Na colonização do Brasil houve menos marranos que se acredita. O número de cristãos-novos foi menor do que querem historiadores superficiais, judeus conversos recentes e palradores em geral. Foram muitos, é claro, mas não a totalidade. A leitura de Evaldo Cabral de Melo é bastante recomendada quanto a este assunto e, especialmente, O nome e o sangue.
Muito embora não tenhamos surgido exclusivamente de colonização de marranos a se misturarem aos índios e aos africanos, ficamos com hábitos que permitem ver traços longevos de nova cristandade. Por estas terras, come-se pouco porco. Isso, mesmo sendo o porco muito mais barato que o boi e mais saboroso, é claro.
Ao contrário do que sucede no Brasil, come-se bastante porco em Moçambique, assim como na Índia e na Europa em geral. Estas poucas palavras vêm à propósito do caril de porco, de origens indianas, que achegou-se a Portugal por Goa e que consagrou-se, na região lusófona, em Moçambique. Evidentemente que Moçambique teve muitos indianos em seu território e isso deve ter seu peso na tradição gastronômica.
O caril, tanto de Goa, quanto de Moçambique, tem duas coisas marcantes: é muito picante e leva leite de coco. A princípio, nada que se afaste da culinária baiana, mas pouco que se aproxime da culinária do dia-a-dia brasileiro. Realmente, temos alguma parcimônia na mistura de leite de coco com muito picante, porque fica de digestão complicada.
Resolvi, entretanto, fazer um caril de porco sem leite de coco. A saída era abusar do tomate, porque no refogado ele libera bastante suco e engrossa o caldo. Outra necessidade, na ausência do leite de coco, era bastante cebola, e assim foi feito.
Com um dia de antecedência, cortei a peça de porco em pequenos rojões e os coloquei a marinar em vinho tinto, alhos, sal e muita pimenta preta moída. No dia seguinte, retirei os rojõezinhos marinados e os lavei em água corrente.
Cortei uma cebola e meia em pedacinhos mesmo pequenos. Cortei também quatro tomates médios em pedaços pequenos. Enfim, cortei duas pimentas-de-cheiro em pedacinhos miúdos. Tudo isso foi ao fogo baixo, para refogar, de panela fechada, evidentemente. Passados bons quinze minutos, com duas ou três mexidas, deitei os rojões de porco e aumentei o fogo.
Mais quinze minutos, era tempo de deitar uma colher de sopa cheia do pó de caril e um pouco de sal. Feito isto e mexido o que estava na panela, subiu o cheiro delicioso do caril em contacto com o azeite quente e as cebolas.
Daí em diante, era questão de mexer, para os tomates e as cebolas se desfazerem e a carne impregnar-se do caril. Entretanto, cuidava-se d0 arroz basmati. Essa variedade indiana, de grão fino e longo, é muito aromática. Cortei em pedacinhos um dente de alho, deitei duas colheres de azeite numa panela pequena, uma chávena de arroz e fogo!
Mistura-se sem parar, enquanto duas chávenas de água aguardam fervura noutra panela. O tempo de ferver esta pouca água é o de dourar o arroz basmati com os alhos. Eles cozinham mais ou menos vinte minutos depois que a água fervente é posta na panela do refogado do arroz.
Para mim, resultou esplêndido. O porco marinado conservou muito picante, mesmo depois de lavado e isso agradou-me, pois não usei qualquer pimenta, exceto a de cheiro, que é só aromática. Mesmo com temperaturas não muito baixas, foi comido com um tinto alentejano bem razoável.
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