Um grande fenômeno de nossos tempos são as denominadas redes sociais. No Brasil, começou com Orkut e tempos depois chegamos ao Facebook, Twitter, WhatsApp, pra citar algumas das mais conhecidas… Caso é que serviam, a principio, para reencontrar amigos e ver como estão, coisa que antes se fazia com um reencontro de “X anos” de colégio, faculdade, ou o que seja. Logo se tornou local de discussão, quando se descobria que aquele seu amigão de outrora pensava completamente diferente de você, e logo também se tornou algo mais elaborado, a partir do episódio da “primavera árabe“, algo como uma “ágora” do século 21.
Com a evolução, também começaram a haver distinções entre tais redes, em algumas você é meio que obrigado a convivência com os pares a partir do momento que os aceita (como o Facebook), em outras você escolhe as pessoas de sua convivência (como o Twitter), e em outras ainda, você é obrigado a conviver, sem escolhas (como o WhatsApp). Bom, digo isso porque no WhatsApp uma pessoa qualquer pode te jogar dentro de um grupo, e você fica ali, talvez pensando, sair é um bocado deselegante, então tá, deixa ai.
Pessoalmente eu gosto de todas, e acho todas legais, não somente essas três, mas todas as outras que vocês puderem imaginar, inclusive a melhor que é a LastFM, que contabiliza as músicas que você escuta, mas isso é outra história…
Caso é que com a disseminação do WhatsApp no Brasil, pipocaram grupos de discussão de todas as amizades que eu angariei ao longo da vida, inclusive formaram-se algumas nos próprios “grupos”. E no Brasil aconteceu um fenômeno político interessante de “bipartidismo” em âmbito federal, e isso gerou discussões acaloradas, que se intensificaram a priori por dois motivos: o primeiro, parte da imprensa que claramente é reacionária; e o segundo, as eleições.
Mesmo estando fora do país, pela experiência em tais grupos, dava pra perceber que não era uma boa hora para estar lá. Não pelas discussões em si, mais porque boa parte delas se baseia nas mesmas manchetes da imprensa, e acaba tornando-se enfadonho rebater sempre os mesmos argumentos, e ser invariavelmente taxado de seguir algum dos partidos, por qualquer motivo.
Pois bem, acontece que nas discussões, como eu estou um pouco mais distante do país no momento, procurava sempre ter um pouco de leveza e paciência, que não era notável nos interlocutores, fossem quem fossem… Fato claramente gerado pelo clima de animosidade que tocava a todos que estavam no olho do furacão.
Mas, o mais interessante aconteceu com um argumento “tu quoque” usado mais de uma vez, contra o que quer que fosse que eu defendesse, justamente por estar longe: “-Você não está aqui no país, portanto, não deveria opinar sobre o que não conhece!”; “-Você está longe, por isso defende isso!”; “-Sua realidade é outra!”. Todos enfim dizem basicamente o mesmo, que não estar presente invalida toda minha linha argumentativa. Ora, há argumentos tu quoque elaborados, que podem mesmo chegar a confundir. Esse eu classificaria no máximo, como infantil. E se o argumento era esse, ato continuo, eu deixava de discutir e/ou argumentar qualquer coisa que fosse com a pessoa que o proferiu, porque afinal.. Não valia a pena.
Porém as eleições acabaram, e com elas, eu esperava que acabassem as animosidades, coisa que de fato aconteceu na grande maioria dos grupos, e quando, aqui e acolá, aparece alguma, basta não falar e deixar morrer… Mas um caso interessante aconteceu ontem, eu já não comento sobre política em nenhum grupo, há não ser uma piada ou outra que ache engraçada, porque notei que mesmo sem eleições, o clima continua tenso.
Mas, em um de meus grupos, começaram a falar mal do Brasil, que brasileiro era mal educado, enfim, uma série de preconceitos, baseados ou não em fatos, onde todos tinham um objetivo comum, denegrir o país, ou a imagem do país, claro, isentando-se individualmente ao mesmo tempo, de forma que comentários como “Brasileiro não paga metrô (ou ônibus) no exterior, isso é uma vergonha, má educação” acompanhado de “Eu sempre paguei” eram um lugar comum, cito esse, porque foi a minha gota d’água… Mas estavam todos a exprimir-se sobre tudo, desde “jeitinho brasileiro” à “malandragem”.
