As porções semi-áridas do Nordeste brasileiro viveram esporádicos ciclos econômicos favoráveis. Em regra, deveram-se ao sucesso de alguma cultura agrícola que se adaptou bem a estas plagas abandonadas pelos favores da natureza.
Por um período até longo, reinou o algodão, cultura rentável e viável no clima semi desértico. As coisas foram bem até que uma praga dizimou os cultivos. Até hoje, especula-se ter havido sabotagem na introdução do bicudo, mas parece-me coisa de migração de insetos mesmo.
Na verdade, a cotonicultura no Nordeste já declinava quanto se noticiou a presença do bicudo-do-algodoeiro. Ele veio apenas terminar o pouco que restava e já não era rentável. O cultivo no cerrado já se estabelecera e revelara-se muito mais produtivo.
Nas décadas de 1950 e de 1960 deu-se o apogeu da cultura do agave, espécie de cacto com uma folha larga e longa, a culminar, em cima, num espinho.
Esta planta tem origem nas regiões áridas da América Central e particular fama no México, onde se faz dela aguardente, que a aptidão dos mexicanos para a propaganda fez crer ao mundo tratar-se de bebida boa.
Introduzido no semi-árido nordestino, o agave logo revelou-se bastante rentável e adaptado ao clima inóspito. Dele, o mais precioso são as fibras, de que se fazem boas cordas, inclusive daquelas usadas em navios. Para tanto, é preciso secá-lo e depois desfibrá-lo. Quanto mais longas as fibras e mais claras, mais valiosas as cargas.
Pois bem, lá pelo início dos anos 60 um empresário fazendeiro estabelecido na região agreste do Estado da Paraíba, dotado de visão empresarial e de dinheiro público emprestado a juros irrisórios – é claro – resolveu aumentar a produtividade da sua produção de fibras de agave para exportação.
Depois de pensar um pouco, concluiu não haver o que fazer além de investir na qualidade das fibras, porque aumentar a produtividade por área plantada era impossível. Ou seja, teria que inverter capital na aquisição de máquinas modernas que desfibravam o agave em fibras mais longas e mais clarinhas que as amareladas e curtas mais comuns.
A coisa ficaria meio cara, mas para isso sempre houve um e outro programa do governo para emprestar dinheiro barato, senão a custo zero. Todavia, o homem não visava apenas ao financiamento e ao futuro calote; ele levou as coisas a sério.
As máquinas, na época, eram conhecidas por coronas, de origem alemã. Elas obtinham fibras bem mais longas e mais claras, além de desfibrarem mais folhas por minuto e demandarem menos esforços e riscos dos alimentadores. Nesse ponto, convém dizer que o desfibramento de agave tem a triste memória de muitas mãos perdidas por trabalhadores…
Tomada a decisão, o fazendeiro cuida de fazer contato com a fabricante, na Alemanha. Na época, isso significava encontrar alguém que falasse inglês – alguém que falasse alemão seria um professor de direito da faculdade do Recife e não serviria para a tarefa – e manter vários contatos por telex.
Passados dois meses de negociações, um mês de navio e mais um de alfândega, eis que as coronas chegavam ao agreste paraibano. Com elas, chegava algo inusitado e exótico: um engenheiro alemão para as instalar, explicar como operá-las adequadamente e dar manutenção por curto período.
Os alemães têm fama de gente sério, nisso de trabalho, o que explica o zelo de enviar profissional qualificado juntamente com seus equipamento. As más línguas gostam de acrescentar que o engenheiro tedesco também auferiu boa remuneração pelo seu desprendimento, além de saciar a curiosidade das gentes do frio pelos encantos dos trópicos, é claro.
Fato é que chegaram as máquinas e o sujeito louro e alto, que falava feíssima língua parca de vogais. O coitado do fazendeiro brasileiro teve que dar mais uma volta ao parafuso do seu empreendedorismo e contratar um cicerone falante de inglês, porque do contrário, a presença do alemão e nada seriam as mesmas coisas.
Estranhamente, o alemão adapta-se razoavelmente bem ao calor e aridez causticantes do agreste. Ajudavam, evidentemente, os cuidados do fazendeiro, que providenciou outra geladeira Frigidaire, exclusiva para as indefectíveis Antárcticas do casco escuro.
As dificuldades não eram poucas, principalmente porque a mão-de-obra era tão rústica quanto o agave e via muitas das recomendações técnicas como simples caprichos do galego falante da estranha língua. Mas, as coisas avançavam e aproximava-se o fim da estadia do alemão.
Nessa altura, o engenheiro já adquirira certa desenvoltura entre os habitantes da fazenda e inclusive no povoado vizinho, que certo orgulho fazia chamar de cidade. O gringo ia esporadicamente ao povoado e aprendia uma e outra expressão em português, pronunciadas com um esforço tedesco.
Um dia de fevereiro o calor estava tão intenso que não recomendava cerveja, principalmente depois do almoço, mesmo com a possibilidade daquele providencial cochilo na rede. O alemão chama o cicerone para tomarem o jipe e irem à cidade.
Lá chegados, dirigem-se à bodega na praça e o engenheiro dispensa o intérprete para que fique à vontade e vá visitar aquela viúva piedosa com quem ele travara boas relações de conversas nem tão piedosas. Liberado do acompanhante, o gringo entra na bodega e dirige-se ao dono, que bocejava atrás do balcão de madeira seca e riscada.
Esboça um bom dia e emenda com um água com gás. O homem estranha, mas a cortesia a que todos tinham sido levados, em troca dos dólares do alemão e a bem de se mostrarem civilizados sem fazerem perguntas inoportunas, deixa-o mudo.
Por mais que conviesse ser ou parecer civilizado à base de não estranhar excentricidades, o bodegueiro acha melhor desconfiar, porque era de fato exótico o pedido. O que? – devolve-lhe.
Água com gás! – insiste o alemão, sem exasperar-se.
Tá bom, diz o homem atrás do balcão, se é isso que quer… Retira-se para os fundos, passando por uma portinha estreita e dirige-se aos botijões onde se armazenava querosene. Ia pensando: meu Deus, esse galego é doido mesmo…
Mistura diligentemente o querosene com água fresca, põe num copo, volta e dá ao sujeito louro que suava da testa aos pés. O alemão, todo satisfeito, entorna o conteúdo do copo de uma só vez, regurgita um pouquinho e começa a tontear.
Em menos de cinco minutos, o homem já se contorcia no chão, clamando por Zé Antônio, o intérprete e cicerone. O bodegueiro fica desnorteado e manda um moleque chamar Zé Antônio com a maior urgência. O menino, ladino, objeta que Zé tava naquelas conversas com a viúva.
O bodegueiro dá-lhe uma tapa na nuca e diz: corre lá, menino safado, e chama aquele filho duma égua logo, que esse galego imbecil tomou gás e acaba morrendo aqui!
O alemão escapou, depois de uma verdadeira aventura de cem quilômetros no jipe, por estradas de terra, até chegar na cidade pólo da região, onde havia um hospital. O que não escapou foi a fama do alemão, aquele homem tão cheio de ciência, fazer a estupidez de tomar água com gás…
Sensacional!