Concílio de Trento
Muitos casos de abusos sexuais, geralmente contra menores, vêm à luz. Recentemente, destacaram-se os episódios da Alemanha e os da Irlanda, esses últimos em número escandalosamente alto. O Bispo alemão de Roma diz que tomará providências e o Vaticano, de forma geral, assevera que vem cuidando do assunto diligentemente. A realidade, todavia, não ajuda esses discursos.
Sempre que se fala no assunto, fala-se também do celibato imposto aos sacerdotes romanos. Uns insistem que ele nada tem a ver com a ocorrência de abusos sexuais contra crianças, outros fazem a associação entre o instituto católico e as práticas abusivas de menores.
O celibato não tem raízes históricas longas e não guarda qualquer relação com os primórdios da Igreja. Na verdade, nenhum dos monoteísmos originados na Palestina e na Península Arábica adotou o celibato. Ele é estranho ao judaísmo, ao clero secular paroquial ortodoxo e ao maometanismo. O catolicismo romano adotou-o muito tardiamente, nas deliberações do Concílio de Trento, o da Contra-Reforma, realizado entre 1545 e 1563.
De minha parte, acho tolas as idéias de que o celibato foi adotado por razões patrimoniais, ou seja, para impedir a transmissão por direito sucessório dos bens dos padres. Ora, os padres do clero secular nunca foram conhecidos por sua riqueza, nem na ortodoxia, nem no catolicismo romano. As riquezas imobiliárias sempre estiveram afetadas às Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas e não seriam transferidas por conta da morte dos padres.
Creio, sim, que foi um movimento simbólico, no sentido de reivindicar um estatuto de pureza e desinteresse pessoal. A negação da sexualidade assumiu ares de indício de santidade, no ocidente católico, e isso era interessante de associar-se aos padres, principalmente no auge da disputa com os reformados. A ortodoxia adota o celibato apenas para o clero monástico, por razões bastante claras. Seria muito difícil que vários monges reunidos em um mesmo prédio constituíssem famílias e vivessem com elas.
Contudo, o clero secular não é celibatário na ortodoxia, como não era no catolicismo até Trento. Esse clero, os padres de paróquias, de aldeias, goza de grande prestígio, até porque compartilha com as demais pessoas grande parte dos interesses cotidianos, inclusive a manutenção de uma família. A identificação de padres e fiéis é assim mais fácil e os primeiros inserem-se na realidade e, enfim, satisfazem o naturalíssimo desejo sexual e conhecem efetivamente um assunto que faz parte do dia-a-dia.
Muitos sacerdotes fazem os votos de castidade bastante novos, antes de poderem certificar-se da possibilidade de não apreciarem carne humana viva. E muitos passam a apreciá-la, humana, viva e jovem, sem renunciar ao celibato formal. Frequentemente têm sob sua direção, em colégios, creches e outras instituições, crianças de ambos os sexos, incapazes de escaparem a uma autoridade imensa e socialmente aceita. Dá-se então o problema, que piora com as tentativas de escondê-lo a qualquer custo.
Essas práticas desconformes aos propósitos declarados reforçam nas mentalidades das pessoas a percepção de que há quantidades oceânicas de hipocrisia na Igreja Romana. E, claro, isso contribui para sua perda de prestígio social. Daí que talvez fosse melhor os dirigentes dessa corporação afrontarem a questão sem as tentativas de tangenciar e confundir, como se fossem advogados chicaneiros. Muitos seriam atingidos, mas a instituição poderia diminuir sua percepção pública de mentirosa e hipócrita.
