Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Autor: Andrei Barros Correia (Page 7 of 126)

O escravo não deve perceber a escravidão. Por isso a imprensa nega a luta de classes.

O capital serve-se da imprensa como se serve da repressão policial. São meios de ilusão e controle social que devem inicialmente impedir a tomada de consciência da luta de classes e, secundariamente, reprimir violentamente qualquer ameaça ao patrimônio.

O discurso é mais eficaz, historicamente. A imprensa, assim como o poder judicial, apropriou-se sagazmente do mito da imparcialidade e ficou livre para mentir e deformar à vontade, em atividades editoriais disfarçadas em jornalismo.

Vendeu a ilusão de que noticia fatos, pura e simplesmente, o que é muito distante da realidade. Ela vende pacotes prontos de idéias simples a serem repetidas pelo público não pensante.

Mas, além da imprensa e do judicial, é interessante perceber que quase toda a sociedade adotou narrativas que tendem a negar a luta de classes, como se os mais díspares grupos em termos de apropriação de rendas tivessem os mesmos interesses.

O discurso corporativo tem exemplos interessantíssimos. Em supermercados, os empregados mais subalternos são chamados colaboradores ou, o que é mais perverso, associados. Colaborador dá idéia de proximidade, de semelhança entre empregado e patrão, algo muito longe de ser verdade.

Associado é perversão e piada. Tudo isso visa a afastar a percepção de exploração e das diferenças imensas na apropriação dos resultados. E resulta bem, a despeito do empregado saber que trabalha muito e que se cansa muito e que ao final ganha pouco.

Essa sagacidade é, talvez, ainda maior nas classes médias, que chamam suas empregadas domésticas pelo eufemismo secretária. Ora, como é que é secretária quem não ganha salário desta função, quem não faz trabalho de secretária? É uma piada de alta perversidade.

Neste caso de secretária, a família médio classista expia um pouco de sua culpa esclavagista, além de suprimir o termo estigmatizante empregada. Claro que do estigma só se extirpa o nome e o restante permanece nesta que é a pior função laboral existente no Brasil.

Mino Carta aponta algo interessantíssimo no âmbito da imprensa. Diz que não conhece outro país onde os jornalistas e repórteres chamem os patrões de colegas. Ora, o fulano que escreve o editorial é o patrão ou funcionário qualificado deste – um quase patrão. O jornalista é empregado, nunca colega de patrão algum.

É necessário expurgar dos discursos todas as menções, todos os termos que indiquem a relação patrão – empregado explicitamente. É preciso que não se percebam com nitidez as diferenças enormes e obscenas entre os 2 ou 4% que se apropriam de mais e os rentantes. Claro que diferenças percebem-se, mas o discurso leva as maiorias a ignorarem qual grandes são elas.

Diferenças que não se percebem nas suas reais e abissais dimensões parecem aceitáveis e podem ser explicadas pelo besteirol comum do mérito e outras mentiras deste tipo. Assim, os escravos seguem a aceitar suas servidões, na medida em que não de veem como servos.

Por conta da negativa da luta de classes – a maior tarefa da imprensa que funciona como uma corporação mundial a serviço do grande capital financeiro – as maiorias são levadas a descrer da política e pensar que o farisaísmo é mais importante que a escolha política. São levadas a acreditar num sistema burocrático supostamente virtuoso, meritocrático e imparcial.

A negação da luta de classes é a negação da política também. Implica a idéia de não haver escolhas, opções, hipóteses, nada variável conforme uma decisão que vise aos interesses próprios de uma classe. É um estado quase religioso de verdade única, de gestão por manuais, ou seja, de naturalização da história. Isso é conservadorismo na forma mais pura.

Por terem tido grande êxito em fazer a maioria das pessoas crerem que compartem interesses com seus exploradores, os avanços políticos, sociais e econômicos, nomeadamente no que se refere a melhor distribuição de riquezas, são espasmódicos, episódicos e sempre sujeitos a travões ou retrocessos.

As pessoas chegaram, em sua imensa maioria, ao grau zero do pensamento autônomo. Não há originalidade para dizer algo belo nem feio, só repetições. Não há noção de história, nem de realidade.

