Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Autor: Andrei Barros Correia (Page 50 of 126)

A palo seco, de João Cabral de Melo.

1.1.
Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino.
1.2.
O cante a palo seco
é o cante mais só:
é cantar num deserto
devassado de sol;
é o mesmo que cantar
num deserto sem sombra
em que a voz só dispõe
do que ela mesma ponha.
1.3.
O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.
1.4.
O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;
é um cante que exige
o ser-se ao meio-dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia.
2.1.
O silêncio é um metal
de epiderme gelada,
sempre incapaz das ondas
imediatas da água;
A pele do silêncio
pouca coisa arrepia:
o cante a palo seco
de diamante precisa.
2.2.
Ou o silêncio é pesado,
é um líquido denso,
que jamais colabora
nem ajuda com ecos;
mais bem, esmaga o cante
e afoga-o, se indefeso:
a palo seco é um cante
submarino ao silêncio.
2.3.
Ou o silêncio é levíssimo,
é líquido e sutil
que se ecoa nas frestas
que no cante sentiu;
o silêncio paciente
vagaroso se infiltra,
apodrecendo o cante
de dentro, pela espinha.
2.4.
Ou o silêncio é uma tela
que difícil se rasga
e que quando se rasga
não demora rasgada;
quando a voz cessa, a tela
se apressa em se emendar:
tela que fosse de água,
ou como tela de ar.
3.1.
A palo seco é o cante
de todos mais lacônico,
mesmo quando pareça
estirar-se um quilômetro:
enfrentar o silêncio
assim despido e pouco
tem de forçosamente
deixar mais curto o fôlego.
3.2.
A palo seco é o cante
de grito mais extremo:
tem de subir mais alto
que onde sobe o silêncio;
é cantar contra a queda,
é um cante para cima,
em que se há de subir
cortando, e contra a fibra.
3.3.
A palo seco é o cante
de caminhar mais lento:
por ser a contra-pelo,
por ser a contra-vento;
é cante que caminha
com passo paciente:
o vento do silêncio
tem a fibra de dente.
3.4.
A palo seco é o cante
que mostra mais soberba;
e que não se oferece:
que se toma ou se deixa;
cante que não se enfeita,
que tanto se lhe dá;
é cante que não canta,
cante que aí está.
4.1.
A palo seco canta
o pássaro sem bosque,
por exemplo: pousado
sobre um fio de cobre;
a palo seco canta
ainda melhor esse fio
quando sem qualquer pássaro
dá o seu assovio.
4.2.
A palo seco cantam
a bigorna e o martelo,
o ferro sobre a pedra
o ferro contra o ferro;
a palo seco canta
aquele outro ferreiro:
o pássaro araponga
que inventa o próprio ferro.
4.3.
A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos,
desenho de arquiteto,
as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.
4.4
Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente.

O Brasil não é um país sério: racismo na Universidade Federal do Maranhão.

Vem a tona um caso paradigmático do que é a mentalidade da classe dominante brasileira. O caso particular chega a ser caricatural, pelas circunstâncias que o envolvem, destacadamente por ter sucedido no Estado do Maranhão, que ocupa a pior posição na lista de IDH – índice de desenvolvimento humano dos Estados brasileiros. O IDH do país é baixíssimo, o do Maranhão é revelador da ante-sala do inferno. Mais adiante ficará evidente a razão dessa menção ao IDH.

O caso é que um africano, nigeriano, preto, é aluno do curso de Engenharia Química na Universidade Federal do Maranhão. Ele vem sendo vítima do crime de racismo, praticado pelo professor Cloves Saraiva, que, segundo noticiado nos links que estão ao final, agride o aluno constantemente. Pergunta-lhe por que não volta para a África, que aqui somos civilizados, diz que deve clarear sua cor, faz piada com a sonoridade do nome do aluno, relacionando-a com o vulgar no cú.

É um retrato sem retoques do baixíssimo nível da figura média componente das classes dominantes brasileiras. Um professor universitário de engenharia química presta-se a fazer anedotas vulgares com a sonoridade de um nome próprio em outra língua! Esse bárbaro oferece-se ao ridículo abertamente ao dizer que o aluno volte para a África, pois que aqui somos civilizados. Civilizados!

O professor do Maranhão, esse grande civilizado, acha-se na civilização. Vou dar uma pequena idéia da civilização em que ele insere-se. Em 2005, o IDH do Maranhão era de 0,683, comparável, em termos mundiais, ao Gabão, curiosamente situado na África e, até onde se sabe, raramente utilizado como parâmetro de civilização, nos termos em que o professor usa o conceito.

