Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Desimportâncias (Page 7 of 13)

Judaísmo no saldo de verão, em Campina Grande.

 

Todos os anos acontece, em Campina Grande, na época do Carnaval, um encontro chamado Nova Consciência. Era para ser um evento com ares ecumênicos e um certo sabor a exotismo. Nos inícios havia um predomínio de Hare krishnas e toda sorte de orientalismos superficiais, com os mantras, incensos e gente trajada com aqueles bonitos mantos bracos e sandálias de couro.

De uns tempos para cá, o que era interessante e pitoresco foi tornando-se uma espécie de conflito pelo predomínio, a partir da reação dos evangélicos fundamentalistas, que devem ter visto naquela agradável confusão de vários tipos de gente alguma arte do diabo, que eles vêm o príncipe do mundo por toda parte.

Esses fanáticos barulhentos criaram um evento próprio deles, na maior área pública da cidade e o chamaram Consciência Cristã, para deixar bem claro que não tinha nada de nova, ampla ou aberta, era só cristã, exclusiva e pronto.

Essa consciência cristã reune-se aqui pertinho de casa e faz um barulho dos infernos, como todas as reuniões dessa gente. Não sei, mas o medo dos demônios deve fazê-los gritarem como se no inferno estivessem.

Todavia, o grupo mais interessante desses todos é o dos judeus que se dizem Amigos da Torá. Prova que no Brasil são possíveis todos os fundamentalismo, mas nenhuma ortodoxia. No início, tratava-se de uma tentativa de harmonização dogmática que atendia pelo nome Beit Teshuvá.

Era um grupo de autodenominado judaísmo messiânico, que buscava por em um mesmo saco judaísmo e cristianismo. Essa incoerência flagrante ficava clara na impossibilidade de achar que o messias veio e achar que ele ainda vem, ao mesmo tempo! E também em achar possível algum judaísmo que aceite o filho de Deus consubstancial a Ele, suprema heresia.

Devem ter percebido que lidavam com elementos impossíveis de se misturarem conceitualmente e partiram para dizer-se judeus, assim mais pura e simplesmente. E agora são os Amigos da Torá, que divulgam o seu quinto encontro Judaico por meio do panfleto acima.

O papelzinho tem muito pouco de judaico, pois o meio próprio de fazer proselitismo deles não é esse. Tem, sim, ares de propaganda de auto-ajuda, o que se percebe no subtítulo Judaísmo: mais que uma religião, um estilo prático e ético de vida!

Parece coisa de feira de curiosidades e tem sessões de Cine – kasher. Ora, diz-se kasher a comida própria, ou seja, conforme às prescrições da Lei. Não se sabia da existência de um cinema kasher, quer dizer, adequado àlguma lei judaica, mas tudo bem…

Não há propriamente absurdo em haver judeus que se redescubram, aqui em Campina Grande. Com efeito, poderia haver um e outro indivíduo com ancestralidade distante naqueles poucos sefarditas que ficaram no nordeste do Brasil depois da expulsão dos holandeses.

Todavia, as tradições desses sefarditas de origens predominantemente ibéricas foram diluindo-se até quase perderem-se totalmente. Diferentemente, os asquenazitas chegados mais recentemente, notadamente nos princípios e meio do século XX, têm sua identidade bastante marcada e não precisam redescobrir-se judeus.

Então, a coisa toda é bastante inverossímil, embora seja possível, claro. Mais provável que a redescoberta de origens judaicas remotas é o anseio de ser judeu, que se percebe, por exemplo, em certos grupos reformados, como alguns batistas. Há certa fantasia de pureza original e exclusividade no judaísmo e isso seduz um e outro nesse caldeirão de superficialidades que é o país.

Deviam, agora, deixar-se seduzir pela mania das genealogias, uma das formas mais interessantes de loucura que acomete as pessoas. E traçar linhas extensas desde Campina Grande até às muralhas de Jerusalém!

Tão ridículo que chega a ser engraçado.

Não busco, nem afirmo limites para a tolice, porque não existem. Tampouco me assusto com a desimportância tratada como assunto sério, mas certos casos desse triunfo massificador realmente chamam a atenção.

Lê-se no portal de internet iG o seguinte: Vinho e cinema: veja qual vinho combina com seu filme predileto ao Oscar 2011.

