodos Em sentido contrário, imagine alguém objetar Teresa D´Ávila!

Lembro-me bastante que uma vez conversava sobre algo discretamente filosófico com alguém. Não me lembro do assunto, que depois do que ouvi a título de objeção, o assunto tornou-se uma insignificância a ser esquecida. Lá pelas tantas, meu interlocutor disse-me, com ares triunfantes, que só eu pensava daquela maneira!

Ora, meu interlocutor, fetichista da unanimidade, pensava em termos políticos e não percebia que estávamos em outro território, em que a concordância ou discordância, maior ou menor, não era critério de validade.

A ditadura do concurso público.

Em 1998, quando fui aprovado no vestibular para o curso de Direito, as pessoas me parabenizavam como se tivesse alcançado um passaporte para um futuro seguro e promissor.
Naquela época, quando contava com prematuros dezessete anos de idade, os elogios me deixavam com extrema vaidade, faziam-me ter a certeza de que meu futuro realmente já estaria garantido pelo simples fato de cursar a faculdade de Direito.
Em 2004 colei grau e pude notar que a pompa do curso de Direito, tão evidente em 1998, já não era a mesma. A quantidade de cursos jurídicos começava a extrapolar o limite do aceitável. Notei que a realidade seria bem mais dura do que imaginava.
2005 chegou e decidi me dedicar a concursos públicos como sendo minha “tábua de salvação”. Depois de um ano e meio de estudos e cursinhos, consegui a tão almejada aprovação. Hoje sou servidor público, ciente da importância de se ocupar um cargo na esfera estatal, mas preocupado com os rumos e caminhos escolhidos pelos estudantes de Direito nos tempos atuais.
Só em Campina Grande/PB, já são pelo menos quatro cursos. Em João Pessoa/PB, há mais meia dúzia, no mínimo. Em Patos/PB e Sousa/PB, no sertão, e em Guarabira/PB, no brejo, também já é possível cursar Direito. E isso porque, ao contrário de cursos como engenharia, medicina e tantos outros, Direito tem um custo de montagem muito baixo. As faculdades gastam praticamente apenas com os salários dos professores, anunciam mensalidades que cabem no bolso, e, com isso, atraem uma legião de sonhadores que têm por doutrina, na maioria das vezes, ganhar seus R$ 20.000,00 pelo resto da vida, não importando qual função exerça, nem o grau de responsabilidade a ser assumido.
Diante dessa realidade, vem a pergunta: há espaço para todos no serviço público? A resposta, infelizmente, só pode ser negativa.
O Bacharelado em Direito está se transformando no tipo da formação coringa, buscada por quem não vê oportunidades no mercado de trabalho e acha que o curso lhe dará a oportunidade de ser aprovado num concurso público. Muitos se sentam nos bancos da faculdade pensando sentar-se em bancos de cursinhos preparatórios.
Longe de mim condenar os que escolhem o Direito por profissão e o concurso público como opção. Seria, no mínimo, uma grande hipocrisia, partindo de um servidor público, criado e educado por uma servidora pública. Longe de mim querer menosprezar a importância de uma ciência tão importante para qualquer sociedade minimamente organizada.
Porém, a realidade das academias jurídicas em nosso país é estarrecedora. E não falo da qualidade do ensino. O corpo docente é cada vez mais preparado e especializado. O que me perturba é ver um curso universitário sendo alvo de uma legião de cidadãos tão-somente pela chance de lhes proporcionar, após a formatura, a assunção, cada vez mais improvável, de um cargo público dotado do tão sonhado atributo da estabilidade.
A quantidade de cargos públicos e, conseqüentemente, de concursos públicos, já vem diminuindo bastante de uns tempos para cá. São raros os concursos, atualmente, a oferecer mais de cem vagas. Enquanto isso, a quantidade de “estudantes-concurseiros” aumenta em progressão geométrica. Resultado da equação: mais da metade dos bacharéis, seguramente, não conseguirá ocupar um espaço no serviço público.
A esmagadora maioria dos jovens vestibulandos brasileiros, ou seja, aqueles na faixa etária dos 17 aos 20 anos de idade, geralmente de classe média e predominantemente os da região Nordeste, não pensa em empreender, criar, inovar nem transformar a realidade social. No momento de decidir qual caminho escolher, se veem diante de duas possibilidade: prestar vestibular para Medicina ou Direito. Sendo Medicina um curso caro e ainda com poucas vagas, surge o Direito como a válvula de escape. E isso se deve, basicamente, a fatores como a falta de oportunidades noutras áreas, o preconceito de seguir um caminho “alternativo” e a já mencionada possibilidade de se alcançar a estabilidade por meio da aprovação em concurso público.
Infelizmente, ou melhor, felizmente, há inúmeros casos de bacharéis em Direito, com carteira da OAB, trilhando caminhos “alternativos” para sobreviver, e muitas vezes com índices de sucesso e satisfação pessoal muito altos.
Já ouvi relatos de uma advogada que abandonou a profissão para ser empresária. E muitos poderiam pensar, em virtude da pomposa denominação “empresária”, que ela tenha montado uma franquia de cosméticos milionária, ou algo do tipo. Pois acreditem: a “ex-Doutora” é manicure das mais requisitadas! E isso, certamente, também é ser empresária. Com o pensamento de expandir o negócio, já fatura algo entre R$3.000,00 e R$ 4.000,00, bem mais do que boa parte de advogados que matam um leão por dia nos fóruns Brasil afora. E maior do que o salário pago por vários cargos públicos.
Não estou eu pregando a desvalorização do curso de Direito. Seria, repito, pura hipocrisia, já que tudo que alcancei até hoje, tanto do ponto de vista profissional, quanto do financeiro, foi graças ao Direito. Apenas quero deixar claro a milhares de concurseiros, inclusive eu, que nada nos impede de continuar nossos estudos visando o tão almejado cargo público, sem que seja necessário colocar essa opção como exclusiva. Precisamos abrir mais a mente, oxigená-la e pararmos de acreditar que a felicidade, a realização pessoal e profissional e a segurança financeira só virão com a ocupação de um cargo público.
O ser humano é criativo por excelência, e as oportunidades que podem advir das relações humanas são infinitas. Cabe a todos nós concurseiros – até mesmos aos que, como eu, já são servidores públicos – criar e inovar, buscando caminhos alternativos. O Brasil agradece!

