Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Autor: Andrei Barros Correia (Page 10 of 126)

Por que faz? Porque pode!

Este blogue ficou fora do ar alguns dias. Fez alguma falta? Não sei e, na verdade, acho que não, do ponto de vista da necessidade de alimentação de novidades, o que move a maior parte de quem anda a ver coisas na internet. Esse, afinal, não é um sítio de novidades.

Aqui não há furos jornalísticos nem inovações. Há muita chatice e coisas que interessam aos que aqui escrevem. Mas, soou como agressão o que o fez ter ficado fora por vários dias. Agressão não pessoal, mas à lógica do que permeia nossa vida: o mercado.

O domínio apocaodepanoramix.com estava registado na empresa UolHost. Este registo venceu-se e esqueci-me de pagar a renovação. Deu-se que no tal UolHost o domínio foi cancelado. Tudo bem.

Acontece que na confusa página da empresa registadora consta a possibilidade de resgatar o domínio, mediante o pagamento da renovação e um outro valor, estratosférico, diga-se logo.

Entrei em contato com o tal registador e pedi a emissão da guia para pagamento de quanto era necessário. Começou então uma romaria de contatos com vários atendentes despreparados. Todos a dizerem as mesmas tolices e a resolverem nada.

Ao final de um dia a conversar as mesmas idiotices com gente que se porta como barnabés resolvi registar o domínio em outro canto, com sutil alteração.

Ocorre que insistiam em perguntar o que havia e nada havia. E mantinham meu cadastro associado a um domínio já cancelado!

Ora, se já estava cancelado, porque manter meus dados relacionados com a criação de um domínio já cancelado? Chantagem, o que percebi logo.

Diante da insistência em cancelar meus registos os atendentes do UolHost limitaram-se a dizer asneiras e a pedir, ao final, que telefonasse para eles. Poucas coisas podem ser mais inúteis que telefonar para um serviço desses, em busca de cancelamento.

Aliás, há recente norma da ANATEL a prever que os consumidores têm direito a cancelar seus serviços contratados sem terem que penar ao telefone em ligações que sempre caem, passam de um a outro ou simplesmente não se completam.

Esse é o tipo de serviço privado que os privatistas dizem ser bons. Os mesmos tipos que se tratam à custa de todos os brasileiros no SUS, que dizem ser ruim…

O altar da Metafísica.

Júpiter enlouquece primeiro aqueles a quem quer perder.

Supostamente Eurípedes.

As Luzes, no século XVIII, tiveram a extravagante pretensão de ter expurgado do âmbito legítimo de cogitações a metafísica. Alguns, menos audaciosamente, pretendiam tê-la mantido no seu lugar próprio, na zona localizada entre o mito e a fé. De qualquer forma, a ela não era mais dado postular o lugar sagrado agora ocupado pela ciência.

O que aconteceu, desde então, parece ter sido precisamente o inverso, contudo. A Metafísica desceu dos céus e instalou-se confortável entre os homens. Passou a inspirar-lhes as ações mais cotidianas, a impregnar todos os juízos, mesmo os mais supostamente epistemológicos.

A ciência não passa de uma religião, tamanha a carga axiomática que carrega nos pressupostos a partir de que as teses supostamente neutras são desenvolvidas. A economia, esta principalmente, é um credo permeado por equações matemáticas a serviço de conclusões desejadas previamente.

Quem apontou algo interessantíssimo a aclarar a presença entre nós da metafísica – aquela que teria sido sepultada pelas luzes – foi Carlos Marx, ao tratar o fetiche da mercadoria. Esse fetichismo não poderia surgir de outra coisa senão da impregnação metafísica no cotidiano. Não é apenas resultante de um processo consciente e muito ordenado para apropriação capitalista.

Ou, melhor dizendo, um tal projeto, concebido à semelhança do que hoje chama-se marketing de massas, não teria tamanho êxito se o terreno não fosse antes fértil. Ele é fértil, ou assim foi tornado, exatamente pela incorporação da metafísica a quase tudo que move as pessoas.

