Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Autor: Andrei Barros Correia (Page 24 of 126)

As aparências pouco enganam. Bergoglio é jesuíta.

Assembléia de cento e quinze cardeais elegeu Jorge Bergoglio Bispo de Roma e Chefe do Estado Vaticano. O cardeal é jesuíta argentino e era Arcebispo de Buenos Aires; sua nacionalidade tem importância nenhuma, mas o pertencimento à Companhia de Jesus tem.

A imprena, e não só da periferia do mundo, tem insistido em aspectos do estilo de vida de Bergoglio, como o hábito de usar transportes públicos, o residir em apartamento modesto e o preparar suas próprias refeições. Ora, tais hábitos, em um jesuíta, só podem surpreender quem não os conhece absolutamente.

Surpreenderia, em um jesuíta graduado, que fosse inculto, ignorante, incapaz de dominar argumentação lógica-formal e, principalmente, que não fosse hipócrita. Mas, austeridade no trajar e no morar, aversão à ostentação, aparente auto-crítica, tudo isso faz parte do modelo deles. É uma ordem de sofistas.

A Companhia de Jesus segue um programa rigorosíssimo de busca e manutenção do poder, mediante abertura seletiva em busca dos mais capazes e dominação discreta, precisamente a forma do poder mais intenso. O jesuitismo, de certa forma, é como uma companhia que realmente adote a meritocracia para recrutar e fazer ascender aqueles mais adaptados ao seu projeto.

 Em comparação com outras ordens, são muito suaves e sutis, exceto em negócios que tinham a violência física como parte integrante, como deu-se no tráfico de escravos, é claro. Eles acreditam, com bastante razão, no poder do discurso e perceberam que a censura aberta é suma tolice, porque o inteligente não precisa ser censurado, que ninguém o escuta, e o burro tampouco, que não é capaz de enunciar algo sedutor.

Eles censuram o elemento médio por meio da sutileza de o levar a pensar importante nas opiniões que tem e a levar-lhe a pensar exatamente dentro do modelo previamente fornecido. São, em resumo e servindo-me de termo estrangeiro consagrado, o modelo do soft power.

Não foi à toa que vários Estados e a própria Corporação Romana precisaram expurgar os jesuítas em várias ocasiões, porque seus projetos de poder eram viáveis e cresciam rapidamente, à revelia de todo controle externo. O Marquês de Pombal teve muito a dizer a respeito, para ficarmos em um exemplo apenas.

Pois bem, o lugar-comum da moda é associar os modos austeros de vida particular e pública de Bergoglio a opção preferencial pelos pobres e por problemas sociais. O engano que pode haver e provavelmente há nisso advém da ausência de relação de uma coisa e outra, se considerarmos que a associação é totalmente arbitrária e baseada no cotejo de meioa dúzia de casos em que se mostrou certa.

O engano não provem das aparências, que de aparências não se trata aqui. Eles, os jesuítas, são assim mesmo. O engano provém do que se convencionou associar simbolicamente a tais ou quais formas de comportar-se em público e em privado. Essas associações de idéias são arbitrárias e dão-se segundo modelos pré-concebidos, sem que alguém preocupe-se em pensar o que há por trás e se há realmente alguma ligação.

Ortega y Gasset já dizia algo genial, em um dos ensaios de A Rebelião das Massas: é mais difícil dissociar idéias que as associar. Realmente, as associações estão praticamente dadas e funcionam quase automaticamente, são questão de pouca sagacidade. Uma vestimenta simples associa-se à pobreza; o silêncio associa-se à estupidez; a fala aparentemente simples associa-se à inocência e por aí vai.

O poder real e profundo e a riqueza grande não são ostensivos. Ostensivas, deselegantes e prolixas são as aspirações do poder pequeno e novo e do novo-riquismo. Convenientemente, as manifestações exteriores dos novos-poderosos e novos-ricos converteram-se, aos olhos do vulgo, na única expressão que reconhece como de poder. Daí, tem-se um bloco de atitudes pronto a ser associado à ambição e, no sentido inverso, tem-se um bloco de atitudes contrárias pronto a ser associado ao contrário.

A simplicidade comportamental não apenas aparente do novo Bispo de Roma foi associada a opção preferencial pelos pobres, inclusive sua imensamente sagaz escolha da alcunha Francisco, que remete ao Santo dos Pobres. Ocorre que essa associação não tem qualquer sentido próprio. Se se purgarem das atitudes significantes os significados que às primeiras não se relacionam necessariamente, a coisa fica clara.