Para despertar saudades em Thiago: cuscuz com porco.

Quando recebemos nosso amigo Thiago em Braga, em setembro de ano passado, quisemos agradá-lo com algo que ele não saboreava há muito, pois estava em terras castelhanas: cuscuz.

Não sabíamos que o cuscuz estava entre as imensas saudades de Thiago, o que valorizou a idéia. Daí, entregamo-nos à comezaina de cuscuz com porco guisado – esse porco não ficou lá grande coisa, obra minha – à noite e, no dia seguinte, cuscuz com ovos mexidos. Um regalo cuscuzeiro!

Fizemos agora uma extravagância gastronômica, o que me lembrou das saudades do cuscuz, de Thiago. Tomamos uma peça de picanha de porco, cortamos-la em fatias e deixamos-la numa marinada com azeite, gengibre, muito alho, cebolinha e coentro. Essa maravilha da anatomia porcina dormiu banhada nesses ingredientes dos deuses, que lhe penetraram as entranhas lentamente, a noite toda.

Hoje, essas fatias de suíno marinado foram ao forno, em lume baixo e lento. Entretanto, a farinha de milho em flocos – o que vem a dar no famoso cuscuz, repousava alguns minutos, depois de levemente humedecida e salgada. Foi à panela – aquela panelinha que faz cuscuz em forma de peitos – e saiu de lá dourada e fumegante.

Cuscuz nos pratos, desenformados e espalhadinhos, pusemos o molho resultante do assado do porco por cima, com os dentes de alho assados dentro da piscina de azeite, ao lado. Mais ao lado, as suculentas fatias da picanha suína cozinhada em líquido e assada em lume baixo.

Na falta de jovens vinhos durienses a preços razoáveis – pois aqui qualquer vinho português é caro – recorremos a um honesto chileno tinto. Um vinhozinho do Vale do Aconcagua, feito só de uvas Syrah, jovem, pouco complicado e pouco agressivo. Uma pechincha de dezenove reais. Por três euros beberíamos vinho melhor, mas estamos no Brasil…

Depois desse repasto delicioso, laranja cravo para a sobremesa. Essa tangerina pequena e doce é coisa bem nossa, como cuscuz. E ajuda a digestão das gorduras suínas. Depois disso, certo de ter despertado grandes saudades culinárias no querido Thiago, um cochilo!

Futebol, barbárie, bombas e cornetas.

Futebol é esse jogo que está em evidência por conta do campeonato mundial realizado pela Fifa. Barbárie é algo mais complicado de definir-se. O termo sugere oposição a civilização e revela uma forma de caracterização de uma civilização dominante.