O fetiche é antes de tudo o estado da ausência de razão, de razão entendida mais sob o aspecto utilitário. Nisso diverge um pouco da metafísica, que é por demais utilitária, mas convergem na ausência de razão. Nessa convergência encontra-se uma quase sinonímia entre os termos.

A metafísica no cotidiano forneceu a base segura da fetichização da mercadoria, pois a valoração para além do uso e a partir de balizas míticas ou simplesmente inexistentes somente pode amparar-se numa crença. Capitalismo acumulador e crença são, portanto, inseparáveis…

Prends la soupe, petit garçon!

Agosto é um mês terrível no entre-douro-e-minho. O calor é infernal e os dias são demasiado longos até para quem gosta deles longos. O sol é inclemente e fico a pensar na quantidade de problemas cutâneos que terão no futuro os locais e os europeus do norte, todos a sonharem com uma tez acobreada, que obtém.

Este inferno de calor e sol tem suas compensações; bem poucas, é verdade. A cidade, Braga, no caso específico, fica esvaziada de seus moradores das classes médias e altas; pois estão todos a cumprirem suas obrigações de veraneio nas praias vizinhas. Torna-se mais fácil caminhar e tomar um fino aqui e acolá, exceto ir a centros comerciais, é claro.

Não faz muito sentido está necessidade premente de ir à Póvoa, a Esposende, à Vila do Conde e a onde mais próximo seja. Isso seria perfeitamente compreensível se se estivesse na Suécia, mas onde há quatro meses de calor e oito de relativo frio, é um pouco como arremedar hábitos suecos. Não é disso que se trata, todavia.

Em agosto, todo o êxito obtido pelos emigrantes em França, Suíça e Luxemburgo mostra-se. Quem saiu de seu país obrigado precisa mostrar aos filhos dos privilegiados de antanho que prosperou. E assim se faz! Não são poucos os automóveis de último tipo com registros de França e não é pouco o francês que se escuta por toda parte.

Dizer que na cidade ouve-se tanto francês quanto português seria sucumbir à sedução do exagero. Mas, dizer que no Sá Carneiro ouvia-se tanto uma quanto outra língua em iguais proporções seria apenas cumprir dever de honestidade.

Nos centros comerciais, esses infernos menos quentes, a coisa pode tornar-se cômica. Estava num deles – o maior de quantos na cidade – e, sentado a comer algo, prestava atenção em um grupo sentado ao lado. Havia duas gerações e muitos colaterais.

A senhora, mãe do menino a quem alimentava, dizia-lhe, com ar impaciente:

– Prends la soupe, petit garçon.

E nada resultava, porque o menino fazia birra e divertia-se com primos e amigos e um previsível telemóvel. Ao que a senhora insistia:

– Prends la soupe, petit garçon!

E nada do menino tomar a sopa…

– Prends la soupe, garçon!

Eis que a senhora, muito velha pra ser de língua mãe gaulesa e muito nova para se ter esquecido da língua mãe, torna a ser aquela de há quarenta anos, despe-se da bem assimilada língua de Molière, e explode em autenticidade:

– Toma logo esta sopa, menino, senão parto-te os cornos!

O menino, que certamente fora alfabetizado em francês, porque nascido em França, percebeu logo que a brincadeira terminara. Curioso, porque certamente entendia melhor as exortações na sua língua nativa, mas não ignorava a gravidade do retorno súbito da sua mãe à língua nativa dela.

Exportadores ou contrabandistas e pequenos burgueses ávidos por espelhinhos?