Presentemente, para travar as melhoras nas vidas da maioria das pessoas – algo que repugna às classes médias e altas – a imprensa investe contra governos sob argumentos não provados de haver neles corrução elevada.

Ora, não há hoje corrução mais elevada que em qualquer outro período histórico e só os tolos crêem que há, porque é próprio dos tolos serem ignorantes de história e não pensarem por si mesmos.

Assim, muitos são levados a esquecerem as melhoras de níveis de vida e a bradarem contra algo que é historicamente estável e não mereceu estes ataques, exceto quando havia governos mais favoráveis ao povo, claro.

Conduzido por uma imprensa hedionda o povo busca o suicídio, oferece sua servidão e marcha para um fascismo perigosíssimo.

São Jerônimo: patrono da crítica?

Um bárbaro dálmata do século IV a.C. traduziu a bíblia hebraica e os evangelhos canônicos para o latim. Fê-lo mesmo alfabetizado tardiamente em grego e em hebraico, o que é notável! A Vulgata, tradução dos textos hebraicos e dos textos gregos do Novo Testamento para o latim, deve-se a ele.

O homem fez de tudo e devia ter um senso de oportunidade muito apurado, pois foi de asceta do deserto a proto acadêmico e acompanhante e confessor de senhoras ricas piedosas. Viajou o mundo que a cristandade conhecia, ou seja, a bacia do mediterrâneo oriental, a Palestina, a Síria, a Lídia.

Pegado a livros e principalmente a livros sem autoria definida – o que não constituía qualquer problema – ele desenvolveria a técnica da crítica, que é uma forma de tradução ou, no mínimo, uma derivação desta. Estabeleceu regras para a fixação de autoria, a partir basicamente de conceitos de continência. São critérios de validade e canonicidade por autenticidade consigo mesmo.

Assim, por exemplo, se de vários livros atribuídos a um autor, um apresenta nível inferior, ele deve ser considerado fora da obra. Deve haver uma constante de nível e uma obra inferior às demais retirada do conjunto. A obra que contradiga a corrente ideológica do autor deve ser considerada não dele. Este é um critério de coerência a afastar tudo quanto inicialmente desdiga a linha maior do autor.

O estilo também deve ser homogênio e, assim, a obra que se afaste estilisticamente das restantes tampouco pode ser do mesmo autor. Por fim, lança um critério histórico – o único, talvez, a ter algum sentido – pelo que a obra que se refira a fatos e personagens posteriores ao autor não deve ser considerada dele.

Esse padrão, esses critérios, lançaram as bases da fixação de autoria e, mais que isso, de toda a crítica ocidental posterior. Para ele e na época, isso calhou muito bem, pois tratava com a formação de uma tradição que precisava autenticar-se e autorizar-se. Ele acresceu método, aquilo que autoriza mesmo que signifique nada ou quase nada, posto que sempre dogmático, como qualquer parametrização científica.

O texto sagrado pede autor certo e pede intérpretes, assim como o texto jurídico da tradição judaico-cristã. Se por um lado é aberto e pede intérpretes, por outro precisa fechar seus furos de autoria e estabelecer uma unidade que lhe confira autenticidade e historicidade, mesmo que seja para se afirmar revelado e não histórico.

A crítica gira em torno a isso desde sempre e é crítica de autor mais que de obras. Cuida da unidade da obra a partir de elementos que a própria obra fornece. Ela aponta o diferente que não deveria haver porque proveniente do mesmo autor. Ela percebe melhor da coerência que o próprio autor que tem uma obra glosada por diferente em nível, estilo ou ideologia da linha geral. A crítica é basicamente o fetiche da coerência segundo a definição externa ao autor.

O biografo de autor é uma figura de crítico que sabe escrever mais que cinco páginas e quer ser considerado também autor. Evidentemente, isso é tanto inútil, quanto presunçoso, na medida em que não for história pura e simples. A biografia de Napoleão será uma coisa, a de Stendhal outra. Qual o sentido da biografia dum autor, senão o de lhe retraduzir mais uma vez?

A obra sobre a obra e a obra sobre o autor são a obra de alguém sem obra. Ora, se autor e obra forem o mesmo, escreve-se história. Se o primeiro existe sem o segundo, escreve-se psicologia de uma pessoa que pode ter existido. Se a segunda existe sem o primeiro, escreve-se uma tradução.