Como eu estou fora já há algum tempo, e sei que aqui os comportamentos são iguais ou muitas vezes piores, passei a antagonizar algumas das assertivas… Sobre educação, pode-se perguntar a um Holandês sobre a educação dos ingleses, que vão a Holanda destroçar o país, por causa de algumas leis demasiado “permissivas” na opinião dos primeiros… Sobre andar sem pagar, pode-se perguntar a qualquer italiano o significado da expressão “Fare il portoghese“, que vai ai por entrar sem pagar, desde o metrô, até qualquer outro lugar onde você possa entrar sem pagar, mas que seja “obrigado” a pagar. Sobre a fama das brasileiras serem putas, é um problema e existe, mas não é especialmente nosso, veja-se as Russas por exemplo, ou faça-se uma busca rápida no google com os termos, “inglesas”, “festa”, “Ibiza”.
Em suma, todos os comportamentos descritos como sendo de “brasileiros” os há em todas as nacionalidades, claro, observamos os nossos problemas, por conhece-los mais de perto, e sempre nos incomodará mais, um brasileiro estúpido, que alguém de outra nacionalidade ainda que este seja um pouquinho mais estúpido que o brasileiro.
No entanto, o mais interessante veio a seguir, entre a discussão sobre viralatisse brasileira, e política ali nos entremeios, alguém perguntou o que eu fazia para manter-me. Oras, o que eu faço ou deixo de fazer absolutamente não influi na minha linha argumentativa, obviamente a pessoa buscava um argumento “tu quoque” para usá-lo contra mim mesmo, e isto estava implícito no discurso.
Ante a minha resposta jocosa, veio a insistência e era notável que a intenção era a mesma, do “você não está no país, não deveria falar”, só que nesse caso o caminho era mais ou menos “você tem bolsa do governo, por isso o defende”, ou “você não paga imposto, não devia falar de quem paga”, e por ai vai… O motivo da curiosidade era a ajuda a uma terceira pessoa, e/ou falar das dificuldades encontradas por gente que tentou sair do país, e encontrou demasiados obstáculos. O que claramente denotou-se falso a partir do uso da expressão “filhinho de papai”.
Agora, em nenhum momento eu disse o que fazia para me manter, porque nada do que eu faça para me manter invalida qualquer argumento meu, assim como estar fora do país tampouco invalida que eu fale algo sobre o país. E aqui chegamos ao ponto máximo do post, no grupo, eu não sou o único que mora fora do país, há outras pessoas que vivem (no plural) fora do país. No grupo, efetivamente há pessoas (no plural) que são mantidas pelos pais, seja por motivos quaisquer. Não obstante essas pessoas nunca tiveram argumentos rechaçados por viver fora, ou por qualquer outro motivo. Por uma causa muito simples, eles pensam igual ao restante.
Então a conclusão óbvia, mais uma vez, é que se você pensa igual, se é manada, se é massa, tudo bem, pode-se destilar o preconceito que for, o comportamento que for, ou a bobagem do momento, que você será bem aceito no grupo, o pensar diferente será rechaçado, ainda que com bons argumentos, por qualquer razão que se tenha em mente e esteja a mão, sempre que falte um argumento razoável para que continue ou se evolua em qualquer discussão.
Não é a toa que Rachel Sheherazade seja tão popular, mas ainda bem, que as coisas que ela diz só tenham o respaldo que têm no Estado onde ela nasceu, e aqui eu estou sendo tão preconceituoso ao falar mal do Estado, quanto todos foram ao falar mal do Brasil, mas essa não é a realidade da maioria do país, e aqui eu não divido o país em cores, ou partidos, ela não é maioria, ponto final.
Tenho observado comportamentos semelhantes em várias “redes sociais” mesmo.
Entretanto, o que mais me atemoriza é ver a “facebookização” das opiniões.
Tem sido cada vez mais raro ler opiniões e comentários mais elaborados, pensados, aprofundados.
Só vejo comentário raso e leviano, ou como já dizia o Ilustre Constitucionalista Lourivaldo da Conceição, “filosofia de mesa de bar”.