Não vi o negócio do vinho, até porque nunca vi Oscar, como nunca vi premiação alguma para os maiores vendedores de algum setor comercial. E, por outro lado, não preciso de desculpas para tomar vinho, ia-me quase esquecendo de apontar, e acho que vinho combina ou não com comida.

Isso que fizeram com vinho e filme predileto, fazem-no com tudo, oferecendo receitas e sugerindo relações entre coisas, que de tão tênues e superficiais parecem com o espírito público de algum político.

E o público gosta e consome essas receitas, sente-se homenageado com o zelo de algum especialista que cuidou de pensar em algo destinado a ele, público. Ele que provavelmente acha chique falar em vinhos e em filmes de Oscar – imagine-se, então a relação dessas duas coisas – mas provavelmente não tem das duas qualquer idéia própria ou mais profunda.

Alguém parará a meditar que a relação entre um vinho e um filme de que gosta está precisamente no gostar de ambos e só? E que, sendo assim, a receita mágica dessa associação não pode vir de fora?

É interessante que isso funciona porque as massas são profundamente infantilizadas, têm que ser guiadas e cuidadas por oferecedores de gostos e opções pré-ordenados, têm que ser instruídas sobre como fazer isso e aquilo, sobre o que deve ser considerado chique. É a mesma infantilização que leva a que se creia ter um catálogo de direitos sem correspondentes obrigações.

Que leva a crer nas possibilidades infinitas de sempre se desculpar dizendo que algo foi sem querer-se. Que leva a crer que os limites nunca foram atingidos e quando forem não haverá consequências.

A mesma lógica, enfim, que encontrou o melhor protótipo no senhorzinho satisfeito, a figura que precisa de uma recomendação de vinho adequado a filme e que se revela capaz de qualquer violência ou absurdo e posteriormente invoca a própria ignorância em defesa.

O vinho que combina com seu filme predileto!

 

Acabaram-se os plurais!

O título não é grande exagero; foram-se embora os plurais da língua falada pela imensa maioria das pessoas no Brasil. É engraçado, mas ainda impressiono-me com isso. Não é que ache bom, nem ruim, apenas feio.

Como acontece com quase tudo, o fenômeno é pouco distinto por classes sociais e econômicas, ou seja, permeia quase todas elas. É uma supressão democrática, ampla, geral e quase irrestrita.

Uma coisa tem-me chamado bastante atenção, é o seguinte: estou a falar com alguém que não usa plurais; uso as flexões de número porque habituei-me a elas e uso-as naturalmente; o interlocutor não percebe a diferença, ou seja, não se sente corrigido, nem provocado, nem coisa alguma; quer dizer, simplesmente deixou de perceber isso!

O comentário do parágrafo anterior explica-se porque seria sintomático que alguém percebesse nos plurais do interlocutor a falta deles na própria fala. E que assim percebendo, talvez se sentisse acusado de erro ou insinuadamente acusado. Não que alguém – eu, por exemplo – use dos plurais para acusar os outros, que os não usam, mas seria uma reação possível.

A indiferença como reação – ou falta dela, mais corretamente – significa que o normal é a falta de plurais, ou seja, os artigos flexionados indicando substantivos singulares, uma ilogicidade, mas, enfim, tornada normal.

Tento compreender as razões disso. Não quero fazer tese de investigação científica, mas fico a testar hipóteses mentalmente. Lembro-me que é relativamente comum as pessoas aproximarem as formas faladas, para obterem identificação com os interlocutores. Assim, conforme o meio e o interlocutor, fala-se mais ou menos sofisticadamente.

Mas, a supressão quase geral dos plurais na língua falada não se explica pelo que supus no parágrafo acima ou, pelo menos, não se explica somente por isso. Porque essas assimilações propositais soam artificiais e acabam por trair o propósito inicial de gerar identidade e simpatia.

Pensei também na lei do menor esforço ou, por outras palavras, na preguiça. Pensando bem, todavia, pareceu-me pouca razão, porque a flexão é fácil e implica poucas letras e poucos fonemas a mais.

Obviamente, pensei no hábito, e acho que é a razão. Porém, uma razão para o processo já em andamento, não uma razão inicial, por que não há hábitos iniciais. Por outro lado, lembro-me que o hábito não é tão amplo na língua escrita.

