Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Autor: Andrei Barros Correia (Page 42 of 126)

Integração sul-americana e derrubada de corporativismos. Precisamos reconhecer diplomas automaticamente.

O Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai mantém uma união aduaneira e a liberdade de circulação de pessoas que, cautelosamente, não evolui para mais que isso. A lentidão no aprofundamento do Mercosul revela-se sensata. É difícil partir-se para moeda única, para a criação de instâncias governamentais únicas mais poderosas e para a liberdade comercial plena.

Nossas histórias não têm turbulências bélicas que recomendem tal nível de integração como prevenção de futuros conflitos. E nossas origens coloniais, com a colonização a sobrepor-se a culturas pre-existentes, não indicam que pensemos um pertencimento único, nem um futuro único.

Claro que boa parte desses aspectos aparentemente desagregadores foi estimulada e destacada pelo novo colonizador, os EUA, que nunca tiveram interesse no êxito da união. Mas, por outro lado, também é claro que nossas semelhanças recíprocas são maiores ou, no mínimo, semelhantes àquelas que inspiraram a União Europeia. A coisa é possível, enfim.

Hoje, a circulação de mercadorias é praticamente livre, embora haja casos de taxações extraordinárias. Mas, de regra, o comércio entre os países do Mercosul não se submete a impostos de importação e exportação, o que configura uma quase união aduaneira.

A circulação de pessoas também é deveras facilitada. As estadias dos nacionais em qualquer dos quatro países independem de visto e de passaporte, para estadias de até noventa dias. Para permanências a trabalho ou por qualquer outra razão, exige-se o visto, mas, na prática, as políticas soberanas dos países não impõem dificuldades à obtenção desses vistos. O trânsito de estudantes é muito intenso, por exemplo, e duvido muito que tenham se preocupado em pedir vistos e, no fundo, ninguém os molestará.

Interessante que cada país tem coisas que muito interessam aos outros. Falo aqui de profissionais licenciados naquelas que se costumam chamar profissões liberais. Ora, os quatro países julgaram-se reciprocamente confiáveis a ponto de permitirem o trânsito de mercadorias sem impostos, por que não deveriam liberar totalmente o trânsito de pessoas e franquear-lhe a liberdade de exercício profissional?

O que já foi feito significa um elevado nível de confiança e de vontade de integração. Significa que eles se reconhecem em situações institucionais semelhantes. Significa que reconhecem situações semelhantes para suas aduanas, para seus órgão de imigração, para seus órgão de regulação da qualidade industrial.

Por que não significaria reconhecimento igual de suas instituições de ensino superior? Se um carro feito na Argentina é legalmente idêntico a um feito no Brasil, por que um engenheiro licenciado na Argentina seria diferente de um brasileiro? Ou um médico? Tecnicamente, por razão nenhuma, claro.

A razão da vedação do livre exercício das profissões regulamentadas é puramente reserva corporativa de mercado. Reserva que se esconde atrás dos argumentos mais pueris possíveis. É hilário, por exemplo, uma corporação de ofício, a dos médicos, por exemplo, a defender a reserva de mercado amparada no argumento qualidade.

Qualidade? Qual o indicador que os levou a dizer que a qualidade da formação de um médico argentino é inferior à de um brasileiro? Na verdade, vistas as coisas de longe, sob perspectiva ampla, a conclusão contrária seria muito mais provável! E, mais provável ainda, é que a corporação de ofício queira, atavicamente, reservar-se o poder de dizer quem pode e quem não pode exercer o mister semi-divino e bem remunerado.

Não haveria maiores dificuldades práticas – e haveria nenhuma jurídica, além da empulhação habitual dos juristas – em tornar os currículos iguais, no caso da medicina e da engenharia. Afinal, são coisas que funcionam segundo as mesmas lógicas, independentemente das fronteiras políticas e geográficas. Mas, as corporações de ofício defendem seus poderes corporativos.

Com relação a advogados, a coisa seria mais simples ainda. Trata-se de um grupo em que a maioria é tão mal alfabetizada que a competição não precisa de reservas de mercado muito intensas. Além de ser grupo muito abundante, claro. Que problema haveria se uma invasão de advogados tomasse a Argentina? Nenhum, pois mal escrevem em português e em castelhano nada!

Para o público em geral, pouco importa que o médico a lhes atender seja brasileiro, paraguaio, uruguaio ou argentino. Importa que seja bem atendido e aos menores preços. Isso incomoda a corporação médica brasileira que, relativamente escassa, cobra o que quer e atende como quer. Superficialidade, negligência, erro são coisas do dia-a-dia, a que os clientes resignam-se.

São bons, muito bons e orgulhosos de suas competências? Então, não deviam temer a concorrência dos outros, que nada indica serem piores, ao contrário.

