O juiz Baltasar Garzón Real.
Um texto de Andrei Barros Correia
Baltasar Garzón Real é juiz da Audiência Nacional de Espanha, máximo tribunal ordinário do reino. No mundo, tornou-se conhecido por ter processado, julgado e emitido um mandado internacional de captura contra Augusto Pinochet, ditador chileno, por tortura e assassinato de cidadãos espanhóis. Trabalhou a partir de muitas informações, notadamente um relatório da Comissão Chilena da Verdade.
Iniciou investigações sobre o desaparecimento de mais de 100 mil pessoas, durante a ditadura de Francisco Franco. Antes, já trabalhou com os crimes de terrorismo dos separatistas bascos e as detenções ilegais de cidadãos de diversas nacionalidades, encarcerados no campo de concentração norte-americano em Guantánamo.
Por conta da iniciativa relativamente aos desaparecidos do franquismo tornou-se alvo da Falange – ou o que dela remanesce – partido fascista espanhol que dava suporte ao regime franquista. Um notório falangista, o juiz Adolfo Prego de Oliver, do Tribunal Supremo, tomou a seu cargo a tarefa de tentar silenciar Garzón.
Adolfo Prego é patrono da associação neo-franquista Defensa de la Nación Española, firmou um manifesto contra a Lei da Memória Histórica, nunca se furtou a participar em atos públicos a favor do golpe militar de 1936 e da ditadura que lhe seguiu, por quarenta anos. Convém lembrar, também, que o lado político ardorosamente defendido por Adolfo Prego foi responsável pela deflagração da Guerra Civil Espanhola, uma vez que, não aceitando os resultados eleitorais, patrocinou o golpe e a guerra.
O juiz do Tribunal Supremo está a funcionar como magistrado e parte, o que é, no mínimo, repugnante a qualquer direito. Assustador é que isso acontece em um país rico – renda per capita de U$ 33.700,00 – com economia grande e diversificada, produzindo desde laranjas a aviões. Um país que, hoje, pretende-se conhecido por cultivar liberdades, diversidade cultural, letras, artes e ciências.
O recurso contra Garzón deve-se ao fato de estar a investigar os milhares de desaparecimentos sucedidos no longo período franquista e, segundo os ideólogos e magistrados falangistas, isso viola a lei de anistia de 1977. Garzón entende que os crimes de sequestro, por serem delitos continuados, não se sujeitam à prescrição, nem são passíveis de anistia. Entendimento, de resto, perfeitamente consoante às Convenções da ONU sobre direitos humanos. Não obstante, enfrenta processo que pode implicar na sua suspensão das funções judiciais.
Todavia, a Espanha adotou, mais recentemente, a Lei de Memória Histórica. A investigação iniciada por Garzón insere-se no espírito dessa lei. Na verdade, era extremamente improvável que o processo culminasse em punições, porque inevitavelmente seria longo e os responsáveis não poderiam responder criminalmente por uma razão trivial: estão mortos. Fica claro que seu intuito tinha muito de simbólico, e de um simbolismo importantíssimo a estimular o estudo histórico. Se não se estabelecem responsabilidades criminais, ao menos estabelecem-se as históricas.
O juiz Adolfo Prego, ao alinhar-se sem ambiguidades contra a Lei da Memória Histórica, firmar manifestos contra ela, proferir discursos contra ela e participar de associação de destaque da nostalgia franquista evidentemente compromete sua imparcialidade para julgar um tal caso. E, até onde se sabe, a imparcialidade do juiz é um princípio de direito no Reino de Espanha.
Esta questão deve ser compreendida sob a perspectiva política. Além de reação dos saudosos do franquismo, visa a turvar a compreensão e a investigação de casos de corrupção envolvendo o PP, partido de extrema direita espanhol, que flerta – meio dissimuladamente – com as saudades franquistas. O caso está na Audiência Nacional, onde ainda trabalha Garzón.
Pode parecer assunto sem importância, esse. Todavia, convém lembrar que essas coisas em Espanha não costumam terminar bem e que o país tem um peculiar histórico de divisões políticas dificilmente conciliadas. José Ortega y Gasset, castelhano, liberal, direitista, mas anti-fascista e a mente mais clara que o século passado produziu, já advertia dos riscos da ascensão das massas – grupo que não se caracteriza economicamente, nunca é demais reafirmá-lo.
Elas estão no Supremo Tribunal espanhol. Não percebem, essa a imensa cegueira, que é muito mais fácil dividir a Espanha que mantê-la unida. Ou será que somente a querem unida a custo de sangue?
A falange produziu a barbárie, o genocídio, o extermínio em massa. O segundo de franco, que por pouco não foi o primeiro era um verdadeiro monstro assassino, sociopáta. Lembro que o medo do comunismo – e a República espanhola não era um regime comunista, nem socialista – fez com que a inglaterra e a frança fechassem os olhos ao genocídio praticado pelos franquistas. Os assassinos de franco foram apoiados pelos católicos norte-americanos, que mandaram dinheiro para financiar o assalto ao poder. O México foi um dos poucos países que apoiaram a República, assim como a URSS stalinista, que enviou assessores técnicos e armamentos. Mas o apoio nazista não rendeu frutos. Na segunda guerra os franquistas – comprados a peso de ouro pelos ingleses – mantiveram a neutralidade.
Bem lembrado, Germano. A compra da neutralidade espanhola, na II guerra, dá idéia, tanto da perfídia, quanto do oportunismo do regime franquista. É notável que a neutralidade do Portugal salazarista custou menos, em dinheiro e em dignidade, porque Lusitânia não foi palco de testes da Wermacht.
A república não tinha qualquer traço comunista, apenas era democrática. Foi o suficiente para despertar os ânimos dos Ford do mundo.
Aliás, sobre os norte-americanos fascistas, Gore Vidal tem belas páginas, em a Era de Ouro, por exemplo. E ele era do inner circle.
Não conhecia o trabalho do Gore Vidal. No caso da participação da Espanha na Segunda Guerra, é muito peculiar a atuação dos chefes dos espiões nazistas, o Almirante Canaris. Anti-Hitler, ele fez o que pode para impedir a entrada do fascínora franco ao lado da alemanha (sobre isso, o livro “Canaris”, recém editado em português). É interessante a forma como os ingleses compraram os espanhóis e ludibriaram hitler – que tentou até quando foi possível um acordo com a Inglaterra, país que ele admirava (ver o livro Rudolf Hess, também recém editado em português).
Pois é. Essa crença de Adolfo Hitler no acordo com a Inglaterra é constrangedora para os ingleses, que tentam escondê-la até hoje.
O episódio de Dunkerque é interessantíssimo. Havia ordens expressas para deixar os ingleses se retirarem sem maiores baixas, o que contraria a propaganda do heroísmo britânico.
Enfim, não se pode sair dizendo que os ingleses contaram com a complacência de Adolfo Hitler. Na verdade, o projeto dele era bélico com relação ao leste e, com relação ao oeste, era europeu, mas tedesco-cêntrico, é claro.
Deve-se mencionar ainda que, apesar da neutralidade, a espanha enviou para URSS, ao lado das Waffen-SS, a sua Legião Azul. Penso que os atuais falangistas estão saudosos dessa fatídica legião Azul, que levou um pau lá em Stalingrado. A legião cruzou a cidade de Lourdes em portugal.