Aproveitando para escapar à busca por causas primeiras e reportando-me ao dito sobre língua escrita, passei a outra coisa interessante: uma significativa parcela dos que escrevem com plurais fala sem eles! Nesses casos, deve-se aceitar um divórcio completo entre o escrito e o falado.

O escrito é geralmente assumido como algo muito diferenciado, como um código difícil, a ser utilizado restritamente por possuidores de grandes segredos. É óbvio que o falado e o escrito são coisas diferentes e que o escrito, por exemplo, não reproduz as repetições e hesitações do falado. Todavia, a diferença entre os plurais e a falta deles é de outra natureza.

É um hábito que mostra o desprezo pela normatividade da gramática, por um lado, e pela lógica, por outro. Quanto à normatividade gramatical, pouco problema há, porque ela muitas vezes não tem com a lógica. Ora, se eu falo duas vaca, o duas já mostrou o plural, que a flexão no substantivo apenas vai completar.

Mas, se eu digo as porta, flerto com a preguiça e a falta de lógica, porque poderia ter dito a portas, cumprindo a mesma função e seguindo a mesma razão. Definindo, não há como escapar à necessidade de definir o número no substantivo.

O caso é que tornou-se normal, absolutamente normal e costumeiro. E que muitos, que abolem os plurais, sentem-se plenamente à vontade para apontar outros equívocos de pouca importância na fala de outros. Eis a guerra dos surdos contra os cegos…

1º Salão Internacional do Livro de João Pessoa.

Até o próximo dia 28 de novembro, acontece em João Pessoa, na Fundação Espaço Cultural José Lins do Rego, um Salão Internacional do Livro. Há representantes da Argentina, Venezuela, Peru, México, Portugal, Espanha e França.

Não será a maior oportunidade literário do mundo, mas é alentador que ocorra, tal é a aridez que vivemos quanto à literatura e à disponibilidade de livros.

João Pessoa tem revelado iniciativas que diminuem um pouco a letargia cultural em que vivemos, pois estamos quase exclusivamente voltados para o entretenimento massivo, que implica barulho, bebedeiras descomunais, multidões em fúria, vandalismo e criminalidade. Tudo isso muito bem democraticamente distribuído e integrado por todas as classes sociais.

A capital do estado fica muito restrita a ser o parque de diversões cujos atrativos são sol, calor, praia, cerveja, peixe frito e simpatia com turistas. Para mim, esses encantos dizem pouco ou quase nada, que de praias gosto da visão, preferencialmente quando o sol já anuncia seu desaparecimento no horizonte. Sol, areia e água salgada não me dizem coisa alguma, embora seus inconvenientes sejam marcantes.

Estoutra urbe, Campina Grande, mergulha na aridez de cabeça e sem perspectivas de vir à tona. Que não tenha sol, areia e água salgada, acho que apenas lhe faz falta pelo que perde de receitas turística. O turista não é o elemento estrangeiro que contribui para a diversidade cultural. Os estudantes, ao contrário, esses desempenham esse papel.

Campina Grande não tem uma livraria que mereça esse nome, tem um grande teatro municipal que se encontra em obras há dois anos, não tem um mísero cinema que passe filmes que não sejam de puro entretenimento holywoodiano. Não tem um concerto musical, uma apresentação de um balé ou de alguma companhia de teatro.

Tem, sim, à farta, festas imensas em que o conúbio desprezível dos dinheiros públicos e privados contrata grupos reprodutores do sub-produto do que foram manifestações propriamente enraizadas na cultura local. Assim, inúmeras bandas de forró eletrônico, sem qualidades sonoras nem poéticas – na verdade, veículos de grosserias verbais profundas – abundam.

Concentrações imensas de pessoas a comportarem-se como em rebanhos, todos a reproduzirem os mesmos gestos, as mesmas frases feitas, os mesmos óculos de sol, os mesmos chapéus – pouco importa que esteja escuro – as mesmas camisetas dois números menores que o adequado, os mesmos músculos – tratados com os cuidados que o cérebro não merece – e a mesma embriaguez.