Eis que o dólar norte-americano aproxima-se de custar quatro reais e isso parece ser uma mudança de patamar na taxa de câmbio, mais que apenas esquizofrenia e chantagem de mercado. E isso é bom, pois a moeda brasileira estava muito valorizada. Claro que esta desvalorização a par com aumento dos juros dos títulos públicos é a ante-sala do suicídio, mas esta é outra conversa…

O dólar barato encarece coisas brasileiras como soja, café, assúcar, carnes, minérios, aço processado, alumínio processado e outros produtos mais de pouca elaboração e pouco dependentes de insumos importados. A perda de competitividade na exportação dessas commodities é dramática para o balanço de pagamentos e para a manutenção de reservas em moeda conversível.

Claro que não é algo tão elástico a ponto de ser desejável ter a moeda nacional extremamente desvalorizada, porque resultaria inflação, na medida em que importa-se muita coisa banal e insumos importantes. Como está, atualmente, parece um ponto de razoável equilíbrio.

Acontece que isso desagrada quem sempre está desagradado: a classe média que nunca viajou tanto ao exterior em busca, na enorme maioria das vezes, de comprar bugigangas baratas, seja para as acumular em casa, seja para as revender aos deslumbrados seus semelhantes.

Nos espaços de convívio forçado com a pior parte da classe média brasileira – o trabalho, basicamente – essa desvalorização do real é assunto candente. Todos a lamentam, como uma verdadeira traição ou o último prego no caixão. Ficou mais caro ir a Miami! Como se vive assim?

O engraçado é que o pequeno-burguês a lamentar a alta do dólar tem de, logicamente, lamentar o aumento do custo da atividade de contrabando ou de compra leviana e enlouquecida de tudo quanto vê pela frente. Ora, fazer contrabando é ilícito; fazer compras como a satisfação de um vício é superficialidade em forma pura.

Lembraria o pequeno-burguês contrabandista-consumista que os dólares usados para estes deleites têm de entrar no país de alguma forma? Que esta forma primária é a exportação de produtos nacionais? Que esta exportação depende muito dos preços relativos?

O grande capital não é o único poder.

Com relação ao golpe de Estado que se processa no Brasil, a ser consumado por meios que lhe conferem aparências de formalidade, muitos começam a dizer que não ocorrerá porque não interessa ao grande capital nacional.

Esta negação parte da premissa – muito sedutora e difundida – de que o grande capital é a única coisa a basear o poder. Chamam-no base do poder real, esteio deste a agir por intermédio de vários delegados nas estruturas do Estado e na imprensa. Isso é, em grande parte, verdadeiro. Não de todo, nem em todas as épocas, todavia.

O dinheiro não é sempre e em todas as épocas o maior poder social, mesmo sendo a grande força de cooptação de estruturas burocráticas e da imprensa. Corporações e grupos de interesse que vivem à margem do Estado apresentam dinâmicas próprias e nem sempre é possível guiar-lhes os passos estritamente. Sempre há alguma imprevisibilidade.

É óbvio que para o grande capital nacional e para partes do capital estrangeiro com interesses no Brasil não interessa o golpe de Estado, pelo caos subsequente que trará. De regra – exceto para a grandíssima finança – a desorganização e a insegurança que dela resulta não são coisas boas. Reduz os ganhos, evidentemente.

Acontece, por outro lado, que o processo de semeadura do fascismo na pequena burguesia já dá bons frutos. Bons são os semeadores e boa a terra que cultivaram. Chegou-se a um ponto de não retorno e a imprensa não pode simplesmente passar a desdizer todo o discurso de ódio e estupidez que fez nos últimos quatorze anos.

Nem a imprensa por seus donos pode fazer isso agora – porque o ódio pequeno burguês voltar-se-ia contra eles – nem os seus empregados editorialistas e jornalistas querem desdizer-se, porque são como os vendedores de cocaína viciados nela. Eles acreditam nas tolices e brutalidades que dizem, enfim.

Por isso, mesmo que o grande capital não tenha sob uma perspectiva lógica interesse no golpe, será muito difícil, a estas alturas do processo, travá-lo. Por outro lado, se perceber que a coisa está consumada, o grande capital não verá grandes problemas em pagar os custos da readequação e partirá para compensá-los com mais espoliação financeira.

