Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Desimportâncias (Page 8 of 13)

A fontezinha do Largo da Senhora-a-Branca.

Estamos em uma residencial simpática no Largo da Senhora-a-Branca. Essa parece-me a zona mais aprazível de Braga, tem uns jardinzinhos, uma igreja, casas assobradadas.

É um sítio bonito, em oposição ao vulgar de onde moramos, há um ano e tanto. Quase todos os dias passávamos por aqui, rumo ao centro. Eventualmente, parávamos na pastelaria que há ao lado da residencial, para um café, uma sande, um doce.

Puseram-nos em um quarto com janelas para o largo, no segundo piso, bem em frente à fontezinha redonda. Ela não tem qualquer coisa de especial, nem de propriamente antigo, mas é bonitinha.

Um balde redondo em baixo, de seus dois metros de diâmetro, por um de altura. Uma coluna central encimada por uma espécie de prato raso, de onde a água sai e verte pelas bordas. Tudo em pedra e tudo muito comum.

Mas, pedra e água dificilmente resultam em feiúra. A moleza e a dureza estão bem uma para a outra, fluída uma, estática a outra, transparente uma, escura a outra.

Há dois ou três dias, surpreendi-me ao perceber que a fontezinha estava seca e a água parara de cair. Estranhei. Estranhei supersticiosamente mesmo.

No dia seguinte ao do secamento, lá estavam dois homens a trabalharem na fontezinha, a limparem, rejuntarem as emendas das pedras. Relaxei, pois era nada mais que uma manutenção de rotina.

Mais um dia e ainda trabalhavam. Hoje, pela manhã, um homem ainda lá trabalhava, mas parecia que o serviço estava quase terminado. Comecei a recear que amanhã não esteja pronta.

Sábado é o último dia para vê-la cheia e a verter água novamente e eu a preocupar-me com isso! Nunca a vi assim vazia e parada.

Até parece um mau agouro, como pássaros a voarem no sentido inverso ou coisas deste tipo, que anunciam um funcionamento incorreto dos destinos.

Bem, para mim é um incômodo difuso, meio tolo, meio supersticioso. Muito pior deve estar sendo para os pombos que lá bebiam água.

Uso exclusivo em serviço.

As fotografias não ficaram nítidas, que foram tiradas por um telefone. Mas, trata-se de um carro da UFPB – Universidade Federal da Paraíba, cuja sede é em João Pessoa. Nas portas dianteiras, um adesivo amarelo em que se lê UFPB e o clássico USO EXCLUSIVO EM SERVIÇO.

O curioso da estória é que o carro está parado no estacionamento de um centro comercial em Campina Grande e que hoje é dia feriado nacional.

Claro que pode estar em serviço, mas e de estranhar, dadas as circunstâncias.

De minha parte, sou totalmente contrário a esses dizeres que se encontram nas portas dos carros oficiais, notadamente esse USO EXCLUSIVO EM SERVIÇO. É agressivo, tão frequentes são as ocasiões em que vemos esses carros em usos absolutamente fora de serviços públicos.

Assim, banaliza-se uma obviedade, ou seja, que um carro público somente deve ser utilizado em serviço.

Dilma coordenou operação Danúbio Vermelho.

Segundo informações obtidas por este jornal Advinhação de São Paulo, apuraram-se fortes indícios da participação da candidata Dilma Roussef no desastre ecológico sucedido na Hungria, em que uma enxurada de lama tóxica já matou cinco pessoas e começa a contaminar o rio Danúbio.

A Advinhação teve contato com fontes seguras, que apontam a urdidura de um minucioso plano de ação, chamado Danúbio Vermelho. Uma das fontes esteve presente a uma reunião secreta de alto nível do comando da campanha petista, realizada sorrateiramente no bar do Maneco, vizinho à rodoviária de Brasília, em que ouviu a candidata dar as ordens para desencadear o malígno plano.

Ouvidos, o candidato José Serra e a candidata terceira colocada no primeiro turno das eleições, revelaram profunda indignação com essa ação petista. Marina Silva disse que este tipo de ação revelava o desprezo que Dilma nutre pela ecologia e percebeu ligações da ação com  o intuito de disseminar o aborto na Hungria.