Embora não seja o que me levou a escrever essas bobagens, recentemente houve algo que, agora, me vem ao pensamento. Um fulano muito importante escreveu um livro a que chamou: Fernando Pessoa – Uma quase autobiografia. É extraordinário! Conseguiu ser extraordinário mesmo num mundo com tanta gente e com tanta gente proveniente das terras narcísicas da capitania de Pernambuco.

Uma autobiografia é a história de si mesmo, escrita pelo que a viveu. Uma quase autobiografia é obra de quem é quase o autobiografado. Assim, o autor da quase autobiografia de Fernando Pessoa é quase Fernando Pessoa!

Até então, nunca tinha visto alguém dizer-se quase outra pessoa, embora já tenha escutado a afirmação da identidade total. Quase Fernando Pessoa é algo interessante, porque fica a dúvida se quase o escriturário metódico ou o autor tão aparentemente diverso em estilos de prosa e de versos.

A presunção em afirmar-se quase Fernando Pessoa não passa por ser este autor algo muito grande e inatingível por outrem; não passa por o quase ser impossível de ser quase o paradigma. Não é uma questão de valor do paradigma ou do quase. É que é difícil saber o que é outrem na integralidade, para poder saber que é quase ele.

Quase algo só se afirma por saber-se totalmente o que é o outro. Assim, sabendo-se a integralidade, pode-se saber as diferenças que fazem o quase. Mas, saber a totalidade é quase presunçoso…

Judiciário: caríssimo e gerador de instabilidade.

Presentemente, duas corporações investem contra o desenvolvimento social, econômico e institucional do Brasil: a imprensa e o judiciário. É até difícil saber qual é pior, mas é certo que da imprensa, como instituição majoritariamente privada – ao menos na aparência – não se espera grande coisa, exceto se se for muito ingênuo. Na verdade, vistas as coisas com rigor, a imprensa é pior, até porque é a garantidora e estimuladora das atuais investidas e excessos do judiciário.

 

Claro que é ingenuidade esperar do judiciário que não seja uma corporação a pensar principalmente em si, a despeito de todo o discurso que produz em sua defesa, a partir do mito da imparcialidade. Ora, é próprio das corporações, estatais e privadas, pensarem principalmente nos seus interesses e isso não é o extraordinário.

 

O que permitiu a essas instituições o poder destrutivo e a imunidade que têm foi a apropriação do mito da imparcialidade. Para tanto, trabalha outro mito, no caso específico do judiciário, o da especialização técnica, que seria algo destituído de conteúdo ideológico ou político, algo como a ciência inerte em termos de valores.

 

Amparado nessas ilusões disseminadas com ajuda da imprensa, o judiciário brasileiro faz o que quer, ao custo que for, e permanece imune a qualquer crítica. Porém, um poder imune à maior de todas as críticas – que são as eleições, a crítica democrática – não poderia jamais fazer pouco da constituição, das leis, decidir casuisticamente segundo o capricho momentâneo deste e daquele juiz.

 

Um poder não legitimado democraticamente não pode se arrogar legislador, não pode relativizar garantias, não pode fazer pressão como meio de produção de provas, não pode ter postura exibicionista.

 

Mas, hoje, o judiciário brasileiro não apenas é um poder sem legitimidade democrática sobre que não incide qualquer controle efetivo, como é tudo isso a um custo obsceno. Quando é para extrair conclusões favoráveis aos seus interesses, a corporação  gosta de comparações. Quando as conclusões são-lhes desfavoráveis, não gostam. Claro, nisso são oportunistas.

 

Pois bem, o judiciário brasileiro é o mais caro do mundo! E este preço absurdo foi atingido à margem da legalidade estrita, com a criação de vantagens astronômicas e injustificadas por meio de atos internos. Acontece que a legalidade dessas iniciativas será decidida por eles mesmos, os beneficiários!

 

Por meio do escandaloso expediente das verbas indenizatórias, esses funcionários auferem mais que o teto remuneratório do serviço público. Na verdade, auferem muito mais. Há semi-deuses ganhando em torno a R$ 70.000,00 por mês, o que é aberrante, nada menos. Há verdadeiras festas de auto concessão de vantagens retroativas, sem base em coisa nenhuma além da própria vontade de abrir os cofres públicos em benefício próprio, mesmo quando a situação recomenda austeridade.