O fato terrível é que tiraram do baú um grande poder e poder descontrolado: a fúria moralizante dos que tudo ignoram e pensam a partir de notícias de televisão. Esse poder é dificílimo de arrefecer antes de entrar em reação em cadeia. Historicamente, seu controle só é possível com ditaduras…

A pequena burguesia, a hipocrisia e o direito a ganhar na loteria só porque jogou.

Deve haver por aí neste vasto mundo algo mais deformado que a classe média alta brasileira; eu, contudo, não sei onde isto se encontra. Duas marcas são-lhe inerentes e indeléveis: a hipocrisia e a percepção monstruosa do que seja risco.

Esta gente, que brada furiosa contra corruções que vê por todas as partes, sem saber bem de quê se trata ou como ocorra, é ávida pela exceção, pela relativização da regra, pela vantagem de algibeira, pelo argumento impertinente. Enaltece o estrangeiro precisamente pelo que ele tem de diferente deles e pelo que são incapazes de cumprir.

Tenho o infeliz encargo de administrar o prédio onde moro, porque exige muita paciência e dar explicações a gente que não admite ser contrariada. Prédio pequeno e antigo, com bons apartamentos à moda meio antiga; bom tamanho e bom acabamento, coisas de muito antes do fetiche do piso em porcelanato e de depois do bom gosto do piso em mármore.

No prédio, há um salão de festas na cobertura, onde também está uma pequena piscina. De regra, o salão está à disposição dos moradores, desde que o solicitem previamente e se comprometam a deixá-lo, depois, nas condições de limpeza em que o encontraram. Ou seja, o salão mantém-se fechado e a piscina é área sempre aberta.

Esta sala é nada mais que um espaço retangular de aproximadamente 250 metros quadrados, com mesas e cadeiras, dois banheiros e um pequeno balcão em granito e uma pia. É agradável; claro e bem ventilado. Não é adequado para banquetes ou grandes festas, evidentemente.

Eis que uma família moradora pede o salão para uso no domingo, das dez da manhã às dez da noite. Pede na quarta-feira, ou seja, com grande antecedência, e eu firmo a autorização e a ponho no elevador, no quadrinho de avisos, como de regra se faz para que os demais fiquem avisados.

Na sexta-feira, o porteiro procura-me com a cara meio contrariada e diz: a senhora fulana, do apartamento tal, quer falar com o senhor. Era a senhora da festa do domingo e perguntei se ele sabia o que ela queria. Disse-me que queria a chave do quartinho que fica lá na cobertura, acessível por uma porta ao lado da entrada do salão de festas.

Estranhei. Esse quartinho nada mais é que a casa de máquinas do elevador e espaço que tem uma escada de ferro que dá acesso à caixa d´água e, portanto, ao topo do edifício, onde não há muretas de segurança. Era óbvio que não poderia ser atendido o pedido da senhora fulana, tanto por não ter sentido algum, quanto por razões de segurança. Disse logo ao porteiro que não desse a chave.

Como infelizmente havia de ser, a senhora veio procurar-me…, hoje. Seguiu-se mais ou menos um diálogo assim, que que ela é fulana e eu sicrano:

– Bom dia.

– Bom dia senhora fulana.

– O senhor sabe, vou fazer uma festa de aniversário do meu filho, no domingo.

– Sei, sim. O porteiro me disse que queria conversar e me adiantou o que era. Acho que ele lhe disse que não pode usar o quartinho?

– Ele me disse e por isso venho explicar.

– Senhora fulana, permita-me interrompê-la. É uma questão de segurança, basicamente. Sei que a senhora compreende.

– Mas senhor sicrano, é o seguinte: contratamos um bufête. Vêm uma senhora e dois garçons. Eles precisam de um lugar para esquentar as comidas e preparar os pratos. Não dá pra fazer isso no salão! Fica feio!