Os gregos da idade de ouro chamavam bárbaros a todos os não-gregos, exceto a alguns persas, a quem chamavam medos, apenas para provocá-los. Algum respeito devia haver nisso. Os romanos chamavam bárbaros àqueles que estavam além do Reno e do Danúbio, basicamente. Aos da bacia do Mediterrâneo chamavam pelos nomes, embora não os considerassem iguais.

Os chineses, esses que precisamos começar a perceber melhor, não chamavam aos outros especialmente; faziam a suprema forma de auto-elogio. Chamavam-se a si mesmos de Império do Meio e os outros são os outros.

A palavra, hoje, tem sentido que vai além de simples dominação. Uma das significações possíveis é educação para a vida em comum. Ou seja, adoção e crença em algumas regras que conduzem a convivência a um mínimo de conflitos por invasões das esferas privadas. Ou que, talvez, signifiquem que as esferas privadas não vão resolver seus conflitos por mais conflitos.

O fato é que espetáculos – não apenas o futebol, mas vários outros – levam as pessoas a manifestarem seu júbilo de forma bárbara, ou seja, de uma maneira que não leva em conta eventuais contrariedades ao formato da festa. Aqui, entra em cena outro aspecto interessante. Às vezes, a forma bárbara de júbilo é tão maioritária e as insatisfações tão poucas, que se trata de um verdadeiro triunfo democrático da barbárie. Os insatisfeitos que se mudem!

Coincidem o mundial de futebol e as festas de São João. Estas últimas caracterizam-se, entre outros costumes, por um farto uso de bombas, daquelas que se acedem os pavios, lançam-se adiante e ouvem-se as explosões. Esses artefatos não produzem qualquer beleza – pois não se trata dos fogos de artifício que desenham imagens caleidoscópicas no céu – e geram apenas barulho.

Muito barulho, na verdade, e muito risco. Nesse período, os hospitais recebem feridos por explosões de bombas às fartas. Não somente as crianças, habituais desfrutadores dessas maravilhas explosivas, mas adultos de infâncias tardias. O que já foi tradição e brincadeira comum, tornou-se em prazer tolo de bombas que devem dar inveja ao exército norte-americano.

Junta-se às explosões sucessivas de bombas o canto fanho e insuportável das cornetas. Como nós, brasileiros, temos uma irresistível propensão a sermos colonizados culturalmente, chamamos essas cornetas de vuvuzelas, embora sejam a mesma e única coisa, para que já havia nome.

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E a Espanha ein? Que fiasco… E a suiça ein? Que felicidade!!!

A Espanha fez seu debut no mundial. Mundial este que estou acompanhando de vez em quando pelo diário esportivo espanhol Marca, esse dai do calendário (debut inclusive é a palavra que eles usam pro time estreante).

Eu podia escrever aqui muito sobre o jogo, porém o mais interessante de se acompanhar as reportagens pelo Marca, é que há muitos comentários lá mesmo, e além dos espanhóis há também portugueses e muitos sul-americanos, ou como eles chamam “sudacas”, a rivalidade entre as seleções, do Brasil, da Argentina, de Portugal e da Espanha estão presentes, além de outros paises (afinal é um jornal grande e há notícias de todos as seleções, então é de se esperar que quem saiba arranhar uma escrita em castelhano dê uma comentada por ali). Além de ma rivalidade muito grande entre as torcidas do Barcelona e do Real Madrid, entre outras, dentro da própria Espanha.

Então deixo vocês com alguns comentários colhidos por lá e as fotos da vitória da Suiça.

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Um paradigma engraçado na política campinense.

Sou natural de Campina Grande, não é exatamente uma cidade pequena, e tampouco é uma metrópole. É uma cidade agradável, de médio porte que já oferece alguns bons serviços e outros nem tanto assim, mas que sofre de alguns problemas das cidades grandes (leia-se: das cidades grandes do Brasil!).

Desde que me lembro, em Campina, politicamente falando, sempre existiram 2 candidatos, e ora não é de se espantar, afinal, se hoje é uma cidade de porte médio, o comum (acredito eu) é que antes fosse menor, e sendo assim, seria difícil ter a diversidade política de uma cidade “grande”. Acontece que convencinou-se de uns tempos pra cá, de chamar partidos e coligações, de grupos políticos, acredito eu que isso aconteça porque os políticos não tem identificação nenhuma com os partidos, suas políticas ou ideologias, de forma que é mais fácil identificar os políticos daqui pelas pessoas das quais se acompanham, do que pela legenda partidária. Acredito que exista fenômenos semelhantes nordeste afora.