Andrei, recentemente coloquei lá no fusca uma homenagem a um padre holandês que era o capelão da igreja de sta.Terezinha no Derby. Muito amigo da parte lusitana, a parte materna. Minha avó Amélia, católica ferrenha. Lembrei que o padre Francisco nos remete a um tempo em que padres e crianças eram apenas padres e crianças. Com ou sem religião. Mas sem sexo. Sem pedofilia. Eram confiáveis. Não que hoje não existam. Frei Aluizio prá mim é uma figuraça, atuante politicamente e sério até o talo. Mas também na infância dos meus irmãos mais velhos havia um Monsenhor que era pedófilo. E assediou os manos. Que fugiram da sacristia e nunca mais quiseram negócio com a santa madre igreja católica. Escaparam com o hoskoffi fedendo. Nunca vi razão ou razões para o celibato. Você trouxe à luz novamente essa questão e Concílio de Trento e a hipocrisia do Vaticano ficaram nús. A conferir. Noves fora as indenizações milionárias nos EUA. Porque lá, embora minoria no país, as contribuições dos católicos norte-americanos representam um peso extraordinário para os cofres papais. Então…
Domingos,
Eu lembro de ter visto tua postagem sobre o padre holandês. De fato, os abusadores são minoria, creio que tanto ontem quanto hoje.
Mas, fazem um tremendo estrago e suscitam muita rejeição, como o caso dos teus irmãos.
O celibato, acho-o mesmo uma bobagem. Nas cidades grandes, nem tanto, mas nas pequenas eram conhecidos os padres que tinham mulher e filhos. Evitava-se falar, mas existia e deve continuar existindo. Nada prova que isso os torne piores sacerdotes.
O celibato não foi instituído em Trento, concílio ecumêmico em resposta à Reforma Protestante. Ele apenas o afirmou, pois fora contestato pelos protestantes. Ademais, não se faz necessário muito estudo do cristianismo para entender que ele é comum aos primeiros séculos: basta ver a história dos primeiros santos e mártires da Igreja.
Abaixo, texto de D. Estêvão, monge beneditino falecido em 2008.
Celibato: A raiz do problema é outra
ESTEVÃO BETTENCOURT
Para discutir adequadamente a obrigatoriedade do celibato, seja, antes do mais, dito o que ele significa para o Cristão. Conforme São Paulo (Cor., 7,25-35), a vida una ou indivisa é a resposta imediata que o cristão pode dar ao anúncio de que em Cristo já começou a se implantar Reino de Deus. “O tempo se fez breve”, porque entrou nele um pouco; da eternidade; em consequência, Deus pode dar ao cristão o carisma de não se comprometer com família para se concentrar totalmente no serviço do Reino. Cientes disso, muitos clérigos foram espontaneamente abraçando a vida indivisa.
A primeira legislação a respeito deve-se ao Concílio Regional de Elvira (em 307, aproximadamente); e outros concílios regionais repetiram a lei, que se tornou válida para toda a Igreja Ocidental em 1139 (Concílio Geral do Latrão 2º).
Houve quedas e falhas no decorrer dos tempos, mas a legislação se manteve até hoje, dando testemunho de que a vida una e indivisa não pode faltar na igreja, ligada ao sacerdócio ou não (nas congregações religiosas); ela é um sinal de que o homem pode encontrar no infinito de Deus a sua plena satisfação. Torná-la hoje opcional para os clérigos seria o mesmo que aboli-la, pois o celibato é opcional para todos os homens, mas poucos são (afora os religiosos) os que o abraçam.
E abolir o celibato sacerdotal seria uma concessão à onda de hedonismo vigente em nossa sociedade. Mais: um padre casado estaria dividido entre a igreja e a família; nem estaria livre das dificuldades que afligem os casais de hoje, enfraquecidos pela volubilidade e pela infidelidade. Muito significativo é o depoimento de Max Thurian, monge protestante de Taizé (França), que se converteu ao catolicismo: “Nas Igrejas da Reforma foi deixado o celibato à escolha de quem exerce o ministério. Muitas vezes observo as grandes dificuldades encontradas por pastores casados constrangidos a se ocuparem com coisas estranhas ao ministério… E, por isso, eu considero o celibato um tesouro muito importante da Igreja Ocidental”.