Comportar-se assim ou assado é linguagem, além de alguma coisa de inclinação pessoal. Residir em apartamento pequeno, adjunto ao prédio da Catedral de Buenos Aires, não é opção significativo de opção preferencial pelos pobre, nem sinal tênue disso, senão afirmação de um belo estoicismo ou esteticismo forte, ou ainda elitismo em forma pura, seja por cálculo ou vontade muito sincera. O poder não se perde por isso, ao contrário reforça-se.

Um jesuíta no Bispado de Roma pode significar a retomada do crescimento do Catolicismo Romano ou seu precipitado fim.

 

 

A sagração do Tsar Vladimir Vladimirovicth Putin.

http://youtu.be/Q8xiD_c0apY

Precisamente o que teme a Europa, em silêncio e a falar de um falso temor de islamismo, porque de temores reais não se fala. Teme porque é onde há força e riqueza, porque a oprimiu e hoje depende de seu gás.

Teme a Rússia porque talvez receie uma vingança, já que contra a Rússia os europeus fizeram várias guerras de agressão. Zukhov só tomou berlim, em 1945, porque antes os alemães mataram 20 milhões de russos e quase tomam Moscou. Busquem o que disse Von Paulus, sobre o infame, suicida e assassino avanço a leste.

Talvez não na devessem temer, que nunca tencionou agredir a Europa, apenas, de algum tempo para cá, tenciona deixar de exportar a preço de nada suas riquezas minerais.

 

A liberdade não é azul, nem branca, nem vermelha.

A liberdade é substantiva ou adjetiva? De certa forma, parece que tanto faz que seja tomada como categoria ontológica por si, ou como predicado de um sujeito, ela é um elemento de confusão permanente e, assim, utilíssima nos discursos que menos esclarecem que confundem.

À partida, percebe-se que é axiomática, a partir do postulado o homem é livre. Axiomática, eis que a pergunta o homem é livre por que? revela praticamente inviável, na medida em que não se faz, nem, consequentemente, se responde. Não há razão, nem fato, que indique a veracidade ou a plausibilidade lógica do postulado, que, no limite, significa nada.

É nitido que a proposição é ideológica e axiomática, como são aquelas a dizerem o homem é bom ou o homem é mau. Em torno a isso, pode-se passar uma vida a investigar e mais que ser inútil a investigação – porque a utilidade é algo realmente desonroso em termos intelectuais – é querer distinguir se ocorre mais preto que branco em quadro com iguais ocorrências dessas variações cromáticas extremas.

Escapando de abordagens ontológicas e gnoseológicas, por superficiais que sejam, pode-se ficar com a proposição comum, que aceita conceituar a coisa como possibilidade de escolha. Isso implica que haja alternativas e que elas, em si, não condicionem previamente as escolhas, e mais, que haja consciência de todo o processo. Ou seja, é algo complicado até mesmo a partir da abordagem mais simples.

O modelo revela-se à compreensão pela válvula de escape que ele mesmo prevê, como frequentemente ocorre. Ele é normativo, tem estrutura de construção legislativa e tem fiscais autorizados, que se organizam no formato de grupos sacerdotais e corpos de juízes. Nossa matriz greco-judaica não faz as coisas de outra maneira além da legislação.

A válvula de escape, a exceção que permite ver o conceito de liberdade depurado, encontra-se no estado de necessidade, categoria de direito criminal que carrega a aspiração profundamente arrogante de pureza total de condicionantes externas.

O exemplo clássico dos manuais é aquele dos dois náufragos cuja salvação depende de uma tábua capaz de fazer flutuar apenas um. O que vencer a luta pela tábua não terá, juridicamente, cometido homicídio, porque não lhe era exigida conduta diversa, não se supõe que estivesse frente a duas ou mais alternativas, posto que uma delas seria sempre o próprio perecimento.

Aqui fica claro o limite: ele encontra-se na permanência do indivíduo. O modelo assume, portanto, existirem situações de falta absoluta de liberdade, o que afasta qualquer substantividade que se quisesse presente. Uma categoria substantiva não pode ser e não ser, em momentos cambiantes e determinados; isso é próprio das predicações.

A famosa exceção revela o que se esconde com a tenacidade do silêncio, a maior delas. A liberdade – entendida como ocorrência de opções – é, portanto, relativa às circunstâncias e, o que é nitidamente paradoxal, pode ser afastada pela conjunção de fatos perfeitamente aleatórios e independentes dos sujeitos em questão.