– Eu compreendo senhora fulana, mas a casa de máquinas do elevador não é lugar pra fazer isso. Pode acontecer um acidente e será uma festa com crianças. Aquilo não é área de circulação. Se acontece um acidente, o condomínio fica exposto a ter de pagar uma indenização de quebrar as finanças.

– Mas senhor sicrano, é tudo gente responsável e não será área de circulação.

– Minha senhora, acidente é aquilo que conceitualmente acontece a despeito de serem todas as pessoas cuidadosas. Não estou dizendo que seus garçons, seus convidados e as crianças sejam irresponsáveis. Podem ser todos responsáveis e dar-se um acidente.

– Mas senhor sicrano, se não for assim perco a minha festa, o bufête!

– A senhora devia ter pensado nisso antes. Ao invés de achar que a sala de máquinas do elevador seria usada como cozinha.

– O senhor vai estragar minha festa!

– Não sei. Sei que não se pode usar uma área que não é do salão de festas para dar apoio a festa.

– O salão de festas não tem cozinha!

– Sim, não tem. A senhora sabia disso.

– A taxa de condomínio daqui é cara!

– É. São doze apartamentos só. A senhora sabia disso também antes de alugar o apartamento.

– Não tem jeito então?

– Não, não tem jeito. Espero que compreenda. Seria leviano e irresponsável se consentisse nisso.

– Mas meu filho onde o pessoal do bufête vai preparar as comidas? No meio do salão? Isso tá errado!

– Minha senhora, antes de contratar um bufête ou qualquer outra coisa, a senhora devia ter feito pensando no espaço disponível. Não devia contar com a sala de máquinas do elevador para isso. Isso é questão de segurança! E a sala de máquinas não é parte do salão de festas.

– Vai ficar mais caro pro condomínio, senhor sicrano! Vão ter que fazer na cozinha do meu apartamento e usar o elevador pra levar e trazer do salão de festas.

– Tudo bem. Pagaremos todos os custos adicionais da sua festa…

– Não tem jeito, então?

– Não. Não tem jeito. E não é um capricho. É que a sala de máquinas não é parte do salão de festas. Não sou irresponsável e isso pode dar problemas, acidentes. Espero que compreenda.

– Tchau.

– Até logo, dona fulana…

Este diálogo aconteceu. O que tem de formal e aparentemente falso deve-se a ter sido assim mesmo. Fui formal e preciso; não me alongo nestas ocasiões e uso de linguagem que beira o artificial. De certa forma obriguei minha interlocutora a também ser meio formal. Não no foi todo o tempo. Houve falas que extravasaram a raiva dela e a vontade da exceção.

Isso é um nada. Vários nadas desses são um retrato do caráter dessa gente. A gente que grita, que agride, que se indigna com corruções e outras coisas de moral de pequenos burgueses. Os indignados que pedem para instalar uma cozinha ao lado das máquinas do elevador…

O tolo prolixo.

Esse tipo social é interessantíssimo se o pudermos observar um pouco à distância. Interessante ainda que maçante e perigoso. Ele, geralmente, afeta mansidão, mas manso e pacífico não pode ser, tanto pelas idéias professadas, quanto pela forma de pensar não pensando. Sua aparente mansidão é efeito de preguiça, ou de covardia, ou de complexo de inferioridade – sua face mais sincera e portanto escondida.

É profundamente violento, pois são violentos os que mesmo prolixos não aceitam qualquer dialética e, ademais, operam a partir de um acervo prévio e limitado de idéias. Não gostam de ver correr sangue, mas pouco se lhes dá se este sangue correr fora do seu alcance visual. A hipocrisia evidentemente não poderia ser ingrediente alheio ao tipo.

O tipo não se pretende intelectual, o que, à partida, pode levar a crer não ser pretensioso; mas é profundamente pretensioso, contudo. Está certo de ser um ser atualizado – esta é sua marca e aspiração – e portador de informações gerais a comporem o acervo da conversação em sociedade.