 

O Brasil tem a maior relação de funcionários da justiça por cem mil habitantes do mundo. O judiciário brasileiro custa 1,3% do PIB, algo extraordinário para um sistema de resolução de conflitos muito ruim. Na Alemanha, custa 0,3% do PIB e no Chile 0,2%, para ficarmos apenas em dois casos. E não seria digno de ninguém que tenha um cérebro sadio dizer que o brasileiro é melhor que qualquer outro.

 

Não é melhor. É plausível afirmar que é pior e certamente muito mais caro; é uma deformação sem precedentes na história. A média remuneratória do judiciário brasileiro é de R$ 10.000,00, incluindo-se juízes, funcionários, terceirizados, tudo enfim. Isso é cinco vezes o PIB per capita do Brasil, o que revela a magnitude da aberração. Nem os baixos salários dos milhares de terceirizados baixam essa média.

 

Servir-se de manobras ilegais para sugar mais dinheiro foi chegar ao grau zero da honradez. Não que isso seja surpreendente vindo desta gente, mas é um escárnio com o povo deste país, um desdém sem tamanho com quem ao final paga a conta deste convescote imoral.

 

Um semi-deus juiz recebe em torno a cinco mil reais de auxílio-moradia, uma verba sobre que não incidem imposto de renda nem contribuição previdenciária! Por que? Qual a razão disso? O salariozinho irrisório de R$ 30.000,00 não permite o juiz morar em algum canto? Por que todo o restante das pessoas mora à custa dos seus salários e os juízes não o podem?

 

 

Recebem auxílios para se alimentarem, auxílios para pagarem as escolas dos filhos, auxílios para comprarem livros, têm 60 dias de férias remuneradas ao ano, enquanto os mortais têm 30, têm recessos remunerados. Isso são privilégios injustificados, nada mais.

 

Essas aberrações nada têm a ver com garantias para o exercício das funções, são privilégios sem previsão legal, o que é mais grave. Por que em toda parte juízes desempenham suas funções sem essas aberrações remuneratórias e aqui não é possível? Claro que é possível, o que falta é controle social sobre esse corpo autônomo dentro do Estado brasileiro.

 

Falta a esta corporação noção de risco, falta noção de solidariedade social, falta autocrítica, falta conhecimento humanístico, falta autenticidade, falta legitimidade democrática para atuar como legisladores. Para investir contra os cofres públicos desta forma e torcer a constituição do país corriqueiramente a bem de a interpretar, o mínimo que seria necessário era ir a votos ou empunhar armas.

 

Eles contam com a blindagem da imprensa, que silencia sobre essas aberrações enquanto eles estiverem juntos na cruzada golpista e entreguista que paralisa o Brasil. São tão ávidos e imediatistas que não percebem que a imprensa os abandonará tão logo tenha êxito no seu desiderato político, se o tiver.

 

Os realmente poderosos que guiam a imprensa e o judiciário sabem muito bem que se chegarem ao poder central terão de se livrar desta monstruosidade, tanto pelo custo estúpido, quanto pelo que representam de instabilidade, sempre origem de decisões conflitantes, algumas absurdas, outras voluntaristas e quase todas tendentes a gerar o desgoverno.

 

Talvez a única coisa auspiciosa de um governo entreguista direitista resultante do golpe, caso tenha êxito, seja precisamente o expurgo que haverá na corporação.  Isso, porque ninguém governa com uma corporação destas por perto.

 

 

Mas será terrível também porque é previsível que este movimento pendular obedeça à lógica esquizofrênica que governa as mudanças no Brasil. Se o golpe tiver êxito, os golpistas não partirão para ajustar e por os necessários limites a esta instituição fundamental: farão terra arrasada e se servirão da imprensa para desqualificar o judiciário, como sempre fazem com os grupos potencialmente incômodos.

Michel Temer entra no golpe.

Para os reais patrões do golpe de Estado que está em marcha no Brasil pouco importa que ascenda à presidência Pedro, Maria ou João; pouco importa que seja preto, branco, amarelo ou verde, desde que entregue o petróleo.