O candidato José Serra disse que era um atentado à democracia tornar o Danúbio, que um dia foi azul, em vermelho, apenas por estratégia política e afirmou que pedirá investigações urgentes desse crime.

Toma-se um pernil de porco sem osso…

Nunca segui receitas, embora sempre as tenha lido. Trata-se de ter uma idéia, pois a calibração exata de quantidades e tempos de cocção faço-as de improviso.

Ontem, resolvi tomar um pernil de porco sem osso, pequeno, e corta-lo em pedaços retangulares, de mais ou menos 10 centímetros, por 3 de altura, ou seja, uns tijolinhos de porco. Pus os pedaços em uma assadeira e joguei em cima um pouco de sal, um pouco de pimenta do reino, muitas folhas de louro, quebradinhas, vinagre e azeite bastante.

O porquinho assim temperado foi descansar na geladeira por um dia. Quem supuser que isto pode acabar por dar em parentes próximo de rojões minhotos, supõe mais ou menos certo, embora o destino seja outro.

Passado o dia da marinada, hoje à noite, tomei dos pedaços e cortei-os em tirinhas finas e curtas. Reservei o apetitoso caldo com os sucos da carne, o vinagre e o azeite. Em uma panela grande, despejei esse caldo e acrescentei mais um pouco de azeite e  umas folhinhas de manjericão.

Refoguei uns pedaços de alho mal cortado, em fogo alto e, passados uns instantes, deitei na panela os pedaços de porco. Mexi um bocadinho e tampei a panela.

Depois de uns cinco minutos, adicionei extrato de tomate e mais umas folhinhas de manjericão, baixei o fogo e fui cuidar do acessório. Macarrão em formato fusilli, ideal para reter o molho nas dobras de seus parafusos. Aqui, não há mistérios, água fervente, põe-se o sal, põe-se o fusilli e esperam-se uns sete minutos.

Resultado, um espetacular macarrão com porco. É verdade que inadequado aos 30º que fazem agora, mas, a despeito do suor que desce na testa, estava ótimo.

O talentoso Pacheco.

Tenho dois livros de constantes leituras, daquelas a que sempre se volta, livros que deixo ao lado da rede. Claro que afirmando-o, exponho uma de minhas manias e o limiar das minhas ignorâncias, mas é exposição pouca de talvez ignorância muita.

São a Rebelião das Massas, de José Ortega y Gasset e As Memórias e a Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queiroz. Ninguém se apresse a pensar que para mim são a mesma coisa dita de formas diferentes, que minha loucura não chega para tanto. São coisas muito diferentes, embora algum esforço possa constatar pontos de contato, escassos.

A personagem de Fradique não pertence exclusivamente a Eça, muito embora sua maior parte deva-se a ele mesmo. O cosmopolita português do século XIX, varão rijo de origens açorianas mestiças, modos espontâneos e elegantes ao mesmo tempo, domiciliado em Paris, profundo e frívolo, arqueólogo de almanaque e dândi, é a mais deliciosa personagem criada em língua portuguesa que conheço.

Fradique e seu pai Eça são bastante ácidos com certas coisas portuguesas, o que não digo para dar contributo ou acréscimo, que isso é fartamente percebido e comentado. Mas, em um ponto e outro, as coisas vão ter com a arte naquilo que ela é de protótipo da vida, ou seja, vão ao excelente.

A carta ao senhor E. Mollinet, de Paris, setembro, é um retrato pré-impressionista de um tipo que não ficou no século passado, nem circunscrito a Portugal. Fradique escreve ao Millinet, diretor da Revista de Biografia e de História, a propósito de responder-lhe a indagação sobre um certo Pacheco, cuja morte está sendo tão vasta e amargamente carpida nos jornais de Portugal.

O retrato que segue é de um Pacheco permanente, que está por toda parte. Eu conheço vários. De tão real, perde a acidez, embora mantenha, convenientemente, a ironia, em largas doses. Mas ela não torna o desenho caricato ou farsesco, ela é a própria tinta com  que se desenham tais retratos.