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Viva Argentina!

A equipe argentina estreou no mundial, vencendo a Nigéria por um gol a zero. As duas equipes jogaram bem, mas a Argentina mostrou uma grande qualidade no toque de bola. E jogaram um futebol aberto, franco, bonito de se ver.

É engraçado – depois de superada a repugnância inicial – observar a evidente torcida contrária à Argentina dos locutores da Rede Bobo de televisão. Não tenho alternativas a ela e vejo as partidas com o mínimo volume de som possível. Eles assumiram uma postura anti-argentina evidente e até ridícula. Acho que têm raiva de Maradona, como têm de todos que pensarem com as próprias cabeças e não os reputarem os emissários de Deus na terra.

Ainda mais terrível é que a propaganda anti-argentina, patrocinada pela Rede Bobo, surte efeitos nos seus espectadores, claro. E as pessoas passam a achar que uma opinião é um dado objetivo. Ou seja, passam a confundir sua contrariedade à Argentina com a crença de que eles andam a jogar mal.

É daí que vêm as surpresas, ou seja, da ignorância de confundir o que se quer que seja com o que pode ser. Suponhamos que os argentinos terminem por ser os maiores vencedores. Resultará em milhares de brasileiros atônitos, sem compreender como aqueles seres desprezíveis afinal venceram.

FHC não é bobo… E o Partido da Social Democracia dos Trabalhadores.

Fernando Henrique por esses dias deu uma boa entrevista ao programa Canal Livre da rede Bandeirantes de televisão, parte dela que está ai acima. Logo no começo desse trecho da entrevista, FHC claramente se intitula “intelectual”, ora, nada contra nem a favor, apenas observo que, para tanto, de acordo com nosso desenvolvimento filosófico-cultural autointitular-se intelectual significa ter estudado teorias européias sobre o seu tema, quer seja a sociologia.

É lógico que europa e america latina são dois lugares diversos em vários aspectos, e que algumas dessas teorias estudadas pelos “intelectuais” (não apenas Fernando Henrique), logicamente também deveriam diferir, ou não?!

Bom, não quero defender o PT, nem tampouco o PSDB, FHC diz coisas muito interessantes nessa entrevista, como por exemplo, a “esquerda” não se propõe mais hoje a tomada dos meios privativos para estatizar, e assim dar-se início a um regime socialista. O que se propõe é justiça social, redistribuição de renda, democracia, enfim… E isso é, ou deveria ser proposto proposto pela social democracia, mas o que acontece estranhamente, é que aqui não é… Ou é?!

Esses tais “intelectuais” vão a europa, desde qualquer ponto da América latina, estudar, aprendem teorias que dão certo da forma deles, europeus, e querem descer a aplicação dessas teorias goela abaixo aqui como se fossem a coisa mais normal do mundo, não é, e deveria ser óbvio. As teorias aqui deveriam ser refeitas, mesmo que usando moldes europeus ou de onde quer que sejam, mas de forma a se adaptarem. Por exemplo: não dá pra os estados unidos dizerem que tem que privatizar, efetivamente privatizarem, e nós corrermos atrás pra fazer igual, por um motivo simples, não somos os estados unidos.

Pois o modelo não diferiu tanto nesses oito anos, temos um governo social democrata com base sindical, “como na europa”, e com base sindical nos europeisamos. Talvez se o PT mudasse para Partido da Social Democracia dos Trabalhadores ficasse algo mais correto, e o PSDB, bem, o PSDB deveria correr atrás de alguma base sindical pra ter esse nome, ou então mudar pra Partido dos Intelectuais.

O mecanismo de continuação da iniquidade.

O Brasil, contrariamente ao que se diz com ares de verdade absoluta, não se distingue pelos níveis de corrupção com dinheiros públicos e privados. Claro que isso acontece em patamares elevados, mas não tão diferentes do que sucede no restante do mundo. Ele distingue-se pela eficácia e sofisticação dos mecanismos psico-sociais de tolerância e supressão de riscos com a iniquidade.

Para ir direto ao ponto, adianto o que é a postura mental característica desse mecanismo: a noção de que qualquer insatisfação deve-se apenas ao insatisfeito não estar usufruindo da iniquidade. Não digo que essa linha seja uma simulação, porque ela realmente preside à maioria dos pensamentos; digo que ela é a base da tolerância e que antecedente a ela é a noção de que tudo está à venda.