Pretensioso também por julgar-se merecedor de feed back para todas as reproduções que faz do que recebeu da TV e de revistas supostamente informativas. Ora, não lhe passa pela cabeça que essas coisas não foram feitas para serem objetadas ou contrariadas, tamanha sua vacuidade. Não é capaz de um grama de originalidade – de nada que saia de sua própria cabeça – nem de reproduzir algo de nível.

Mas o tolo prolixo quer entreter uma conversação e aparenta querer ouvir opiniões contrárias ou diferentes. Quer opiniões até quando se trata de fatos ou absolutas desimportâncias que não dão ensejo a opiniões. Na verdade, o que quer é a discussão do detalhe sobre alguma idéia, do que absolutamente não infirma a tolice que reproduziu, de algum aspecto lateral. Assim, segue a conversa sem qualquer dialeticidade, mas repleta de lateralidades inócuas. E mantém-se o monólito da tolice inicialmente colocada para discussão.

O mais terrível, contudo, é não aceitar o silêncio, esta grande homenagem que se faz a si mesmo e ao tolo prolixo…

Reza Aslan é um autor no mínimo sagaz.

O que segue não é resenha do livro Zelote: A vida e a época de Jesus de Nazaré, escrito por Reza Aslan, pela razão suficiente de não o ter lido. A sagacidade de Aslan pode ser percebida sem ler o livro, todavia. Ele teve muita sorte também, deve-se dizer sem mais.

O autor concedeu entrevista a uma fulana da TV norte-americana Fox. Ela fez questão de provar a estupidez do norte-americano médio e de quem o alimenta com informações: principiou a entrevista a perguntar porque um maometano escrevia sobre Jesus…

O escritor fica visivelmente desconcertado com a pergunta – estúpida até por padrões norte-americanos – mas deve ter ficado agradecido ao depois. A indagação dá-lhe ocasião de alinhar os múltiplos graus de PhD que tem, as fluências em línguas, as universidades onde leciona, os livros que escreveu e por aí vai.

Foi ótimo para ele, até porque livros sobre o Jesus histórico há muitos e não é fácil despertar interesse por algum novo. Há basicamente quatro linhas de abordagem neste assunto: uns dizem que Jesus foi só judeu, outros que foi o proposital fundador do cristianismo – e aí há quem proponha ter sido só homem ou só Deus – outros que foi um revolucionário social e uns poucos que dizem o que disse Aslan.

Ele propõe que Jesus foi um revolucionário político nacionalista judeu. Um bandoleiro muito empenhado em contrariar a ocupação romana por meio duma espécie de guerrilha. A mim, particularmente, não me parece a linha mas plausível, mas é defensável, como, aliás, quase tudo que diga respeito a esta extraordinária personagem com tão poucas fontes históricas.

O Jesus mais interessante que já li foi o de J. J. Benítez, que teve a inteligência de fazer crer à maioria que a parte importante dos seus Cavalos de Tróia era a ficção científica. Ele fez uma pesquisa histórica exaustiva e conseguiu escapar à prisão das análises e resenhas acadêmicas, usando essa capa de ficção científica.

Mas, Aslan conseguiu algo raro; muito raro, na verdade. Ele pautou reações judaicas; ele pôs as condicionantes destas reações; chegou perto da anedota. Beira o cômico uma resenha do livro por um fulano também multi PhD, na Jewish Review of Books.

O doutor resenhista ficou com raiva da proposta de Aslan de um Jesus herói da causa nacional judaica, evidentemente. Jesus não é um herói judaico, embora possa ser estudado. Geralmente, é um não assunto, uma desimportância.

Para atacar Aslan e apontar o dedo a supostas imprecisões e ilações, defendeu o Novo Testamento! É, no mínimo, engraçado ler a defesa do Novo Testamento por um acadêmico judeu com raiva de um livro… Isso Aslan conseguiu e não foi pouco.

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