Fradique anuncia que o enorme talento do Pacheco começou a perceber-se uma manhã, em Coimbra, na aula de direito natural, quando o Pacheco, desdenhando os manuais, assegurou que o século XIX era um século de progresso e de luz. A partir de então, diz Fradique, todos pressentiram o talento do Pacheco.

Ele andava sempre meditabundo, em passos auteros, como a concentrar forças inimagináveis em um cérebro prodigioso. Claro que esse cabedal de talento iria ter às Câmaras. E lá, as bancadas, fossem de governo, fossem de oposição detinham-se a admirar o Pacheco e a esperar o que sairia dele, sempre sentado.

Cresciam as expectativas do derramamento de talento do Pacheco, até que um dia, levantou-se, em uma arenga qualquer com um padre sobre liberdades, todos detiveram-se, apuraram os ouvidos, o Pacheco pôs-se de pé, apontou o dedo à frente, e brindou a nação ali representada com uma frase lapidar a dizer que ao lado da liberdade devia sempre coexisitir a autoridade!

Embora fosse uma pequena pérola, todos compreenderam que por trás dela havia sistemas e idéias em profusão. Aquilo era apenas a capa de um mar de talento que se descobria aos poucos. Pacheco ficou, depois dessa pequena magnanimidade, profundamente recolhido, calado e absorto em si mesmo. Isso aumentava a percepção de profundidade daquele colosso de talento, com uma vasta testa rebrilhante, atrás de que deviam harmonizar-se as mais complexas teses e antíteses.

Passou a ministro e daí a conselheiro de Estado, embora um e outro invejoso o acusasse de nunca ter feito nada. Incompreensão, evidentemente, que a um talento dessa magnitude não se poderia exigir que se detivesse com detalhes, com clarezas, com laboriosidade plebéia.

Bem, não vou ficar a contar a estória toda, como a reescrever a carta, porque é profanação inútil. Mas, soltando a imaginação e um pouco da lembrança, vou permitir-me uma precária associação. Lembrava-me agora do Homem que sabia Javanês, de Lima Barreto.  É um conto espetacular em que dois amigos conversam enquanto bebem cerveja.

Um deles conta ao outro como tornou-se uma celebridade nacional, recebeu ovação nacional e foi convidado para almoçar com o Presidente da República, tudo a partir de uma grande farsa. Uma vida toda de farsa em que apenas o farsante salvava-se, porque sabia que o era.

Revejo minhas primeiras afirmações, para constatar que, lastimavelmente, o Pacheco e o Homem que sabia javanês não são tão frequentes assim como julgava. Mais frequentes são piadas de menos gosto, personagens de burlas mais grosseiras e caricatas. Que Pacheco e sabedor de javanês foram-no sem esforços e os bufões mais comuns são os que se esforçam na bufonaria. São mais cansativos, portanto.

Que dizer, por exemplo, do tipo do funcionário público que, se descobrir uma nova forma de fritar um ovo quererá tirar patente disso e dar entrevistas pelo resto da vida? Ora, só vale ser Pacheco espontaneamente!

Romário Deputado e a inteligência do porteiro do prédio.

Sai para entregar uns papéis a Olívia, que passava rapidamente para apanha-los, e, quando retornava, o porteiro do prédio estava sentado em uns degraus com cara de cansado. Ele andou gripado e, para piorar as coisas, faz um calor dos infernos aqui.

Perguntei-lhe: que é que há, Josa, estás melhor da gripe? se quiseres algum remédio é só dizer. Estou, seu Andrei, quase bom. Com um calor de matar, desses, a gente demora a melhorar, Josa. É verdade, ele disse.

Mas, ele não queria falar de gripe, nem de calor. Costumamos falar de futebol, geralmente quando a preguiça abandona-me momentaneamente e resolvo lavar meu carro. Aí, Josa afasta-se de seu posto e vem jogar conversa fora. A mim, agrada-me, porque é um sujeito simples e diretamente honesto. E aqui eu falo de conversa, não de discurso professoral para uma pessoa mais pobre e menos instruída formalmente, como se oferecesse grãos de sabedoria a um faminto intelectual.

Arrodeamos quaisquer assuntos, com as introduções de hábito – calor, gripe e outras bobagens – e então ele me disse: você viu o que tão dizendo de Romário? Vi, é preconceito de um bando de filhos-da-puta que não são melhores que ele, disse.