Porém, para os agentes internos, políticos profissionais, importa muito, sim, quem ascenderá, porque o poder, mesmo num país espoliado de sua maior riqueza, é sedutor e meio de vida desta gente. O festim no Estado ainda é muito grande mesmo sem as riquezas do pré-sal.

A facção golpista funciona como uma máfia; todos desconfiam de todos e não é senão ingenuidade ou jogo de cena usar o termo confiança. Ninguém se esforçará para dar o golpe para a ascensão dos outros. Para ser sócio minoritário, pode ser melhor deixar como está, principalmente para o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer.

Recentemente, Temer entrou no golpe explicitamente. À partida, foi uma bela jogada que, a par com a manobra desesperada de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, parecia ter sido o prenúncio do xeque-mate na honrada presidenta Dilma Rousseff. Todavia, a matemática do golpe é complicada.

A adesão do vice-presidente ao golpe seria capaz de envolver na manobra uma peça fundamental: o PMDB, partido sem matizes ideológicas, extremamente capilarizado, sempre sócio de todos os governos desde a redemocratização. À exceção de um ou outro quadro com densidade ideológica e honradez, o PMDB sempre tem sido um partido de aluguel; o maior deles.

Sem o apoio deste partido e depois que Eduardo Cunha admitiu a abertura do processo de impedimento da presidenta, qualquer governo cai, no Brasil. Acontece que o falso motivo jurídico invocado para o impedimento atinge também Michel Temer.

A abertura de créditos orçamentários que dependiam ainda de ajustes na meta fiscal – uma coisa muito corriqueira e sempre feita, para que o país não pare – foi feita também por Temer, em várias ocasiões em que esteve no exercício da presidência.

Logo, a puerilidade invocada como motivo para impedir Dilma atingiria o imaculado Michel e a coisa teria enormes chances de sair do controle e serem ambos derrubados por um falso motivo. Não é muito inteligente supor que o PMDB trabalhará para derrubar o puro Michel também, depois de perder o honesto Eduardo Cunha, que, hoje, precisa ser logo expurgado, pois mais dificulta que facilita o golpe.

O Eduardo Cunha tentou chantagear o governo com a abertura do processo de impedimento. Do ponto de vista dele, não resultou bem. Ele fê-lo como estratégia pessoal de defesa no processo aberto para sua própria cassação. Hoje, desesperadamente, ele retarda os andamentos de ambos os processos. Ou seja, para os golpistas é melhor que se vá logo, mesmo que leve consigo um ou outro parlamentar que navegou nas suas caudalosas ajudas eleitorais.

O Cunha fez o que se esperava dele, mas agora precisa ir-se para destravar o processo. Acontece que ele não quer sair de onde está, até porque, como muitos sabem e dizem, não é um mau lugar e ele precisa de mandato e de não sangrar, porque se verter sangue as piranhas da inquisição o pegam.

O golpe que leve Dilma e Michel juntos não interessa ao governador Alckmin, evidentemente, porque instalaria na presidência o senador Aécio. Obviamente, não interessa tampouco ao senador Serra, que queria ser ele mesmo o homem a servir aos patrões o precioso óleo mineral. Ademais, Serra não teria quaisquer chances para 2018, tanto por ser péssimo nas urnas, quanto por ser detestado por Alckmin, que hoje manda no PSDB.

Em um partido como o PSDB, nenhum desses dois políticos paulistas proeminentes acreditaria em acordo com Aécio para que ele, uma vez instalado na presidência, não concorresse em 2018. Haveria, isso sim, a desintegração do partido, em lutas fraticidas piores que as ocorridas nas últimas presidenciais.

Por outro lado, a tentativa de focar o golpe do impedimento apenas em Dilma, quando os motivos invocados atingem tanto ela quanto Michel, seria muito arriscada. As farsas devem ter tamanhos adequados, não convindo as exagerações demasiado grotescas.

Claro que sempre há um punhado de juristas de algibeira a soldo da imprensa dispostos a sustentarem a aberração de que o processo de impedimento é puramente político. Não é. Puramente político, do ponto de vista teórico, é o processo eleitoral, principalmente tratando-se de eleição para cargos majoritários.

