Na anterior postagem sobre a usina de Belo Monte, chamada Eco-tolice e eco-chantagem contra a Usina de Belo Monte, o comentarista Sidarta ofereceu um comentário precioso. Passeia por conhecimentos sólidos de geração de energia, indo até ciência política, economia e relações internacionais. Resolvi torná-lo uma postagem.
Andrei e João Ezaquiel,
Peço já desculpas a vocês e aos outros participantes do debate se estou me estendendo muito nesses comentários, se estou “ensinando pai-nosso a vigário” ou se estou saindo do tema.
Sobre os seus comentários técnicos a respeito de Belo Monte e de outras opções de geração de energia elétrica, vale lembrar que uma tese de doutorado defendida há menos de 5 anos no Imperial College de Londres, por um engenheiro aqui do Recife, mostrou que o sistema elétrico do Nordeste do Brasil não suporta receber muito mais do que uns 2000MW de geração alternativa local “não despachável”, eólica, por exemplo (ou mais ou menos 20% da potencia instalada).
Tentar gerar muito mais do que isso com eólica (das fontes alternativas já bem dominadas a eólica é a que tem se mostrado mais viável no momento) torna o sistema elétrico instável e complicado para se otimizar o despacho da geração e passa a se correr o risco de jogar água fora nos grandes reservatórios para se aproveitar a energia eólica eventualmente gerada em grandes blocos “fora de hora”.
Hoje em dia, a nossa experiência mostra que se suporta mais de 75% de racionamento de água (um dia com água no cano da rua e três dias sem)… pois é assim, ou pior, que a maior parte da população urbana da maioria das cidades de Pernambuco tem vivido.
Por outro lado, um racionamento forte de energia elétrica em anos passados na Colômbia mostrou que um corte na oferta de menos de 40% já paralizava a economia, gerando desemprego em massa e mais desordem social.
Não há como se estocar “energia elétrica” em grande escala, o que se estoca é combustível ou água nos reservatórios – mesmo uma bateria “cobra pedágio elétrico” para armazenar e restituir a sua energia: uns 10 a 20% para guardar e mais uns 10 a 20% para restituir.
Um exercício interessante é calcular o custo do MWh produzido por uma pilha alcalina AA… se você acha que a gasolina está cara e que paga muito imposto de renda, nunca mais vai querer usar energia de pilha não recarregável).
Essa é uma das razões porque Hugo Chaves está administrando atualmente um pequeno racionamento de energia elétrica na Venezuela com o exército de prontidão para segurar a inquietação social… além de ter iniciado programas emergenciais de suporte a desempregados e a pequenos produtores industriais e agrícolas mais prejudicados com o problema…. um problema de Hugo Chaves.
Pelo lado econômico da produção, o custo da energia eólica em grandes blocos é umas duas vezes o custo de hidráulica… e o custo da energia de térmicas movidas a derivados de petróleo ou a gás (não temos tanto gás assim para rodar grandes térmicas sem parar algumas indústrias já em funcionamento no Nordeste) é ainda maior, sem falar na poluição do ar.
Restam, com maior viabilidade, nuclear e … hidráulicas…. ou ficarmos amarrados às economias do sul do Brasil e de fora do Brasil como uma área de “produção de parafusos” para as grandes máquinas que teremos que adquirir de fora da região para mover as poucas indústrias que ainda estão se instalando ou em operação por aqui.
Uma variável interessante a se estudar sobre isso é a “intensidade energética e elétrica” anual do Brasil e do Nordeste, através do Balanço Energético elaborado anualmente pelo Ministério da Minas e Energia (a maior parte dos países do mundo elabora e divulga Balanços Energéticos em unidades confrontáveis entre países).
A unidade básica de energia é o TEP (Tonelada Equivalente de Petróleo) e o poder calorífico de cada forma de energia é referenciado nos Balanços em TEP, para que se possa confrontar, por exemplo, energia produzida por lenha com energia nuclear.
Nesse documento, é bem indicado quanto de energia (elétrica ou de outras formas, inclusive lenha) se necessita para se produzir uma unidade de PIB regional ou nacional.
Essa relação é relativamente estável ao longo dos anos em que o Balanço tem sido feito e indica muito bem que o PIB do Nordeste afundou nos anos de racionamento de energia elétrica, proporcionalmente à magnitude do racionamento.