Oremos!
Excelente percepção, Severiano.
Os grupos obstam a discussão em qualquer ponto em que a opinião divirja do aceito massificadamente, ou seja, daquilo recebido empacotado da imprensa.
E obstam com argumentos que poderiam ser bem usados dentro do mesmo grupo.
Belo texto!
Severiano, você foi bastante perspicaz nessas linhas. A facilidade na comunicação, que as tais redes sociais fomentaram, é algo notável, sem dúvida. Contudo, parece que as tais redes nos tomam muito, muito tempo com trivialidades e, na mesma proporção que intensifica a comunicação, leva as discussões à profundidade de uma poça de água. Tudo parece ser maniqueísta, dual e rasteiro. A grosseria encontrou terreno fértil e sente-se muito à vontade para desconsiderar, sumariamente, qualquer argumentação dissonante, fazendo uso de tolices como essas que você relatou (morar fora do país), como também, muitas vezes, o insurgente ocupa cargo público e nada mais deseja senão a manutenção de supostos privilégios. É de uma estupidez notável… Oremos!!!
O campo de batalha virtual
Tinha uma percepção acerca das manifestações virtuais (emails, redes sociais e congêneres) que ultimamente vem se ratificando. A grande rede mundial nos uniu e nos desuniu. É verdade que facilitou por demais os contatos, que se dão instantaneamente; podemos manter uma relação de proximidade com amigos e familiares mesmo à distância; as notícias se dão praticamente quando os fatos acontecem; a divulgação de informações e manifestações foi amplamente difundida. Não há dúvida de que, sob essa ótica, é vantajosa. O problema é que, por causa dela, a presença física ou o contato pessoal com o próximo ou com alguém tem se tornado prescindível.
O contato presencial deixa de ser essencial, e a troca de experiências, ideias, pontos de vista, passa a ser feita de forma equidistante. A emissão de opinião ou indicativo de algum artigo ou reportagem passa a ser verdade absoluta para o emitente, e manifestações em contrário não são bem-vindas. Aí o ego se inflama e se inicia uma verdadeira batalha mortífera de troca de mensagens inflexíveis, com sangue virtual jorrando para todos os lados e uma carnificina eletrônica generalizada. Sim, as redes sociais se tornam em convenientes batalhas campais, arenas de gladiadores e espectadores a se enfrentarem, sem nenhum vencido ou vencedor. Aliás, corrijo-me: sem nenhum vencedor; todos vencidos.
Em geral, quando o discurso ou o embate de ideias se dá presencialmente, guardamos mais o respeito, compreendemos melhor as expressões do outro, podemos até ceder numa ideia aqui ou acolá. Virtualmente, não; minha posição é absoluta; sou o dono da verdade; à prova de críticas.
Mas, há algo de positivo nisso tudo: esse campo de batalha desregrado consegue desvendar o que pode existir de mais mesquinho em nós. Consegue despertar vicissitudes há muito escondidas, latentes, em estado de dormência, anestesiadas, controladas pelas boas regras de convívio social. É a oportunidade que surge para enxergarmos isso, retirarmos as escamas do orgulho e percebermos o quão somos falhos.
Sim, porque, influenciados pelo orgulho, as redes sociais tornam-se nossa companheira de desabafo, nossa psicanalista; por meio dela consigo externar toda verborragia antes controlada no meu íntimo, guardada num baú esquecido. “Ah, internet, não somente és minha companheira, mas tu és a única que me compreendes; tu massageias o meu ego de forma que ele consegue externar toda sua força com potência máxima”.
Bastam algumas horas, talvez alguns minutos, para percebermos o quanto de tempo foi desperdiçado; o quanto de bobagem foi dita; o quanto posso ter magoado alguém.
Nós somos seres que carecemos da convivência social. Faz parte de nossa natureza. O mundo virtual é um caminho sem volta. Se bem utilizado, suas vantagens são excepcionais. Mas, como em tudo nesta vida, há também desvantagens, uma das quais é a tendência de quebrar nosso convívio com o próximo, com os familiares, tirar nossa atenção das coisas importantes que nos circundam; isolar-nos do mundo que nos rodeia e nos rodearmos por um mundo virtual e de fantasias.