Pode-se dedicar todo o tempo do mundo a lateralidades e a coisas acessórias quando se trata de falar do Brasil, mas o principal é a hedionda concentração de riquezas. Hoje, os 10% mais ricos detém 42% de toda a riqueza do país. Isso é quase sem precedentes e nenhuma abordagem que se queira séria passa à margem dessa evidência.
Nos últimos doze anos, ou seja, no período que compreende os dois governos do Presidente Lula e o governo em curso da Presidente Dilma, esta concentração recuou e a velocidades maiores que as de outros recuos pontuais havidos anteriormente. Ou seja, o que hoje é terrível, era muito pior.
Essa aceleração na redução de desigualdades na apropriação de riquezas é um dos pontos centrais do ódio votado a Lula e a Dilma por partes da classe dominante, pela classe média alta e pela imprensa de forma quase generalizada. É verdade que a maior parte da classe dominante não se move pelo ódio, porque não se entrega ao luxo de ser estúpida, ela que ganha com o aumento dos mercados consumidores.
Todavia, uma significativa parcela move-se mais por ideologia que por cálculo e a inércia social e econômica lhes permitem essa aparente contradição. As classes médias altas movem-se tanto por cálculo quanto por cólera, pois percebem que a descompressão dos de baixo faz-se em detrimento dela, que vê o custo dos escravos aumentar muito e seus preconceitos moralizantes se esfumaçarem.
As classes médias altas são incapazes de perceberem a melhora do ambiente social como algo que lhe inclua e lhe beneficie, porque só pensa em ganhar mais e não crê que isto seja possível senão em detrimento das camadas mais baixas. Escravos que são, não cogitam aquinhoar-se melhor em detrimento dos de cima, sempre dos de baixo. Escravos e covardes…
A imprensa, em sua maioria, essa move-se por causas que muito dificilmente se poderiam considerar estrategicamente racionais. Ela não foi ameaçada por este tímido mas sustentado movimento de desconcentração de riquezas empreendido pelos Presidentes Lula e Dilma. Pelo contrário, viu seu mercado de publicidade aumentar significativamente.
Aqui, entra em cena outro elemento: ódio de classe. Os patrões da grande imprensa creem-se aristocratas, embora as evidências neguem a qualidade de melhores àqueles que nada mais fizeram que viver de privilégios estatais obtidos à custa de chantagem constante.
Temos no Brasil a mania de confundir as coisas e viver num ambiente de perpétua confusão conceitual. Isso não é devido ao acaso, mas a uma postura calculista inercial, que todos assimilam e praticam sem se perguntarem porque. Assim, costumamos lançar cortinas de fumaça sobre as origens sociais das pessoas e principalmente confundir social e econômico.
Lula foi verdadeiramente a primeira pessoa de origens humildes a obter o poder em nível elevado. Todas as demais, fossem de esquerda, direita, centro ou o que fosse, eram de extração social elevada, mesmo que não fossem nitidamente plutocratas. Isso nunca foi perdoado a Lula: o atrevimento de postular e ganhar eleições, após ter perdido em várias oportunidades e, pior, de cumprir o que dele se esperava.
A maioria esmagadora da imprensa não deu tréguas ao Lula e o assediou insistentemente por oito anos, com mentiras, insignificâncias, deselegâncias, insinuações, manipulações e com propaganda subliminar. A despeito de tudo isso e de terem levado o tribunal supremo a forjar um julgamento criminal sem provas contra pessoas próximas ao Lula, não o conseguiram apear da presidência da república.
Essa insistência da grande imprensa transferiu-se para Dilma, embora sem o mesmo nível de deselegância e vileza, porque Dilma não é propriamente alvo do ódio de classe.
O caminho escolhido pela imprensa conduziu a algo terrível e de difícil reparação, que vitima partidos políticos de situação e de oposição: a idéia disseminada de que todos são iguais e que política é algo indigno.
As idéias mais cretinas, menos elaboradas e mais moralizantes vicejam nas massas. A imprensa investiu contra a política em geral por ter crido esta a única estratégia possível para conduzir à interdição dos Presidentes Lula e Dilma. Ocorre que o efeito foi geral, o que prova não haver venenos de efeitos localizados e destruição limitada.
As massas – aí incluída a classe média alta, que é profundamente massificada – envenenaram-se de um moralismo rasteiro e colérico que rápido pode degenerar na rejeição pura e simples da democracia eletiva e dos direitos e garantias mais básicos. A ânsia de linchamento foi despertada como poucas vezes se viu neste país.
Um efeito imediato desta cólera e deste moralismo de botequim dominantes é a porta aberta para as alternativas ao sistema representativo. Ora, o mais evidente à disposição é um burocratismo pseudo-meritocrático, ou seja, uma espécie de fascismo.
Não creio, particularmente, que isto acontece assim tão drasticamente, mas não posso fingir não ver que a imprensa dominante instigou formas de pensar que abrem caminho para tais formatos.
Outra resultante terrível da campanha da imprensa contra a política em geral e a favor do nivelamento intelectual pelo mínimo possível é que ela não chega a muitos quando quer fazer política editorial de direita a sério.
A imprensa chegou ao ponto de pregar para convertidos nos seus editoriais nitidamente de direita. Ela desqualificou insistentemente a política, promoveu o linchamento, a cólera, a suposta ação direta, mas continua a gostar de falar de política. Quando o faz, a sério, nalgum editorial escrito por um direitista alfabetizado, ninguém lê, exceto os já convertidos!
O grande problema de instigar o que há de pior, mais rasteiro, mais moralizante, mais massificante é que não há resgate ao depois e que essas coisas são muito sedutoras realmente, o que fica provado pela facilidade de sua disseminação.
Outra resultante, talvez a mais terrível, é que demonizada a política e ainda assim incapazes de ganhar de Dilma em 2014, eles terão que recorrer ao golpe da interdição judicial instigada pela imprensa. Mesmo com fortíssima campanha mediática contrária, com os convites para a superficialidade, para o ódio e para o linchamento, a presidente conta com 47% de apoio, segundo pesquisa recentíssima.
A aprovação à Presidente revela que colocar o nada e a cólera como suporte discursivo da oposição não lhe rendeu apoios, porque a cólera vai igualmente em todas as direções e o nada alugar nenhum vai. Novamente conclui-se que, ou se resignam a nova derrota eleitoral, ou partem para o golpe judiciário.
Não acredito na resignação de grupos de direita fascistizantes que nunca conseguiram viver afastados do Estado. Resta, portanto, o golpe.
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