Diferentemente seria se o modelo não fosse tão permeado de axiomas de matriz religiosa. Se, por exemplo, se aceitasse que a permanência na vida encontra-se perfeitamente entre as escolhas possíveis, teríamos que o náufrago sobrevivente seria homicida, porque havia para ele a opção de deixar-se morrer. Mas, parece que a incoerência é necessária a todos os modelos que tentam apreender os comportamentos humanos.

A proposição da liberdade substantiva plena, sem exceções portanto, não carregaria absurdidade alguma, assim como não seria absurdo concebê-la como relativa, sempre. Isso de exemplos não me agrada muito, pois fica a parecer manual de direito, porém mais um pode ser valioso. Se os dois náufragos foram mãe e filho temos a possibilidade de aceitar sem escândalos que o limite foi atingido por outro lado e a liberdade estava presente onde poderia ser excepcionada: com tal dupla de sujeitos, não espantaria que um deles optasse livremente por morrer-se, precisamente para que não morresse o outro.

A exceção é arbitrária e axiomática, tanto quanto a regra e tanto quanto as demais exceções axiomáticas que se articulam para que o modelo seja aparentemente destituído de descontinuidades.

Em termos práticos, isso que se chamam opções possíveis não passam de comparações profundamente assimétricas de possíveis e prováveis retornos. As assimetrias são tamanhas que é fácil perceber-se a virtual ausência de liberdade, exceto se estivéssemos num modelo que consagra honradez em moldes de valentia de cavalaria. Don Quixote, se não fosse reputado louco, mas real paradigma, viabilizaria a coerência dessa proposição da sempre possível escolha livre, mas ele foi reputado louco…

Se eu caminho pelo passeio, de relógio no pulso e algum dinheiro no bolso e um simpático sujeito aborda-me de revólver em punho e exige-me o dinheiro e o relógio, tenho, em princípio, a liberdade de negar o pedido e arriscar-me a levar um tiro, que pode ser fatal, pode ferir-me gravemente ou pode ferir-me superficialmente.

As vantagens relativas de manter o relógio, o dinheiro e a honra de não perder as coisas exceto por vontade própria, por um lado, e evitar passar dez dias num hospital, por outro, são demasiado assimétricas. Existe a possibilidade e muitas vezes a opção mais custosa é feita, precisamente porque quem a fez reputou-a menos custosa.

Aqui, fica evidente que até os parâmetros de valoração dos custos relativos são arbitrários e remetem simplesmente à experiência e ao quantitativo. Ou seja, na maioria dos casos avalia-se mais positivamente perder bens que perder saúde, sentir dor ou perder a vida. Mas, a simples ocorrência da exceção, faticamente e mesmo em número reduzido, revela o paradoxo de parametrizar o normal supostamente absoluto a partir do simplesmente contingente.

A mesma sociedade que tacitamente aceita a ausência de liberdade em tais situações de preços relativos muito díspares – e assim revela profunda sabedoria do senso-comum relativizador – continua, se for convidada a falar mais teoricamente, a insistir nos seus absolutos relativizados cotidianamente.

O divórcio radical entre discurso subjacente ao modelo e realidade vivida a cada momento não desperta senão em dois ou três a percepção de que o modelo axiomático é uma prisão. As pessoas são ensinadas que há liberdade, tanto em assuntos e momentos que nada têm a ver com isso, como em casos de sua ausência evidente; e seguem a repetir o mantra, mesmo que suas experiências lhes mostrem inúmeros casos de diferenças brutais de preços relativos que indicam a ausência prática de qualquer liberdade.

A privação material extrema, por exemplo, deforma de tal maneira a capacidade de optar livremente que é estúpido supor a persistência de um campo de opções, exceto se se tratasse de algum grupo de heróis e santos sobre-humanos. Essa raça de Titãs, todavia, sabemos que foi exterminada em tempos pré-homéricos…

Joaquim Barbosa, os sindicatos dos juízes e a típica esquizofrenia institucional brasileira.

Os donos do poder põem seus cães amestrados para brigarem, esquizofrenicamente, claro, como deve ser no Brasil.

Joaquim Barbosa era deus até há pouco, elevado a essa dignidade pela imprensa, que saboreava o molho grosso do linchamento dos opositores a ela.

