A UDN nunca gostou de eleições presidenciais, porque frequentemente as perdeu, ainda que com franco apoio dos meios de comunicação de massas. Conseguiram levar Vargas ao suicídio, conseguiram tumultuar o país após a morte dele, quase conseguem evitar a eleição e posse de Juscelino Kubitschek.
Levaram Jânio Quadros a tentar um golpe, porque começaram a por empecilhos ao governo dele tão logo perceberam que não o manobrariam a seu inteiro gosto. Tentaram impedir a posse do vice-presidente eleito regularmente, com argumentos totalmente inconsistentes.
Então, aliaram-se àlguns ociosos do Departamento de Estado norte-americano e à pior parcela do exército brasileiro e, finalmente, deram um golpe exitoso. Impuseram vinte e um anos de ditadura militar ao país, deformando o que já era mal conformado. Deixaram de herança a crença na violência e na impunidade a partir de critérios econômicos e ideológicos.
Apropriaram-se parcialmente de um governo desastroso, na redemocratização de fancaria de 1985. Ajudaram a fazer uma constituição em que os direitos e garantias fundamentais são meras decorações, em 1988.
Apostaram em um aventureiro, semelhantemente ao que havia ocorrido com Jânio, e o elegeram em 1989. Perceberam que ele – embora não conhecesse limites, era altivo e insubmisso. Depuseram-no sob o argumento de uma corrupção de palitos de fósforo, em defesa de uma moralidade de pervertidos, e ainda induziram as pessoas a crerem que foram elas a retirá-lo.
Tentaram apropriar-se totalmente do governo de um direitista clássico de Minas Gerais, que sucedeu ao Calígula deposto, sem muito êxito. Não reputaram, todavia, necessário depor o liberal que se instalara temporariamente. Breve, assumiriam diretamente por meio de um preposto talhado para a ocasião: um professor absolutamente disponível, profundamente elitista e arrogante.
Triunfaram por oito anos. Para tanto, foi preciso alterar as regras do jogo e permitir a reeleição, algo de que nunca haviam tratado antes e contra que se insurgem quando não podem colher seus benefícios. Valorizaram a moeda nacional mediante uma artificial paridade com o dólar norte-americano, obtida por meio de dólares tomados emprestados a preços altíssimos.
Às vésperas da segunda eleição do francófono submisso, esconderam que o país havia quebrado e obtiveram mais uma dose de entorpecente, na forma de um empréstimo caríssimo de 40 biliões de dólares, autorizado pelo patrão, natural do Arkansas.
Empreenderam uma corrida frenética para vender tudo quanto fosse possível das infra-estruturas estatais, sob o argumento de que o dinheiro apurado serviria ao pagamento da dívida que aumentaram exponencialmente. Não pagaram coisa alguma e discursaram que tinham aberto as portas do país a um maravilhoso mundo novo. Esconderam que era apenas neo-colonialismo e submissão periférica, na verdade.
Estimularam o sentimento de culpa da vítima, segundo o qual os problemas eram de responsabilidade total das pessoas, embora essas nunca se tenham beneficiado de qualquer grande negócio e nunca tenham percebido a fundo o que se passava. Quebraram o país mais duas vezes e finalmente, ao final desse saque de oito anos, entregaram a terra arrasada ao primeiro indivíduo realmente de origens populares.
Incapazes de recuar da impostura – como um gato é incapaz de esconder a cauda – disseram insistentemente que o homem de origens pobres fracassaria e precipitaria o país no caos. Alternativamente, disseram que, caso não houvesse esse caos, seria por conta da benfazeja herança que tinham deixado. Ou seja, depois deles, só podia haver, ou o dilúvio, ou um sucesso que a eles se deveria. O mundo eram eles!
O caos não veio. E o sucesso que sobreveio não se deveu a qualquer herança deles. Deveu-se à mudança evidente de rumo tomado, principalmente na prática de tímidas políticas de rendas mínimas para os mais pobres desse país imensamente pobre. O mercado interno aumentou bastante, com esse tímido aumento de rendas das classes mais baixas.
Aconteceu uma enorme crise mundial – que ainda está aí – e o país foi dos pouquíssimos que não sofreram seus efeitos, senão marginalmente. Eles tinham apostado que a crise destruiria o país, o que aconteceria, claro, se fossem eles a comandar na ocasião. Além de coerentes com sua forma de pensar, a destruição era para eles um desejo sincero. Se a economia fosse destruída, pouco importando os custos sociais disso, eles teriam algum argumento para voltar.
Como de hábito, disseram que o país escapou da crise, ou por acaso, ou ainda por conta das idéias deles, que teriam sido postas em prática. É falso, pois a crise foi evitada precisamente por medidas que eles nunca tomariam. Ao contrário do receituário dos submissos, estimulou-se o crédito e deram-se isenções fiscais a setores escolhidos precisamente. Resultou bem, para felicidade do país e infelicidade deles.