Constata-se, também, que o governo não pode injetar muito dinheiro e “tocar fogo” no crescimento econômico e na taxa de subida anual do PIB, por conta da tal “intensidade elétrica”, que exige energia elétrica em quantidades determináveis para cada ponto percetual de PIB que se quer crescer.
No frigir, para sair do impasse econômico, que acho que é em grande parte do interesse dos USA, Europa Ocidental e Japão (não sou direitoso nem xiita, mas um pretenso budista que procura tentar entender o que são as sombras que vejo por trás da cortina, ou seja, a verdade subjacente) temos que gerar muito mais energia elétrica no país todo.
O que penso dessa discussão é que os “pagamentos” do grande empresariado brasileiro ainda não tiveram que ser dirigidos aos donos da imprensa no Brasil, para que rapidamente mudem de opinião e passem a louvar o potencial hidroelétrico do Brasil como uma bênção de Zeus ao país.
Quando Napoleão Bonaparte fugiu do exílio na Ilha de Elba e se dirigiu a Paris, a imprensa francesa, de início, o tachou de “o usurpador”; quinze dias depois, com Napoleão já de volta como imperador em Paris, a mesma imprensa o louvou como “o imperador de todos os franceses está de volta!”
Acho que é também só uma questão de tempo para que o “Belo Monte de M….” apregoado pelo Greenpeace, pela imprensa e pelos inocentes úteis e não tão úteis que estão nessa empreitada contra a usina, mudem de opinião movidos a “pecunia”.
Serra, Dilma, Marina, Ciro, um general do exército ou quem quer que for eleito ou tome o poder no Brasil vai precisar de muita energia elétrica nova para se sustentar no poder pelo tempo regulamentar, ou pela força, contra 200 milhões de reclamantes
É melhor para os supostos ambientalistas que não venha a ser um general pois eles, alguns anos atrás, não deram a menor bola para ambientalistas, para o IBAMA, para os índios com ou sem notebook e internet, e para chiliques e achaques da imprensa… e também deram pouca bola para os tribunais.
Se conseguiram ler até aqui… obrigado pela paciência.
Com um abraço de,
Sidarta.
Reforço o que coloquei no outro post. Custo, em economia, não é valor monetário, embora seja conveniente essa redução, pois mascara os outros impactos de qualquer empreendimento.
Seguindo a lógica atual de produção, distribuição de energia, não há o que discutir, as hidrelétricas são, hoje, monetariamente mais baratas e eficientes.
Minha críticas são justamente ao modo de produção e distribuição, que são ineficientes sistematicamente, em relação ao ambiente, com grandes perdas na transmissão dessa energia gerada longe da área de consumo, gerando impactos diretos e indiretos na construção de grande obras.
O problema é achar que quem critica a usina é contra a produção energética e quer ver o país subdesenvolvido (considerando o desenvolvimento como possível). É muito mais fácil esse discurso polarizado e maqueísta.
Quanto às acusações “subjacentes” ao Greenpeace, me explique onde entra pecunia… não conheço sequer denúncias de cooptação da organização. Teorias conspiratórias são sempre oportunas quando alguém incomoda.
Sidarta, agora uma pergunta pessoal: tu és budista de verdade??
João Ezaquiel,
Estava pensando que, com relação às perdas de transmissão (perdas, custos e riscos) a única solução mais palpável seriam as nucleares, na faixa de 1000 a 1500 MW.
Mas, a geração de energia lida com transmissões realmente grandes.
Há pouco, a Rússia e a Alemanha deram início efetivo ao NordRing (não sei se está certo o nome e a grafia). Um gasoduto imenso, para escaparem às chantagens da Ucrânia, da Polônia e de outros mais, garantindo o abastecimento de gás na Alemanha.
Nada mais é que uma imensa linha de transmissão de energia. Aliás. a Europa está toda cortada por linhas de transmissão, a partir de que países superavitários, como a Bélgica (hoje ainda existe Bélgica) exportam para a Itália.
Sidarta, valeu pelas informações. A Veja e a Época dessa semana que se inicia, trazem informações negativas e que confundem o leitor. Uma pena assinar essas revistas. Na hora de renovar nem vou pensar. Chega do PIG.
Não deixe de assinar. É muito importante saber o que o outro lado pensa.