São precisamente onze horas da noite. Vizinho ao prédio em que moramos, há uma pizzaria. No prédio em que moramos há muitos velhos e alguns deles doentes. Ou seja, é um lugar bom de morar, porque é silencioso.
Eis que há uma festa de aniversário no restaurante vizinho. A tal festa, como não poderia deixar de ser, tem todos os elementos do mau gosto dominante: um carro que pára em frente, com um fulano ao microfone, aos berros, dizendo pieguices em homenagem ao aniversariante.
Depois da sessão de dramatização vulgar aos berros, fogos, foguetões, um barulho danado. Depois, música em alto volume.
Isso é simplesmente proibido, como inúmeras outras coisas são. É proibido porque agride as pessoas que moram ao redor, evidentemente. Trata-se de harmonizar os interesses dos habitantes de uma cidade. Se tudo for permitido, qualquer invasão das esferas alheias, a bem da liberdade de uns, torna-se a barbárie.
E não se trata de proibir as pessoas de comemorarem coisa alguma. Quer fazer barulho, entra em uma boate fechada e destrói os tímpanos!
Meu caro Andrei,
Vejo que o dia de ontem agrediu, impiedosamente, sua paciência e bem estar.
Sobre a TV a cabo, e outros prestadores de serviços, a complacência dos fiscalizadores leva ao imperativo lógico de que convém prestar maus serviços. A concorrência agredirá de forma similar – um pouco mais ou menos agressiva, talvez – mas similar e provavelmente mais cara.
Quanto aos aniversários públicos, me lembro bem que há pouco estouravam rojões na frente de seu antigo endereço. Este episódio do aniversário que você relatou, além de brega e de extremo mau gosto, deve motivar uma ânsia homicida que, infelizmente, deve ser contida com um cigarro na varanda, um copo de vinho, talvez, mas nada de cianureto. Risos
Imagino que sua atual vizinhança deve ser pacata, mesmo. Mas, sem querer colocar o dedo na ferida ou minimizar o transtorno de sua revolta, já imaginou o que irás fazer quando começarem os festejos juninos? Migrarás para o recanto bucólico de Severiano?
Um abraço
Bira,
Já pensei, meu caro, que eu sou adepto de morrer-se de véspera. Vai ser uma tragédia de barulho, gente, assaltos e maravilhas deste tipo.
Se eu tivesse férias em junho, ia para a Argentina e para o Chile por um mês. Ou para o Perú, ou Equador, ou Colômbia, ou Bolívia, ou para qualquer canto…
Caros amigos, vivencio o mesmo que nosso amigo Andrei. O quase famoso Rancho do Caju vem expandindo seus dias de atuação, sem atenuação, o teto sem forro, diante das visíveis goteiras, faz com que o som decole e com que eu participe da algazarra.
Pensei em ataques glaciais sobre o telhado desta mesma selva.
Ou ataques cibernéticos, retirando-lhes a privacidade com filmagens admoestando a moral dos menos sóbrios.
Mas em busca da socialização, solicito mesmo a ajuda dos nobres advogados.
Grande Abraço
Felipe,
Nós vamos tentando contemporizar, tentando aguentar, vamos pensando, às vezes, que somos radicais.
Mas, na verdade, recuamos diante de um avanço enorme da falta de urbanidade, no sentido mais próprio do termo.
A vida em comum, na cidade, implica regras, para que não vire um vale-tudo que assuma ares de normalidade.
E isso vai acontecendo, na lógica do é assim mesmo. E assim mesmo vai ficando uma vida que se aproxima das cavernas, da vida selvática.
Aqui, em frente à minha casa, por exemplo, há uma loja de motocicletas. Acontece que eles recebem as motos em pellets de madeira e têm que as retirar deles e terminar a montagem.
É óbvio que não têm licença para isso, até porque não têm uma oficina. Fazem nos fundos da loja.
É um barulho dos infernos. E testam as motos, acelerando-as, de manhã cedo.
Estou pensando em filmar isso e entrar com uma representação na Sudema.