O povo – detentor da soberania, ao menos em tese – vota diretamente para presidente da república. Os parlamentares, mandatários e, portanto, exercentes da soberania em segundo grau, em nome do povo, não podem decidir derrubar o presidente apenas porque o querem fazer. Os parlamentares não têm mandato para violar a vontade popular expressa na eleição do presidente, sem razões jurídicas sólidas para tanto.

Assim, o impedimento sem motivos antecedentes – a prática de ilícito que implique responsabilidade do presidente – é um impedimento de fancaria, uma inconstitucionalidade clara como o céu de Brasília, uma coisa que pode destampar reações inesperadas, de tão farsesca.

O chefe de Estado eleito por maioria do povo não é apeado do cargo por capricho ou porque o parlamento acha que está sem condições de governar. Não cabe ao parlamento revogar o mandato outorgado pelo povo por qualquer outra razão exceto a pratica delituosa nítida. E, no caso de tentarem separar os casos de Dilma e Michel, terão de partir para tal aberração.

Claro que aberrações têm sido comuns no jogo político, seja ele jogado no congresso, seja nos tribunais. A destruição do Estado de Direito já vem de algum tempo e é realizada sistematicamente pelo judiciário e pela imprensa. Todavia, nos últimos processos políticos conduzidos nos tribunais fez-se hercúleo esforço para manter as aparências, para que parecesse haver forma jurídica.

No caso do impedimento não antecedido de motivos e focado apenas na presidenta, a fraude será desmedida. Até os processos políticos que contam com o acobertamento da imprensa requerem proporcionalidade. Quando um processo é visivelmente desproporcional, acontece o que se dá diante do muito feio, diante do grotesco: a incompreensão.

O STF deve julgar, não se vingar, se emocionar, ou se indignar.

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Constituição da República Federativa do Brasil

Não tenho quaisquer especiais simpatias ou antipatias pelo Senador Delcídio do Amaral. Não votaria nele para qualquer cargo eletivo e isso não somente a partir dos acontecimentos desta semana, notadamente sua prisão ilegal.

Tenho, sim, profunda antipatia por um poder de Estado destituído de legitimidade popular que nega vigência à Constituição da República. Principalmente quando o faz por meio do seu órgão máximo, a que compete precisamente a defesa da lei mais importante.

O aplicador da lei, ou mesmo o intérprete dela, se se preferir essa manobra semântica, não cria a regra geral nem a deve violar frontalmente, mesmo na forma sub-reptícia de negar-lhe vigência com amparo em discurso emotivo e farisaico.

A prisão do Senador Delcídio é uma aberração jurídica perpetrada pela mais alta corte de justiça do Brasil.

A prisão de um congressista somente pode acontecer em flagrante de crime inafiançável. Não há prisão preventiva de um congressista diplomado, segundo a Constituição. O decreto de prisão do Senador ampara-se no art. 324, IV do Código de Processo Penal. Essa norma diz que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.

Essa norma veda a fiança, mas não amplia o rol dos crimes inafiançaveis. São inafiançáveis os crimes de racismo, de tortura, de tráfico de entorpecentes ilícitos, os crimes hediondos, de terrorismo, e de genocídio e praticados por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Isto se encontra nos incisos XLII e XLIII do artigo 5º da Constituição Federal.

A prisão do Senador não foi pedida e deferida por qualquer um dos crimes inafiançáveis. Logo, teria de ter sido feita e acatada por crime em flagrante. Mas, em caso de flagrante, o preso teria de ser imediatamente conduzido à autoridade judicial responsável, no caso o ministro relator no STF, o que não ocorreu.

Não houve crime inafiançável, nem flagrante. A decisão é uma monstruosidade jurídica advinda do tribunal maior do país.

Os juízes do STF ficaram melindrados porque uma gravação ambiente sem conhecimento do gravado dizia que ele obteria vantagens inclusive por meio de juízes daquela corte. Ficar com raiva, com espírito de vingança, com vontade de punir exemplarmente é algo adequado a jornalistas de programas policiais vespertinos, na TV.

A vingança está no âmbito da honra privada, não da pretensão punitiva do Estado.

Neste caso, não estavam presentes as condições exigidas pelo parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição da República. O decreto do stf é inconstitucional, portanto.

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