Eis que Barbosa começa a escorregar na faixa qualitativa de deidade, para o lado oposto. Breve será considerado das hostes do príncipe do mundo…

A nova e deliciosa briga, que o poder observa sentado a bebericar quem sabe uma Veuve Clicquot – por economia, claro, que as melhores são para espetáculos mais vívidos – envolve o ex-deus e os sindicatos de juízes.

O ex-deus disse coisas disparatadas, em meio a coisas sensatas. Disse, por exemplo, que o poder judicial brasileiro é conservador. É claro que é. Disse, por outro lado, que o pessoal do ministério público é rebelde, o que é sumamente falso. São da mesma compleição intelectual, as duas magistraturas.

O ex-deus vê diferenças onde elas inexistem, porque as duas magistraturas são igualmente conservadoras, auto-referentes e anti-democráticas. Essa gente toda pensa em salário, poder e chantagem, com exceções, é claro. E pensa e busca e obtem vantagens sem ter que pedir um mísero voto.

O ex-deus é profundamente maniqueísta e, pior, intelectualmente rasteiro, ao diferenciar o que se distingue, talvez, por meio ponto. A grandeza dos loucos que nada têm a perder recomendaria o atirar contra todos, mas o ex-deus não na tem, evidentemente. Ele precisa distinguir entre bons e maus.

Os sindicatos dos juízes atacam o ex-deus, coisa que não faziam até há pouco. O revide é tão tolo quanto o ataque: contraponto ligadíssimo ao ponto inicial e dele dependente. Esquizofrenia pura…

Filet mignon na manteiga, pimenta-do-reino, sal grosso e vinho tinto.

O filet mignon bovino é peça extremamente mole, quase sem gorduras nem nervos, mas pouco saborosa, de si. É uma peça cara, por essas bandas, também, basicamente por ser pequena, muito macia e por perder-se pouco depois de tratada.

Para que tenha vantagens além da maciez, dado o pouco sabor intrínseco da peça, convém que seja temperado e que esteja fresco e sanguinolento. Ele adquirirá o sabor aos temperos que se usarem e o sangue ajudará bastante na composição.

Há, basicamente, três maneiras de prepará-lo: em medalhões, em escalopes e como rosbife. Particularmente, prefiro o rosbife, mas dá mais trabalho e estou com preguiça.

O rosbife implica passar a peça inteira previamente temperada em óleo ou manteiga muito quentes, em uma caçarola, rapidamente. A peça ficará frita por fora e suculenta por dentro; depois, mete-se numa assadeira e rega-se com um pouco de vinho, por exemplo, e vai ao forno baixo por vinte ou trinta minutos. Resulta em uma panela e uma assadeira para serem lavadas ao depois…

Uma peça de trinta e poucos centímetros pode ser cortada em medalhões até aproximadamente um terço do seu comprimento; depois, se se continuar a cortá-la contra as fibras, resultará em medalhões muito pequeninos. Então, o restante da peça, na parte que se vai estreitando, pode ser cortada em finos escalopes, ou seja, no sentido das fibras.

Tomei uma peça de filet relativamente pequena, de menos que um quilo, e pus para repousar com sal grosso e pimenta-do-reino moída e um pouquinho de vinho tinto. Duas horas bastam para adquirir algo dos temperos. Depois, cortei-a em medalhões e escalopes e os mantive no mesmo suco, agora já com o sangue que havia dentro. Mais meia horinha.

Seria demasiado longo falar das vantagens e desvantagens da manteiga e do azeite para se fritarem os escalopes e medalhões. A preferência varia de dia para dia. Evidentemente, a manteiga resulta mais pesado, talvez por somar gosdura animal a gordura animal. Mas, é mais saboroso e foi a escolha para hoje. Convém lembrar, todavia, que a manteiga queima e a janela de oportunidade é menor que com o azeite.

Pois bem. Cortei cebolinha – essa planta filha dos deuses, quem sabe deuses mediterrâneos – em rodelinhas bem fininhas. Pus um grande pedaço de manteiga na caçarola e deixei-a derreter e se liquefazer; em seguida, a cebolinha entra na panela e fica a impregnar-se desse lácteo derretido e quente por quatro ou cinco minutos. Nesse ponto, tudo estará muito quente, como convém.