Ainda segundo os dados de 2005, o IDH – Educação do Maranhão é de 0,784, comparável, em termos mundiais, a São Tomé e Príncipe.

Vamos adiante: o IDH – Renda do Maranhão era, em 2005, de 0,57, comparável, em termos mundiais, ao Vietnã!

Em termos de esperança de vida, o índice de longevidade do civilizado Maranhão é de 0,696, em dados de 2005, sempre. Comparável ao Uzbequistão.

Esse primor civilizacional foi produzido por uma classe dominante de que é honroso representante o professor racista! O produto revela o nível de seus produtores, evidentemente.

Professor no Maranhão é acusado de racismo contra africano

Crime de Racismo na UFMA

Poder e as prisões da alma. O prisioneiro concorda em dar sua dignidade.

 

Uma velha doente, tem leucemia, de 95 anos, foi submetida a uma revista e a retirar a fralda geriátrica, em um aeroporto da Flórida, nos EUA. O funcionário da segurança do aeroporto percebeu algo estranho em sua perna. Levada para uma sala à parte, a filha da idosa foi obrigada a assea-la, sim, porque estava suja, antes que os funcionários a revistassem detalhadamente. Revistar detalhadamente uma idosa de 95 anos, despida!

Sim, os funcionários de um aeroporto norte-americano vêm perigos em velhas de 95 anos, doentes, incapacitadas. Põe-nas em situações mais aviltantes que aquelas já proporcionadas pela vida. Reduzem a dignidade ao rés do chão, porque afinal não têm qualquer rasto dela; não acreditam nela, não a têm em si e, assim, não podem reconhecer a perda do que não conhecem.

Dirão a palavra segurança, mil vezes, se se acharem obrigados a dizerem algo. Mas, segurança não têm a mínima idéia do que seja, escravos de uma engrenagem demoniacamente democrática no rebaixamento. Sentem prazer em fazê-lo? Provavelmente, um prazer difuso, mal percebido, mas sempre um prazer. De poder, de rebaixar indistintamente, de deixar claro o poder que reside em igualar desigualando na insensatez. Fazer triunfar a insensatez animalesca com alguma desculpa que mal compreendem.

E está tudo ordenado para que o agredido, o humilhado, um pouco menos bestializado que o agressor, ainda assim sinta-se obrigado a buscar para a agressão uma explicação racional. Para submeter-se fazendo sua submissão ser algo voluntária, como que inescapável, porque afinal os poderes são fortíssimos e ser diferente é indecente.

Terá passado pelas cabeças da idosa e de sua filha mandarem tudo à puta que os pariu e dar meia volta, desistir da viagem? Talvez, mas seria escandaloso nesse país campeão em hipocrisia e violência, que fala em liberdade, como de um nada qualquer, e não respeita qualquer liberdade. Seria mais constrangedor ser livre que ser escândalo a não aceitar voluntariamente a falta de liberdade e a humilhação da canalhocracia.

Assim operam os poderes fortes nos discursos técnicos ou científicos. São irresistíveis até sem coacção física, porque são poderes do discurso epistemológico. Encarceram coercitivamente apenas nos casos mais extremos, como a prisão, o manicômio ou o hospital. Não há recursos, não há apelações, não há outras instâncias, pois todas são escalas da mesma coisa.

Sem coerção física coagem pelo medo da diferença. E não se cuida do medo da diferença social, somente, mas do medo da diferença entre o normal – aquele que acredita no saber técnico – e o anormal, aquele que acredita em si. Dá medo duvidar do especialista, do detentor do saber técnico, seja ele jurídico, psiquiátrico ou médico, ou seja, de qualquer enunciador de um saber poder.

A liberdade é Monicelli, mas há poucos dele…

B Fachada, uma pequena reação aristocrática. Ele parece reinvindicar Hermes.

Alheio a tudo que não conheço – o que é um truísmo purinho – obviamente não sabia quem era B Fachada.

Olívia voltou de Portugal e trouxe-me a única coisa que me podia agradar, a mim que não queria e não quero nada trazido de viagens, porque fico sem conseguir disfarçar minha indiferença. Mas, Olívia é inteligente e trouxe-me simplesmente o Público de ontem, em papel. Trouxe-me ainda outras coisas boas, como portadora, manifestações de uma cordialidade e de uma inteligência que me fazem falta: livros bons mandados por Miguel, mas essa é outra estória.