Ponhamos os bons frente aos ruins, então. Reconheçamos diplomas automaticamente, libertos dessa falsa noção de superioridade que quer manter uma qualidade que não se vê, ou coerentes com a noção de que os melhores não temem os piores. Escolham a lógica segundo a qual querem defender-se!

O diário lacrado?

Por Daniel Miranda Castro

 

Tanto tempo, quanto tempo
Quase penso
Da inércia, nasço tenso
No processo, não me aguento
Logo travo o andamento
Com o sonho me contento
Sinto ser muito propenso
A não expor meu rendimento
Falta um toque de bom senso
Nos tratores truculentos
“Pense mais no seu sustento”
“Pense menos no momento”
“Replique e serei violento”
Em tormento e só, me sento

Me exilo no caderno
Teço traços pós-modernos
Sentimentos muito ternos
Mas a técnica é um inferno

Contudo lacro o diário
E não me sinto um perdulário
Sei da física ao contrário
Da história atrás do armário
Por um tomo libertário
Nas artes um santuário
Seria até um visionário
Se tivesse um bom salário.

É possível homenagear-se um criador absoluto e atemporal?

Poderia acrescentar à pergunta do título outra: é possível agradecer a um criador absoluto e atemporal por qualquer coisa recebida por conta de pedidos insistentes? E quem não recebeu, deve ser considerado pouco insistente ou, se for para ser considerado indigno, por quais critérios?

Não vou esconder o que me anima a escrever essas mal cozidas linhas. E a profusão de graças a deus, foi deus que meu, glória a deus, se deus quer quem impede, deus me proteja e deus isso e deus aquilo.

Por simplificação, adotarei uma visão monofisista e considerarei as palavras deus e Jesus sinônimas, porque de fato tornam-se. E, por honestidade, vou dizer que escrevo, não como adepto de algum cristianismo, mas claramente como adepto de uma ortodoxia que se escandaliza com a vulgaridade selvagem dos homens a lançarem mão de dogmatismos rasos.

Se alguém vive imerso nas suas superstições – e todos nós vivemos, sejam elas anímicas, quase-platônicas ou científicas de almanaque – que assim viva. Agora, se alguém vive essas superstições como se fossem as únicas possíveis e configuradoras de códigos universais, a coisa complica-se.

A vontade de mandar nos outros é característica das pessoas que, para tanto, servem-se das mais variadas armas. O discurso absurdo é a pior delas. Quero apontar que o discurso absurdo é diferente do discurso sobre o absurdo, para evitar confusões previsíveis. É diferente dizer que o absurdo existe e dizer que o absurdo justifica que fulano mate sicrano ou encha o saco deste último até ele mesmo começar a discursar absurdamente também.

Se qualquer coisa criou tudo que há sem ter sido criado, ela também criou o tempo ou, em outra forma de ver, está fora do tempo, pois não no criou para a ele submeter-se. Se as criações dessa coisa criadora estão no tempo, a ele submetem-se, elas não são consubstanciais ao criador. Se elas, enfim, não são a mesma coisa coisa, tampouco podem comunicar-se.

Se pensarmos em tempo, uma pedra é mais substancialmente próxima do criador dela e de tudo que as pessoas, porque as pedras costumam viver mais que as pessoas. Mas, as pedras não têm a horrível possibilidade de se pensarem pedras não-pedras. As pessoas têm tal capacidade e utilizam-na para serem pessoas em camadas, pessoas com tanto medo do tempo que, ou querem estanca-lo, ou perpetua-lo.

Querer perpetuar o tempo é próprio de quem a ele submete-se, porque o atemporal não tem essa preocupação, evidentemente! Em sentido inverso, quem está no tempo não concebe o infinito, senão em imagens finitas, mais ou menos belas, mas sempre imagens e, não tempo.

Se há uma coisa criadora, ela não precisa nem compreende homenagens, porque somente as compreenderia se viessem de outra coisa igual e também criadora. Um exemplo vulgar pode dar uma comparação, ainda que precária: a melhor guitarra produzida não é uma homenagem ao luthier que a fez.

Se há uma coisa criadora, ela não deu automóveis, casas, nem fortunas a pessoa alguma. Simplesmente, porque essas coisas não foram criadas por ela. Agora, é possível a deliciosa conclusão de que, por derivação, o criador deu tudo, o antigo e o atual, porque criou as matérias e os meios de fazer as coisas.

Nesse sentido, deve-se admitir que há bastante lógica em agradecer-se ao criador pelas desgraças que existem ou, mais audaciosamente, negar que desgraças existam. Deve-se agradecer pelas doenças, por todos os males que podem acontecer às pessoas por conta da existência delas e das matérias à disposição. Enfim, se tudo advém de um criador – seja ele inerte depois da criação, seja ativo – e o criador deve ser homenageado, logo tudo deve ser homenageado.