Começa a parte mais sedutora, olfativa e sonoramente: deitam-se os medalhões na mateiga quentíssima com rodelinhas de cebolinha já douradas. O cheiro da carne mole e ensanguentada no primeiro contato com a manteiga fervente é de fazer salivar alguém que não preze a culinária! O crepitar destes pedaços de carne frios subitamente apresentados ao calor gorduroso apraz até a um parcialmente surdo.

Aqui, um parêntesis, como sempre se devem fazê-los para falar do que veio antes: o sal grosso, daquele em grãos que parecem pedriscos, deve ser retirado de tudo que vá para uma caçarola, senão o resultado é desastroso. As carnes que vão para grelhas altas, como em churrascos, podem estar recobertas de sal grosso – que depois basta sacudi-las e retirar o excesso –  mas as que vão para panelas não.

Os medalhões devem ser virados algo rapidamente, pois não se pretende esturricá-los. Pouco tempo depois, deita-se na panela o caldo de sangue e vinho que havia acolhido a peça inteira, anteriormente. Nesse momento, baixa-se o fogo e tampa-se a caçarola, para os sucos impregnarem-se na carne e apurar-se o caldo que cozerá por dez ou quinze minutos.

Para acompanhar essa carne molíssima, gosto de arroz branco cozido com pouco ou nenhum sal. Há quem prefira batatas, que realmente acompanham bem o filet, principalmente se ele for cortado em medalhões grossos e resultar em pouco molho.

Um Malbec, argentino, obviamente, vai multiplicar o sabor dessa carne amanteigada. Quase todos são bons. Convém abrir as janelas de par em par, porque é provável que gotas de suor desçam discretamente das têmporas…

O Bispo alemão de Roma renuncia às funções. O subornado apaixonado e o culto são diferentes e semelhantes.

A renúncia do Bispo alemão de Roma às suas funções corporativas foi, por um lado, ato de grandeza: está velho, doente e com medo dos papéis que indicam atividades pouco edificantes do banco Vaticano e da corporação em geral.

Por outro lado, foi infame, pois revela pouca preocupação pelo antecessor, que foi deixado a fazer papel ridículo, a exercer o cargo fora de suas faculdades mentais e não teve a inteligência de fazer o mesmo que o sucessor fez.

Ambos trabalharam para o mesmo patrão. O primeiro, para quem quis perceber, era primário. O segundo, erudito e patife voluntário.

O primeiro teve êxito na derrubada do governo polonês e na lavagem de dinheiro que se fez a partir da P2, para tantos quantos se dispusessem a pagar o elevado preço cobrado pela Opera para branquear capitais.

Passou vinte anos a dizer tolices, que, na verdade, eram discurso ideológico pago pelos seus patrões.

Perto de morrer, o primeiro, que não era muito mais que um simplório apaixonado, teve clarões de grandeza. Tentou purgar-se antes de morrer. Em Cuba, iniciou o que seria grande em um pontificado pequeno e subornado. Disse que Cuba era ua questão Latino-Americana e, não, estadunidense.

A purgação do inocente – falta melhor palavra – que se vendeu é dramática. Ele conta palitos e digere com a raiva cara-a-cara de há quarenta anos. Uma e outra vez, os deuses dão-lhe a liberdade de ser homem, raramente, e ele fala…

O alemão dirigia os negócios do Estado chefiado pelo polonês. E dirigia a corporação no que é, para ela, mais importante que os negócios: o poder de estabelecer regras a partir de nada, ou seja, o poder de emular um criador.

O alemão tem a sorte dos cultos e inteligentes: sai de cena quando quer e lhe convém.

Cidadão de segunda classe. Ou, Sobrados e Mucambos precisa apenas de novos nomes.

Não me alongarei; tentarei ser o mais breve. A existência de garantias formais jurídicas serve ao Sobrado como amparo ao discurso de que nada mais precisa ser feito e que há igualdade no país. Mentira. Entre garantias formais e a efetividade delas, de maneira a superar ou diminuir a dicotomia com os Mucambos, vai longa distância.

Duas formas básicas de manter os Sobrados e os Mucambos são, primeiro, afirmar que não existe a diferença e, segundo, negar que o fosso mantém-se porque somos bandidos que consagramos garantias em lei, mas não damos a mínima para a efetividade delas. Os mecanismo formais que criamos para aparentemente dar efetividade às garantias, trabalham para os Sobrados.