Todos vão enamorar-se e desenamorar-se, trocar murros, bater nas namoradas, trair e serem traídos, atropelar pedestres, lotar as emergências dos hospitais, colidir com seus carros em outros carros ou qualquer obstáculo, em um curto lapso temporal.

Na festa seguinte, quase tudo reproduz-se, à exceção das músicas ou barulho, que essas são descartáveis e no fundo ninguém lhes presta atenção, o que é até melhor.

As melhores coisas vêm pelos correios.

Em quinze dias de um breve retorno a Braga, compramos e ganhamos muitos livros. Eles pesam consideravelmente e, dependendo do número, também ocupam bastante espaço, coisa escassa nas malas.

Não gosto de viajar levando malas grandes e pesadas e busco andar com o mínimo de volumes possível. Assim, a solução que passaria por comprar outra mala ou saco e meter dentro os livros foi descartada.

Melhor despacha-los pelos correios e recebê-los em casa. O único problema disso é o tempo, que tais encomendas costumam demorar muito a serem entregues. Talvez por conta do zelo da alfândega brasileira que, como se sabe, não deixa entrar no país nada de ilegal ou perigoso ou contrabandeado.

Por isso mesmo, às vezes penso que todo o contrabando, todas as armas, todos os entorpecentes ilícitos que há no país entram por meio de algum sofisticado sistema de desmaterialização e rematerialização. Mas, essas divagações não cabem aqui.

O caso é que já houve livros enviados a amigos, que levaram até três meses para chegarem aos trópicos. Então, estávamos mentalmente preparados para esperar pelo Lobo Antunes, pelos Sermões do Padre António Vieira, pelo Gonçalo M. Tavares, pelo Agamben, pelo Unamuno e outros por alguns meses.

Para imensa surpresa, os livros chegaram-nos às mãos em poucos dezenove dias! Serão contrabando?

Gasolina à vista é mais barata, evidentemente. O ministério público parece não compreende-lo, todavia.

País relativamente jovem, profundamente tolo e claudicante com alguns conceitos que podem ter viés moral, este nosso Brasil. Temos uma relação conflituosa com os juros, esse cúmulo de realidade que chegou a ser anatematizado pela moral cristã como signo de usura de judeus.

Pois abordamos o assunto como a uma coisa proibida, imoral, embora nada achemos do Estado paga-los os mais altos do mundo a nós próprios, que provavelmente já o havíamos roubado do próprio Estado.

Juros são o preço do dinheiro à prazo, pagos por quem o tome emprestado a outro, por um certo tempo. Um preço, enfim, pelo que não se tem, nada mais que isso.

Quem compra à vista não os paga, porque a troca entre dinheiro e mercadoria ou serviço foi imediata, ninguém privou-se de capital por tempo nenhum. Quem compra à prazo paga-os, porque alguém que não o comprador forneceu o dinheiro para o negócio. É claríssimo, portanto.

Quando o voluntarismo de algum agente estatal entra nesse jogo, movido por incompreensão ou qualquer outra razão, as coisas tendem a organizar-se de forma a que este preço continue, sob qualquer disfarce, provavelmente sob o aumento do preço do produto ou serviço.

O ministério público do estado da Paraíba entendeu de mover uma cruzada contra os postos de gasolina, porque estes praticam dois preços: um, mais baixo, para vendas à vista e outro, mais alto, para vendas a prazo. Os doutos operosos querem um mesmo preço para negócios à vista e à prazo!

O resultado dessa atuação de grande visibilidade mediática é previsível: os compradores à vista vão pagar juros, como se comprassem à prazo! Claro, porque ninguém vai vender à prazo sem cobrar juros, que isso nunca aconteceu.

Então, a cruzada jurídica contra os dois preços resultará em um aumento do custo das negociações à vista, ficando os preços igualados pelo maior. Terão prestado um enorme serviço às instituições financeiras, esses ilustrados senhores ministeriais.

Atire a primeira pedra aquele que nunca tentou.

E se, somente se, a religião realmente admitisse que não tem todas as respostas?!?! É por isso que é tão importante essa tal de inclusão digital, e a pulverização dos meios de comunicação de massa. Nada de ficar tudo nas mãos, dos Marinho, dos Civita, dos Macedo, dos…

"-Eu não tenho todas as respostas, tente o google."

"-Eu não tenho todas as respostas, tente o google."

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