Também as pessoas casadas podem ter comportamento escandaloso, como se deu no caso do famoso pediatra de São Paulo. A solução, portanto, não está em extinguir o celibato obrigatório; a quem Ele chama, Deus dá o carisma da vida una. Positivamente falando, a solução do problema clerical está mais a fundo: sejam os jovens formados no amor não só das virtudes teologais, mas também no das virtudes humanas: senso de responsabilidade, fidelidade, lealdade, cultivo da disciplina de vida, do autocontrole e do autodomínio. Sem essa base (tão difícil para quem se acostumou a fugir do sacrifício e da renúncia), nenhum profissional está isento de dar escândalo. “A graça supõe a natureza” (São Tomás de Aquino), de modo que as virtudes naturais bem cultivadas se tornam o receptáculo da graça e do sobrenatural.
Além disso, será necessário que os formadores estejam conscientes de que pode alguém procurar o seminário como fuga ou por julgar que não encontrará seu lugar na sociedade civil; quem chega a ser ordenado nessas condições, torna-se infeliz (por não ter vocação) e faz a desgraça alheia. Em conclusão, vê-se que a revogação da lei do celibato, longe de pôr termo a um problema sério que aflige a Igreja, seria um remendo, que daria lugar a outros problemas. Que seja atacado o caso pela raiz para que a sociedade possa ver na vida celibatária o sinal de que Deus responde plenamente a quem o procura com sinceridade.
Cabe, aliás, observar ainda o seguinte: o problema da pedofilia clerical é muito grave. O Papa o considera um crime e pediu perdão às vítimas de tais abusos. Já que o delito era inesperado, os meios de comunicação o têm comentado amplamente. O mal chama a atenção mais do que o bem, como todos sabem.
Todavia a proporção de clérigos pedófilos nos Estados Unidos é relativamente pequena (deveria ser nula) em comparação com o número de sacerdotes fiéis. Com efeito, o psiquiatra americano A. W. Richard Sipe, que estuda o comportamento sexual de religiosos há 40 anos, declarou o seguinte uma revista de circulação nacional: “Estimo que 6% dos padres americanos tenham tido contato sexual com menores; 4% deles com adolescentes e o restante com crianças”. Isso quer dizer que 94% dos sacerdotes norte-americanos se mantêm isentos de culpa nesse setor. Em consequência, a Igreja, ao procurar corrigir seus graves males, sabe que ainda fica muita dedicação abnegada e silenciosa.
Dom Estevão Bettencourt é monge do mosteiro de São Bento e professor de teologia do Seminário São José, da arquidiocese do Rio de Janeiro. Foi professor de teologia da PUC-RJ.
Davi,
O celibato, no cristianismo primitivo, é próprio da vida monástica, com forte raiz na ascese do deserto, aquela mística egípcia.
Não era obrigatório para o clero secular, como ocorre nas Igrejas Ortodoxas até hoje.
O texto que você apresentou, de um beneditino, inclusive, deixa isso claro. Ele afirma que tornou-se imposição legal em concílios regionais, ou seja, encontros que não reuniam a Grande Igreja.
E esses concílios trataram da matéria no âmbito da Igreja de Roma, apenas. O celibato teria, sempre conforme o texto, tornado-se impositivo na Igreja de Roma em 1139, em decorrência do concílio de Latrão. Ficamos então com que se instituiu em Latrão e se reafirmou em Trento.
Não vejo uma relação absoluta e única entre celibato e casos de abusos de menores por sacerdotes da Igreja de Roma. Esse é apenas um de muitos fatores.
Todavia, não se sustentam as tentativas de fazê-lo derivar, como uma lei, do cristianismo primitivo. Essa fase inicial não conhecia sacerdotes como os entendemos hoje.
Os curas de aldeias do âmbito geográfico do cristianismo primitivo, a Grécia(com a Anatólia, é claro), a Síria, a Palestina e o Egito nunca professaram o celibato.