Pois bem, terça-feira de carnaval é feriado no Brasil. Aqui, a legislação do trabalho prevê que haverá um dia de descanso semanal remunerado e que as jornadas não devem exceder a oito horas, com intervalo intra-jornada, se se quiser ficar no pagamento da hora de trabalho ordinária. E prevê que os feriados oficiais implicam o pagamento de horas extraordinárias, se o empregador quiser os empregados trabalhando.

Ou seja, o labor máximo por semana, a preço de hora ordinária, é de quarenta horas, assegurado, no mínimo, um dia de folga por semana. Quer isso dizer que se algum empregador quiser por seus empregados para trabalhar mais que quarenta horas ou para trabalhar em dia feriado, terá que pagar horas-extraordinárias.

Isso só vale para os funcionários e empregados dos Sobrados, todavia. Fomos, hoje, terça-feira de carnaval, almoçar em um restaurante chinês. Pelas tantas pergutei ao garçom se estavam pagando horas-extraordinárias, porque é feriado oficial. Ele disse que não.

Não pagam e isso parece normal. Normal, porque se o funcionário reclamar, é demitido e pronto. Mas, ele tem o direito, que está consagrado, inclusive, na constituição desse país demoníaco, em que a escravidão funciona mesmo quando todas as leis a proscrevem.

Soma, psiqué e pneuma. Ou, seria possível vender parte da alma ao Príncipe do Mundo?

Os gregos pré-helênicos deixaram-se seduzir pelas partições trinitárias e estabeleceram o modelo persistente até hoje da unicidade composta divisível, esse delicioso paradoxo.

Os elementos do humano poderiam traduzir-se por corpo, consciência e alma, a implicarem-se reciprocamente, aos pares, e a implicarem-se os três como condição da unidade. Aos pares, implicam-se necessariamente para a validade de cada qual e os três ao mesmo tempo como condição de existência não de cada elemento, mas da unidade do humano.

O preceptor do filho de Filipe da Macedônia forneceu um modelo que permeia quase tudo: ele estabeleceu como seriam feitas as definições e isso não foi pouca coisa, porque definir é das mais enraizadas manias. Segundo o caminhante, a definição faz pelo gênero próximo e a diferença específica.

Nesse quadro teórico, é fácil perceber que a partição trinitária da unidade humana serve bem ao propósito de a definir. O corpo estabelece o gênero próximo, em que se encontram os animais todos. A diferença específica insere complicações, porque não é uma, mas duas.

Psiqué, ou consciência, estaria de bom tamanho para diferença específica a definir o humano, na medida em que os humanos não a vêem senão neles mesmos, o que pode ser inclusive estreiteza de visão. Mas, achou-se de inserir mais um elemento, que implicando-se necessariamente com a consciência, inseriria um complicador: ele renderia ensejo a proposições para além da unidade e especificidade, ele abriu a porta para se pensar a permanência.

A consciência passa a ser a diferença específica que depende de uma alma, depende de um sopro. Os gregos pré-helênicos foram sabios a ponto de não inserirem um elemento criador nesse modelo, sabedoria que perde-se, todavia, com Platão, que oferece o modelo tão absurdo quanto triunfante dos planos superpostos.

Essa partição trinitária responde bem ao problema do sujeito que é objeto de si próprio, coisa que as ontologias posteriores não conseguem resolver, porque deixam-se aprisionar pela lógica da superposição de planos mais ou menos coincidentes ou, melhor dizendo, pela crença no ideal do ajustamento de um plano a outro, o que confunde qualidade e quantidade em problemas insolúveis e insere valor onde ele não funciona adequadamente.

O corpo e a consciência fundamentam a unidade do humano, a segunda a permitir um juízo sobre a extensão, que deriva inicialmente unidade de limitação física, espacial. Os corpos não se fundem, por um lado e, por outro, a perda de alguma parte não suprime a unidade. O corpo sem afecções age todo num mesmo sentido e sob comando único.

A alma entra na equação, a princípio, como causa formal da consciência. Isso evolui para causa formal de existência do uno e, mais notável, como elemento a permitir a proposição da permanência. O modelo trinitário vai aperfeiçoando-se constantemente, ou seja, vai sofrendo mutações que não significam necessariamente melhoras ou pioras, que não é disso que se trata.

Inclusive, esse modelo subjacente à definição do humano individual projeta-se para a tarefa insana de uma teologia. O monoteísmo resultante do preconceito mosaíco inoculado pelos inúmeros misticismos gregos e orientais e pelo neo-platonismo que vicejavam na bacia do Mediterrâneo no século I a.C. adota o trinitarismo como base teológica e tem êxito no absurdo cuja absurdidade torna-se argumento de sua própria autoridade.

