É terrível que a ingenuidade afirmativa tenha-se tornado postura bonitinha, cool, como se diz em inglês. Digo afirmativa, com o qualificativo a distingui-la marcadamente, porque ela é o disfarce voluntário, ou seja, é a festa à fantasia.
Agora, que temos um Ministro da Defesa que não trabalha para a Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil, algumas coisas podem ser levadas a sério de forma mais evidente.
Estamos muito envolvidos a discutirmos as formas de submissão financeira e a esquecermos as tradicionais, como se a primeira excluísse as segundas. Ou seja, vemos sofisticação na primeira e praticamente aceitamos-la como inevitável; isso dá-nos a confortável impressão de superação das formas clássicas de roubos materiais, como se uma etapa rude tivesse sido vencida.
Petróleo, minérios sólidos e outras coisas classificáveis como recursos naturais roubam-se e precisam serem roubadas, senão seriam compradas a preços elevadíssimos. Não convém compra-las a preços altos nem rouba-las de forma a que os saqueados percebam-no claramente. Por isso, a indústria de convencimento dos roubados a se deixarem roubar é a terceira maior existente, atrás somente do dinheiro de promessa de pagamento e dos armamentos.
Por isso, há todo um suporte discursivo para a inexistência de fronteiras, para a difusão da idéia de recursos naturais sem donos, patrimônio da humanidade. Por isso, difundem-se as identidades culturais seletivas; difunde-se o progresso material e tecnológico, como se não tivesse qualquer suporte material e como se a energia que sai da tomada viesse do nada.
Por isso, todas as massas inclinam-se a pensar que correm somente o risco de serem assaltadas, na esquina, por algum meliante comum. Por isso, as classes médias dos em desenvolvimento pensam que o mundo é único, embora abaixem as calças para umas apalpadelas dos agentes alfandegários de Miami, quando vão comprar perfumes, roupas feitas ou gravatas coloridas.
O Brasil é, talvez, o país mais roubável do mundo, considerando-se sua vulnerabilidade. Claro que o país mais apetecível do mundo é a Rússia, mas essa tem 3.000 bombas e uma máfia interna – abstraindo-se dos que foram para a Inglaterra e dos que foram desaparecidos – que cuida das bombas e pensa em russo ou em grego, o que dá no mesmo.
Já é evidente que haverá uma redução marginal no consumo de óleo e minerais nos EUA e na Europa, que empobrecem. Mas, é claro, mesmo que não seja evidente para as massas, que tal redução do consumo de uns não significa a redução global. Também é claro que a redução pequena de consumo norte-americano e europeu não significa que aceitarão preços maiores.
Já é evidente que temos uma das cinco maiores reservas de óleo e de minerais, ferrosos e raros, do mundo. Evidência atrás da outra, a próxima é que teremos que negociar essas coisas como donos delas. Excepto se for possível dar outra volta no parafuso da compressão social, o que parece, hoje, um tanto complicado.
De oito anos para cá, produziu-se um efeito interessantíssimo no povo brasileiro. Passou a viver um pouquito de nada melhor, sem que os dominadores de sempre tenham passado a viverem pior. Ou seja, dificilmente aceitarão um regresso…
Mas, como esse povo entende nada do que acontece, uns julgam que é possível dar a nova volta ao parafuso, contando com desinformação e repressão. Ora, em escalas como as brasileiras, pode dar muito errado, principalmente com o desenho atual. Volto a dizer, a genialidade de Lula foi reduzir minimamente a miserabilidade de quem já tinha condições de perceber o sem razão de sua exclusão total. Nunca o perdoarão por isso, por ter criado uma massa que não aceitará retornos.
Para que não haja retornos, será fundamental apropriar-se do resultado da venda do que abunda nestas plagas. E, se não houver quem compre estas riquezas, que sejam consumidas aqui.
Garantir isso implicará muito mais que os declarados 36 Rafales e 05 submarinos nucleares que o Brasil deve comprar. A aquisição deve ser muito maior que isso, embora não precise aproximar-se da escala selenita das compras militares que se vêm por aí.
A oportunidade fantástica que se abre é de tornar brasileiros setores que nunca o foram. E não se trata apenas de dar um porta-aviões de presente à Marinha de Guerra, ou aviões de segunda linha à Aeronáutica ou ainda tanques e obuses velhos ao Exército. Tampouco, trata-se de fazer uma emulação mais pobre do complexo industrial-militar que tomou metade do poder nos EUA.
Trata-se de tornar uma riqueza potencial em atual e distribuída e de fazer nascer um setor interessado na defesa do país, profissionalmente. Ao contrário de um setor que vai às festas à fantasia, recoberto de medalhas de glórias supostas, e funcionário de interesses outros, dócil a um embaixador norte-americano.
Não será tarefa fácil por 50 caças de ultima geração e 15 submarinos nucleares a operarem como defesa de quem eles podem matar. Mas, é tarefa única a ser elegida, porque a outra é torna-los apêndice dos tentáculos dos ladrões.
Andrei,
Tu achas que o nosos orçamento público comporta manter as compras que uma indústria militar exige para se tornar viável e competitiva? Seria esse o setor interessado em manter a defesa do país, ainda que de modo indireto? Ou tu estás a falar de um exército realmente nacionalista?
Comporta, Daniel. Ele não comporta o pagamento de juros absurdos por quaisquer parámetros?
Além disso, no caso dos aviões, compram-se a tecnologia e as primeiras células. As demais são feitas aqui. Claro que os franceses não vão vender toda a tecnologia desse que é, de longe, o melhor caça da concorrência atualmente aberta.
Mas, é mais caro ser um gigante rico e desprotegido.
No caso dos submarinos, a coisa é até mais interessante, porque a Marinha pode fazê-los a partir da tecnologia do reactor pequeno e do casco duplo, compradas aos franceses.
E fazendo-os, envolve-se em um projeto nacional estratégico.
Então, na verdade, estou falando em comprar armamentos – e não é para invadir a Argentina nem o Paraguai – e envolver as forças armadas no nacionalismo para além do discurso anacrônico da doutrina de segurança nacional que, por sinal, foi elaborada em Washington.
Outra coisa, devemos ter bases aéreas e navais e é urgente duas delas no nordeste, para além dos esquadrões de salvamento marítimo.
Além das fronteiras amazônicas, é claro.
E, hoje, o que menos importa é ter uma grande e despreparada infantaria do exército que, como disse, não vamos invadir ninguém.
Precisamos de aviões, submarinos e mísseis.