Teerão.
Anatole France dizia que a estupidez é pior que a má-fé, porque a primeira é mais laboriosa, descansa nunca, enquanto a segunda pára em alguns momentos. O elegantíssimo escritor furtou-se a tecer algum comentário sobre essas duas inclinações atuando conjuntamente, todavia. Teria sido precioso se o tivesse feito.
Os Estados Unidos da América, falando por intermédio de uma enfurecida senhora Rodham Clinton, querem que seu braço diplomático, a ONU, imponha sanções ao Irã, a despeito do acordo nuclear recentemente celebrado. E, se querem, vão conseguir. A questão é: para quê?
Por apreço a normas e preocupação com a paz mundial não é, a toda evidência, porque se prezassem essas coisas não apoiavam irrestritamente os crimes israelenses. Restam, como possíveis causas, a vontade de fazer uma guerra e de levar mais adiante a encenação de polícia moral do mundo.
Os governantes norte-americanos são mantidos pelo dinheiro das indústrias bélica, energética e pelos bancos e devem a elas submissão integral. Assim, devem atuar em função dos interesses dessas mesmas indústrias. Portanto, uma guerra sempre é desejável, senão não se vendem armas, gasolina e promissórias. Até esse ponto, as coisas podem ser compreendidas a partir da atuação da má-fé. Porém, a estupidez entrará em cena, para tornar pior a situação.
Não convém testar certos limites, ante o risco de gerar situações sem retorno. Quando se testam os limites do discurso mentiroso, distribuindo-o fartamente, produz-se não apenas sua desconstrução. No limite, mais que incoerente ele torna-se desprezível. Em momento posterior, não somente uma linha discursiva, mas toda e qualquer variante, tendem a serem consideradas desprezíveis.
Então, age-se sem apoio teórico, apenas com a força e os interesses. Nesse campo, também, a situação pode fugir ao controle. É lugar-comum que se sabe como uma guerra começa, mas que dificilmente sabe-se como termina. Uma guerra contra o Irã deve começar com os indefectíveis bombardeios aéreos israelenses, mas pode encerrar-se de várias maneiras, inclusive com a destruição de Jerusalém.
Os conflitos põem em evidência conectivos de solidariedade que antes eram ignorados ou desprezados, porque os senhores da guerra gostam de desconhecer a cultura, a história e as religiões. Quando essas ligações evidenciam-se e põem-se a atuar, percebe-se que a guerra foi gerada sem se considerarem todas as variáveis possíveis. Enfim, sem mais palavras, os problemas são muito maiores do que aparentavam ser e certas potencialidades adormecidas acordam.
Curiosamente, depois de despertados alguns seres que se julgavam acometidos por uma doença do sono eterno, alguém tem a idéia de tentar novamente o discurso, aquele mesmo que foi conduzido à categoria de coisa desprezível, por terem sido testados seus limites. Nesse momento, pode já ser muito tarde para tentar curar feridas com palavras, ademais palavras falsas.
Talvez o principal filhote do cruzamento entre a má-fé e estupidez seja a arrogância. Acho que é nessa faixa que circulam os auto-eleitos xerifes do mundo.