Esse humano individual, indivisível embora trinitário, segue caminho com poucas perturbações, no mundo seguidor dos monoteísmos de matriz greco-judaica. A unidade eleva-se a dogma e nesse panorama uma heresia pouco percebida torna-se lugar comum. Acredita-se na possibilidade de se vender a alma ao Príncipe do Mundo, em barganha estranha a envolver a permuta de um elemento imaterial constitutivo da unidade por vantagens materiais.

A alma, único elemento da unidade que conceitualmente subsiste na ausência dos demais e passa a constituir a unidade em si e só, evidentemente desempenha o papel de muleta conceptual da idéia de permanência. Pois exatamente ela é admitida como o que será passado ao Príncipe do Mundo, na barganha que, no fundo, implica a fragmentação do uno.

Em perspectiva de rigor lógico, a venda da alma é inconcebível, sob pena de ruir todo o edifício conceitual do humano uno e idivisível. Realmente, se um elemento é destacado, a unidade acaba e, pior, o negócio seria irreversível, na medida em que a alma é permanente.

Cientes do problema, alguns seres mais sagazes deslocaram a percepção da coisa e insinuaram sutilmente que a barganha dar-se-ia pela consciência, o que inseriu relativização tão infame quanto são todas. Assim, a barganha não seria eterna e irreversível, primeiramente, e seria possível um pacto relativo não desestabilizador do sistema unitário, em segundo lugar.

A ciência, essa ideologia de laboratório, tardou mas veio em socorro da lógica da demi-vierge. Pelos anos de 1960, uns cirurgiões e neurologistas resolveram divertir-se com uma das poucas coisas interessantes abaixo do azul do céu: a unicidade da consciência. É possível que esse gozo não tenha sido inicialmente planejado e que tenha se revelado à medida que as investigações avançavam.

Fato é que um tratamento cirúrgico para portadores de epilepsia grave revelou a fragilidade da unidade humana, tão dogmaticamente aceite. Claro que a investigação em si e as implicações dela são amplamente desconhecidas, como acontece com as coisas mais interessantes.

Os cientistas propuseram a secção do corpo caloso, parte fibrosa que faz a ligação entre os dois hemisférios cerebrais. Assim, uma tempestade elétrica iniciada num hemisfério não se comunicaria ao outro, permitindo ao epilético manter a motricidade controlada no lado em que se deu o ataque, além de reduzir a extensão da desordem elétrica no cérebro.

Inicialmente, foi um sucesso aparente. Mas, aos poucos, percebeu-se que Stevenson não fizera apenas ficção e que o senhor Hyde é bastante real. Vários dos pacientes submetidos à calosectomia radical apresentaram a extraordinária manifestação da mão alheia. Nos destros, a mão esquerda agia autonomamente, em situações ligadas principalmente à violência física e à sexualidade sem travas morais construídas a partir de linguagem.

As alterações cognitivas foram igualmente fascinantes, com pacientes incapazes de nominar objetos submetidos à percepção táctil com a mão esquerda, quando impedidos de ver os objetos que lhes eram oferecidos ao contato. A informação táctil recebida na mão esquerda era dirigida apenas ao hemisfério cerebral direito, o que impedia sua percepção a partir da linguagem, que é predominantemente instalada no hemisfério esquerdo.

Mas, a mão alheia era a evidência de que, no mínimo, a unidade era algo mais complicado e certamente menos dogmático do que sempre se usou aceitar. Ora, embora a percepção da ação autônoma do membro superior permita dizer que a consciência não foi dissolvida, porque o sujeito percebe que sua mão age autonomamente, é certo que a unidade não prescinde da ação concertada de todo o corpo, sob uma só vontade. E isso não havia mais, nesses casos.

Tampouco seria inteligente identificar a ação da mão alheia a meros atos reflexos, porque era coisa de uma vontade alheia, mas ainda de alguma vontade, contrária à consciência. O problema é que sempre era decorrente de uma vontade elaborada em níveis de elaboração infra-liguagem. Isso pode conduzir à conclusão de que consciência é, em resumo, linguagem, e que vontade e consciência não são planos superpostos idênticos.

Bem, quaisquer que sejam as conclusões, algo de maravilhoso fica para os relativistas do pacto diabólico: afinal, parece ser possível a venda de parte da alma ao Príncipe do Mundo…

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