O jornal de sexta-feira vem com um razoável caderno cultural, um que acho ruim e complicado ler nas páginas da internet. Nada como papel, convenço-me cada vez mais. No papel do caderno estava uma reportagem com entrevista, sobre Deus, Pátria e Família, música de vinte minutos de B Fachada.  Evidentemente que é uma provocação, e principalmente com aqueles que aparentemente não são os destinatários dela. Sim, porque o destinatário aparentemente natural não verá a coisa senão vulgarmente, como reedição de um jogo já jogado.

O cara, o tal B Fachada, apresenta um pouco de reação aristocrática, que se percebe tanto na música, quanto na letra. A música tem frases melódicas lineares, simples, agradáveis pareceram-me. Tem fragmentações harmônicas bem marcadas, porque são vários pequenos andamentos nitidamente separados. E não recorre à batida, ou seja, ao ritmismo marcante.

A letra é a recusa do meio, do meio-termo, do meio bom, do meio ruim, do bonzinho e ruinzinho. Da intermediação pelos profissionais medíocres da representação política. Gente meia, de acordo a meio a meio, de precaução, de cuidados, de está ruim, mas, áh, podia estar pior.

Não à glória nacional
Não á força não letal
Já não canto sobre amores
Nem me perco no recheio
É que em terra de amadores
Basta ter o pau a meio

Isto, como se vê no verso acima, se não for um embuste do autor, é abordagem aristocrática. Desprezo pelo vulgo, afirmação de que entre amadores basta ter o pau a meio, não pode ser mais claro. Assim sendo, vai ser catalogado como alguma vanguarda, ser escutado muito por pouco tempo e percebido por quase ninguém.

Ele parece sair do binômio Apolo e Dioniso. Não parece estar a reclamar do predomínio apolíneo medíocre. Não clama propriamente por a entrada em cena de Dioniso, para ocupar o espaço e contrabalançar Apolo em sua versão vulgar. Ele parece convocar Hermes, o que resulta muito diferente…

Sim, outro característico muito aristocrático: está disponível gratuitamente aqui:

http://mbarimusica.com/download.aspx?file=B_Fachada_Deus_Patria_e_Familia.zip

 

Presidente Dilma: um discurso de Kennedy que merece ser ouvido.

http://youtu.be/OB6klulKffE

Presidente Dilma, a imprensa brasileira vai tentar retira-la da presidência, cedo ou tarde, porque distribui migalhas que os nazis, ou retém ou jogam fora, avaros ou com mania de limpeza!

Vão fazê-la manter secretos documentos que em nada ameaçam o país. Ameaçam, sim, as reputações dos que não nas têm! Ameaçam um país com menos de quinhentos anos de história a comportar-se como se tivesse nascido ontem.

Há momentos para rompimentos, é preciso percebe-los. Se se perdem os momentos, os rompimentos ocorrem de toda forma, mais ou menos cedo. Adia-se. É grande conquista adiar?

Paraíba masculina, de Humberto Teixeira, por Luiz Gonzaga.

O que se conta é o seguinte: Antônio Silvino era o canganceiro mais conhecido dos sertões nordestinos, até aparecer Lampeão. Silvino chamava-se, de batismo, Manuel Batista de Morais e adotou o novo apelido em homenagem e demonstração de fidelidade ao antigo chefe, depois deste morrer.

Uns dizem que essa música de Humberto Teixeira refere-se a um episódio de invasão da cidade de Princesa Izabel, na Paraíba, pelo bando de Silvino, em 1927. Na ocasião, dava-se uma seca tremenda e os homens teriam saído todos em busca de trabalho. As mulheres teriam defendido a cidade e posto o bando para correr, armadas de porretes de pau pereiro.

Há um problema nisso, é que Antônio Silvino foi preso em 1914 e ficou encarcerado no Recife até 1937, quando recebeu um indulto do Presidente Getúlio Vargas, por comportamento exemplar. Na prisão, ele trabalhava com couros – era exímio nisso – e ensinava o ofício aos outros presos.

Por outro lado, é conhecido o respeito que Silvino tinha com as mulheres, ao contrários de outros bandos, como o de Lampeão, onde as violações e espancamentos eram frequentes. Assim, o enfrentamento entre as mulheres de Princesa Izabel e os homens de Silvino não é plausível.

É mais provável que o episódio inspirador tenha sido a Guerra de Princesa Izabel, em 1930. Um conflito grande, dadas as circunstâncias, entre chefes políticos locais e o Presidente da Província da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

O líder de Princesa era o Coronel José Pereira Lima, que chegou a ter quase dois mil homens sob seu comando e criou o Território Livre de Princesa, área autônoma que não atendia ao governo da Paraíba. As forças públicas da Paraíba não conseguiram conquistar Princesa e sofreram derrotas humilhantes.

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