Um santo estilita do deserto – cujo nome não me lembro – chegou a tal deliciosa conclusão e foi logo repreendido pela heresia de rezar pelo príncipe do mundo. Sim, ele foi às últimas consequências e rezava pelo demônio que, afinal, é parte da criação e merecia que se pedisse por sua alma ao criador.

Quer-me parecer que a vontade de glorificar-se, de homenagear-se e de fazer disso uma obrigação generalizada avança com a força que tem a propensão das pessoas a subutilizarem suas cabeças e a quererem mandar nos outros.

Haverá um ponto fantástico, um momento catártico em que todos, sem excepções, afirmarão nos seus carros ou estampado em suas roupas suas homenagens ao criador. Nesse momento, todos homenagearão e serão diferentes. Todos sentirão que homenagearam com a mesma intensidade, sinceridade e fervor, mas o criador os terá aquinhoado diferentemente…

As gentes das homenagens, glorificações, agradecimentos, louvores e que tais – comerciantes do pedir e dizer que pediram ao que não nas ouve – podiam lembrar que muitos serão chamados, mas poucos escolhidos.

Turismo no Brasil: uns números que deviam fazer pensar…

Leio no jornal matéria insípida sobre o turismo no Brasil e o turismo que os brasileiros fazem no exterior. Insípida, porque o assunto o é, se se limitar a alinhar números e propor os lugares-comuns de sempre.

Os brasileiros que viajam para o exterior gastam três vezes mais que os estrangeiros que vêm para cá. Claro, tem o real valorizado, o que permite viagens mais baratas, mas tem muito mais que a simples vantagem cambial.

O Brasil sempre foi muitíssimo fechado e de uma forma paradoxal. Ao mesmo tempo que as classes mais altas sonham com modelos fornecidos na TV de matriz norte-americana, elas vivem sua auto-referência plenamente.

A maioria das pessoas, ou seja, não somente as classes mais altas, acredita em uma espécie de particularismo brasileiro, o que não é sinônimo, nem de patriotismo, nem de avidez por conhecer a história, a geografia ou o desenho social do país. É mais uma crença de quem só tem ao espelho e, portanto, só tem a si.

Assim, as pessoas pensam que temos as praias mais espetaculares do mundo, as comidas idem, a cordialidade e outros lugares-comuns. Ora, há praias e comidas por todo o mundo, afinal há um mundo todo por aí! A única coisa realmente diferente que há neste país é a amazonia, extraordinária mesmo, na sua abundância sem paralelos de água e de árvores.

Nossa surpresa somente decorre da nossa ignorância. Ficamos pasmados se alguém foi a outras praias ou a outras Miamis, porque não sabemos que elas existem e ainda achamos estranho que os viajantes saibam. Realmente, um dos caracteres mais interessantes da ignorância é projetá-la nos demais e, talvez seja a característica mais agressiva.

Além da inexistência de reais particularidades ou delas assim tão marcantes e distintivas, há o preço e a qualidade do que se oferece ao turismo. Aqui, tudo tornou-se caro antes de tornar-se bom e bem feito. A imagem do paraíso tropical, ingênuo, de índios semi-nus a caminharem nas terras, de restaurantes escondidos bons e baratos, é algo que só fez sentido como imagem, e mais, como imagem nossa de nós mesmos.

Insisto a falar em praias porque somente elas – além da amazonia, que é outra estória – podem ter algum atrativo. Dito isto, sou obrigado a concluir algo terrível, mas inevitável: as cidades não oferecem qualquer encanto particular.

O pouco de arquitetura bonita que há, seja antiga, seja moderna, é vulgar. Se se tratar de ver as belezas da arquitetura colonial ibérica, é melhor ir ao Perú e à Colombia. Se o caso é deliciar-se com prédios altos e revestidos de espelhos, melhor e mais barato é ir a Nova Iorque, onde eles estão bem à vontade.

Andar a pé é uma aventura complicada, porque os passeios não foram feitos para serem passeados, os assaltantes ainda são numerosos, tudo é monolíngue. Os transportes urbanos são um desafio, porque são coisas, em geral, para gente desafortunada, que não pode ter um carro. As linhas de metro são poucas e pouco extensas. Os táxis são cariíssimos e muito voltados para roubar os turistas.

Trens, abolimos quase completamente para o transporte de gentes. Servem apenas para levar e trazer minérios. Não há um aeroporto com estação de metro! Não há muitas pessoas que falem mais que o português. Ao mesmo tempo, tudo está muito caro!

Dada essa situação de coisas, porque a surpresa com a pouca atratividade do país para turistas estrangeiros, se o destino é ruim e caro?

 

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