António Vieira, jesuíta, poeta e político, escrevia bem e tinha a grandeza dos que, por um lado poetam e, por outro, fazem grandes planos políticos.

Seu plano amplíssimo ainda não deu errado nem certo. Deu, infelizmente, em ser quase esquecido, ou lembrado somente como uma mística ou uma nostalgia sebastianista. Sua concretude voltará à evidência, todavia, ainda que sob aspectos econômicos.

Sua política imediata, sua microeconomia política, essa deu errado. É com relação a ela que devo afastar-me o possível das minhas condicionantes, eu que sou pernambucano e tive ocasião de conhecer um pouco o que são os jesuítas. Devo afastar-me para não perder de vista o grandioso, por conta da rejeição pelo trivial.

Nas suas proposições de política diária, Vieira esforçou-se contra o fanático dos acontecimentos, ou seja, contra Pernambuco da metade do século XVII. Expulsando os holandeses da Província, os pernambucanos punham abaixo a conformação  política que ele  julgava possível. Tratava-se de deixar a Província para os batavos como escambo pela manutenção de Angola. No fim, o fanático dos acontecimentos expulsou os batavos e manteve Angola!

Sua visão era imediata e precisa, sem circunlóquios ou eufemismos. Argumentava que de nada serviria manter Pernambuco sem os negros de Angola. Julgava que a manutenção de um seria a perda do outro e sabia que sem negros não havia produção de assúcar. Provando que entendia bem de negócios, aduzia ainda que a Holanda precisaria de negros e que por isso convinha mais a manutenção de Angola que das terras produtoras.

Apegado ao milagre de Ourique, nega possibilidade, antes, e miraculoridade, depois, à vitória de tropas pernambucanas mestiças sobre a infantaria batava, que não demanda maiores apresentações. O desconcertante feito tornar-se-ia ainda mais assombroso no redobrado afã de ir terminar a guerra em África, o que ocorreu e resultou bem. Ao fim, o que era inconciliável foi conciliado e mantiveram-se Pernambuco e Angola e os holandeses ficaram com o que os enriqueceria: o financiamento das operações.

Vieira compreendeu mal a restauração ou, pelo menos, os detalhes de como ela se faria. Mas, compreendeu bem que havia um sistema de imenso potencial no Atlântico luso, que era necessário escrever para a Corte, tentar fazer D. João IV agir como ungido de Deus e, principalmente, fazer toda essa política desde a colônia.

Nisso de falar desde o Pará e Maranhão está a grandeza dele. Faltou-lhe, creio, em política, falar pára o Pará, o Maranhão, o Rio de Janeiro, Luanda e Pernambuco mas, talvez julgasse não haver audiência. Sua proposta, impregnada de elementos religiosos como qualquer discurso econômico prático de um jesuíta, é ainda bastante prática.

Mas, prática e econômica, é menos substancial que a imagem sutilmente insinuadora de Pessoa, ou fortemente simbólica de Saramago.

Talvez eu esteja a negar-lhe a força da proposta por distância cronológica do seu tempo e dos recursos retóricos que lhe são próprios. É porque temo inserir interpretações que neguem sinceridade ao que chamava desígnios divinos. Não profano os ditos de um grande autor a supor vulgarmente que quando dizia vontade divina dizia união cultural.

Seria mais arrogante refazer António Vieira de modo a ser o que penso, que achá-lo muito comercial para embasar uma idéia tão grandiosa. Então, com o que ele disse fico eu, sem mudanças. Com as vantagens comerciais de monopolizar o comércio de pretos e a necessidade de entregar uma coisa para manter outra rentável.

Mas, Quinto Império, seja na forma de uma conversa de Deus com o Moisés Dom João, seja em qualquer forma, é uma idéia que se não se realizar não será apenas mais um erro de interpretação do cotidiano.