Não compreendem – aqui não vai figura de linguagem – porque seu representante na disputa presidencial deste ano perderá por larga margem. Nisso são profundamente ignorantes, porque convém não apostar sempre que as pessoas escolhem contra elas mesmas. As pessoas vão apostar a favor de si mesmas e elegerão a representante do primeiro homem realmente de origens humildes que foi presidente.
Oito anos sem parasitar o Estado é muito para eles, que se ufanam de fazer discursos supostamente liberais, mas não vivem sem saquear o Estado. Doze anos longe dessa entidade que para eles sociabiliza os prejuízos e concentra os lucros, podem ser o prenúncio do fim. Então, para evitar esse fatal distanciamento, vale tudo.
Eles têm como prolongamento empresas de comunicação de massas, jornais, revistas e TVs, que fazem o papel claro e agora inteiramente desnudo de suas agências de publicidade. No caso das TVs, há uma inconstitucionalidade evidente nisso, porque são concessões públicas, mas eles fizeram deste um país em que as legalidades são relativas.
A mentira, o crime e a impostura estão sendo levadas aos píncaros, em busca de um escândalo – qualquer um serve – que permita atingir a candidata que vencerá. Se não há fatos, criam-se. Se não há qualquer ligação entre os fatos criados e os autores que se querem, criam-se as ligações.
Dispõem também de agentes entre aqueles que deveriam cuidar da aplicação das leis. Então, os agentes mediáticos criam os supostos fatos e forjam relações destes com os que querem atingir e os agentes que deviam cuidar da lei tratam de aplicá-la à criação. Assim, faz-se um golpe com aparência de legalidade.
Assim sempre tentaram, pois é o modelo lacerdista da invocação da legalidade mão única, oportunisticamente e baseada em mentiras. Apenas quando isso não resulta, pensam em formas mais drásticas, como o golpe militar a que recorreram em 1964.
Sucede que não é possível, hoje, essa solução mais drástica. Por isso, apostam no modelo clássico forjado por Lacerda, com a máxima intensidade possível. Sucede que assim como não é viável a solução militar, presentemente, também não é razoável apostar no golpismo mediático-jurídico imune a reações.
E seria profundamente tolo pensar em reações esquerdistas, que isso nunca houve no país. É sensato imaginar reações de todas as colorações, por parte de quem quer que acredite em eleições e por parte de quem quer garantir a eficácia da sua escolha por voto. Ainda que a memória seja curtíssima, poucos ignoram ou são incapazes de comparar o quanto houve nos últimos dezesseis anos e essa percepção está evidente no resultado que se projeta para as eleições.
Se houve melhoras e vota-se por aprovação a elas, dificilmente aceita-se a subversão dos resultados de uma eleição por argumentos sofísticos de palavrório jurídico, ainda que decorado de moralismo de banca de feira. A decoração moralista nada acrescentará ao golpe porque eles não são confiáveis.
É curioso perceber que o descrédito deles advém não apenas de sua histórica prática, mas também de uma estratégia que desenvolveram recentemente. Eles estimularam uma crença de que todos os políticos são igualmente desmerecedores de credibilidade. Fizeram-no para atacar os outros, que aos olhos da população eram muito melhores que eles, de imagem negativa há muito.
Agora a estratégia vai causar-lhes prejuízos, porque se todos são iguais moralmente, são preferíveis aqueles que conseguem melhorar as vidas das pessoas!
Andrei,
A propósito do texto, recordei-me estes de uma de nossas antigas conversas. Se não estou enganado, você dizia haver um acerto político, daqueles do submundo, do mundo verdadeiro afinal, para que, ao final do governo petista de oito anos, o PSDB voltaria à cena com José Serra.
Cá comigo, sem duvidar de sua percepção, sempre achei que não se poderi dar tanto crédito assim à fonte desta informação. Afinal, Brasil é Brasil e política é política.
De toda forma, abordo novamente o tema e lhe pergunto, se existia o acordo de fato, o que houve para que acontecesse o distrato?
Ah, recebi o livro esta semana. Excelente edição. Boas recordações as histórias são. Muito obrigado pelo exemplar. Estão todos de parabéns!!! Abraço.
Daniel,
Já acho que eu estava equivocado. Pensando bem, na época era possível imaginar esse acerto, porque convinha o discurso à própria UDN e o grupo que tinha entrado também não o desmentia.
Se esse acerto existiu, que no fundo não é de todo inverossímil, creio que o distrato deveu-se à virulência dos ataques da UDN, por intermédio da imprensa.
Se houve – os ses devem-se à minha sincera dúvida – pressupunha uma oposição do tipo Aécio Neves ou até Ciro Gomes. Ou seja, uma oposição que não significasse a destruição de tudo o que fora feito antes.
Agora, com essa oposição de udenismo sãopaulocentrista, não há acordo que sobreviva.
Ainda bem que gostaste do livro.
Abraços