A partir daí, viceja a interpretação de que qualquer acusação de iniquidade decorre do acusador estar a oferecer seu preço, ou seja, de que a acusação deve-se apenas à não contemplação do acusador pela mesma iniquidade. Rejeita-se, portanto, a possibilidade de contrariedade sincera, nivelando-se todos como potenciais subornáveis e aproveitadores das oportunidades de locupletar-se do ilícito.

Essa forma de pensar – sofisticada como mecanismo conservador – é defendida como atitude objetiva, calcada em uma suposta realidade absoluta e imutável. A tese tem enormes potencialidades e auto alimenta-se porque ela tem ares de justificadora de conflitos.

Na verdade, a maioria das pessoas que vive a acusar práticas ilícitas e a distribuir seu moralismo de ocasião está querendo fazer parte dos mesmos ilícitos e imoralidades que acusa. Basta verificar as práticas de políticos, antes e depois de eleitos, de funcionários públicos e de grupos econômicos antes e depois de aquinhoados com alguma vantagem estatal.

Todavia, embora aparentemente residual, existe a insatisfação de quem acha que o ilícito não devia  ser tolerado, simplesmente porque é ilícito, e não porque queira tomar parte nele. Aí começa a tragédia resultante do triunfo avassalador de uma forma de pensar. Quem se insurgir contra alguma patifaria sem querer beneficiar-se dela será compreendido como um postulante de alguma parte do saque. Será compreendido como um chantagista, enfim, que acusa para vender seu silêncio.

Imagine-se, como exemplo, que duas pessoas conversem sobre um roubo, consumado ou por consumar-se. Os dois interlocutores principiam o diálogo com uma e outra palavra a evidenciar que são contra o roubo. Um deles mantém-se mais retraído, não crendo ser conveniente derramar-se em impropérios e invectivas morais contra o ato. O outro assume a postura mais radical, acrescentando-lhe algum sarcasmo e ironia.

Em pouco, esse excesso de moralismo e o sarcasmo de um dos interlocutores acaba por transparecer seu pensamento, pois é bastante difícil ser-se totalmente insincero. Aqui e acolá, em uma e outra frase , percebe-se que o problema não é o roubo, mas quem tem oportunidade de pratica-lo. No fundo, esse interlocutor inveja a posição do ladrão e acha apenas que no vale-tudo que concebe como a vida, a questão é estar ele próprio nessa posição.

Ora, caso o outro interlocutor repudie roubos por achá-los indesejáveis, e não por querer ser o beneficiário da ocasião, verá essa manifestação de cumplicidade como uma verdadeira indignidade. Como a confidência que só se faz a quem se reputa das mesmas idéias. E aí está uma coisa verdadeiramente terrível nessa atitude mental: ela pressupõe que todos têm, no fundo, a mesma idéia e que ser-se contra uma iniquidade é somente questão de poder ou não pratica-la.

Não há qualquer problema em medir tudo com a própria régua – embora seja estupidamente limitador – mas achar que ela é a única começa a ser o triunfo do mecanismo conservador da tolerância com a iniquidade.

La Bohème, por Aznavourian.

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É conhecidíssima a canção, e bela. Não tenho idéia das experiências desse armênio em Montmartre, nem como lá chegou, nem mesmo se foi pintor ou desenhista. Não é necessário saber isso.

Sei que, depois de mais de dez anos, fui a Montmartre. Chegamos, Olívia e eu, a uma estação do Metro, cujo nome não lembro. Descemos na plataforma e vimos as pessoas se ajuntando à espera do elevador. Não havia escadas rolantes. Esperamos e perdemos a paciência. Decidimos subir pelas escadas, porque demorava muito o elevador.

Não lembro de ter subido tantas escadas. Claro, a estação é muito profunda, pois o terreno é bastante inclinado. Uma pracinha e uns tocadores de jazz. Rumamos para o óbvio, a subida para o Sacré Coeur, aquela igreja feia em um local magnífico. Dessa vez, tomamos o funicular.

Em cima está a vista mais bonita de Paris. Relativamente pouca gente, uns meninos jogando futebol e a gente olhando a cidade. Estou parado, muito calmamente, e sinto a pancada na cabeça, os óculos caem no chão. Era uma bola de futebol, que apanhei, deixei cair até pará-la no pé esquerdo e toquei devagar para o menino que chegava pedindo desculpas: excusez-moi, monsier. Pas de probleme.

Apanhei os óculos e, um tempinho depois, resolvemos voltar ao sul, a Montparnasse, a pé, atravessando a cidade.

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