O caso é que Romário, aquele futebolista extraordinário, elegeu-se Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, com 146.000 votos, concorrendo pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro. Preencheu todos os requisitos de elegibilidade, candidatou-se e obteve os votos, pronto!

Romário, além de jogador de futebol fora do comum, ficou conhecido por falar o que pensa e por ter aversão a treinos. Uma aversão que nunca se confundiu com indisciplina, mas uma rejeição de certos rituais a que ele não precisava submeter-se. E não precisava mesmo, que sempre foi assim e sempre foi espetacular.

Tinha pleno conhecimento de suas capacidades futebolísticas, ele que ganhou um mundial para a seleção brasileira quase sozinho. Naquele mar de mediocridade futebolística de 1994, ele era a diferença. Tinha a clara percepção de que, se não ia ter os maiores méritos reconhecidos, não precisava participar da encenação que atribuia esses méritos aos coadjuvantes, entre eles a dupla de teinadores.

Não é possível arrancar de Romário algum dito ou declaração que corresponda precisamente ao que o postulante quer e espera. Se lhe perguntam alguma coisa, vem em resposta o que ele quer dizer, independentemente de acerto prévio e ser o dito inteligente, profundo ou tolo, mas será dele.

Nunca foi jogador violento, nunca foi dado à farra, no que ela tem dos componente álcool e entorpencentes. Mas, não servia precisamente ao modelo esperado pelo espetáculo mediático. Esse modelo implica uma previsibilidade quase total nas tolices que serão ditas, dentro de um rol pre-estabelecido.

Romário pode responder às perguntas tolas com outras tolices, ou com respostas inteligentes, que não estão nas expectativas do perguntador. Eis um problema sério. Então, é preciso dizer que ele é indisciplinado, irresponsável e outras qualificações negativas mais.

Agora, a eleição de Romário para a Câmara dos Deputados  é tomada como exemplo da queda da qualidade dos representantes do povo. Ora, essa representação não caiu da forma que querem dizer. Ela sempre foi de baixo nível, porque os eleitores não têm educação suficiente e porque são bombardeados com o lixo que os média oferecem diariamente.

Ela não caiu até porque sempre foi de baixo nível, desde quando era apontada exclusivamente pelos que compõem o grupo que se pretende dos mais qualificados. Os mais qualificados da sociedade brasileira compõem um grupo que harmoniza bem ignorância e má-fé, ou seja, é das aristocracias mais insuficientemente dotadas que existem, desde que se considere o interesse público e não apenas o do grupo predador que se quer chamar de aristocracia.

O parlamento brasileiro tem componentes que podem cobrir todo o rol do código penal e Romário é o problema? Isso, precisamente  o que alguns querem negar, insistentemente, é preconceito de classe.

De classe, porque Romário, especificamente, é rico, mas nasceu pobre. É indócil, não aceitou o papel que lhe reservavam, com aquele ar magnânimo de quem dá uma oportunidade ao pobre que ascendeu de brilhar, desde que seja tutelado pelos condutores da realidade, os aptos a fazerem-no.

Mas, volto à curta conversa que tive com o porteiro. Ele esperava alguma opinião e eu não tenho grandes coisas a dizer a respeito. Não ia fazer um discurso sobre a representação política e o sistema democrático e estava claro que ele percebia não haver qualquer problema em Romário ser eleito Deputado Federal.

Josa, eu acho que Romário é melhor que muito deputado que tá aí. Tem ladrão, assassino, tem o escambau. Esse pessoal da televisão tem preconceito com ele. O camarada quer disputar a eleição, vai e ganha e é representante, pronto!  Eu tava pensando a mesma coisa, seu Andrei, ele disse.

Hoy es cumpleaños del gran enamorado.

Ele é profundamente cordial, no sentido mais próprio e etimológico do termo. Cordial é aquilo próprio do coração.

Apaixonadamente emotivo, o grande enamorado não tem meias-medidas na estima e na falta de estima. Tem-nas completas, transbordantes e efusivas.

Não te entristeças pela distância, que breve estás de volta.

Parabéns!

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