Em 1952 – ou terá sido em 1953, não sei bem – João Belchior Marques Goulart assumia o Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio, no governo de Getúlio Vargas. Sucedia a Segadas Viana, desgastado, que tinha sucedido a Danton Coelho, mais desgastado ainda. Isso, busco na memória de ter lido, que na de ter vivido é impossível.
Em 1953, Jango fez uma viagem ao Norte e ao Nordeste do país. Iniciou por Manaus, passou por Belém, São Luís, Teresina, Parnaíba, Fortaleza, Mossoró, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió e Aracajú. Quando o avião da força aérea pousou no Santos Dumont, no Rio, na volta, a multidão invadiu a pista. Foi preciso estacionar o avião antes do pátio, porque havia gente demais.
João Goulart era um homem bem-nascido e bem educado. Rico, filho de fazendeiro de gado na fronteira com a Argentina, tinha enorme visão empresarial. Percebeu a oportunidade de ganhar muito dinheiro com invernadas, ou seja, engordando o gado rapidamente, em pouco tempo e em pouca extensão de terras. No começo da década de 1930, Jango comprou um avião de dois lugares, pois facilitava as deslocações entre São Borja, a fazenda e Porto Alegre.
Em 1946, a escrituração contábil de Jango revela um patrimônio de U$ 500.000,00, ou seja, de um homem realmente rico. Nada obstante a riqueza e a origem, ele tinha enorme facilidade de comunicar-se com as pessoas, independetemente da classe social; era um sujeito simpático, enfim.
Getúlio Vargas foi deposto da presidência da república em 1945. Voltou para São Borja e foi morar na casa do irmão. Ele tinha nada, nenhuma pensão, aposentadoria, nem dinheiro. Tinha a herança ainda não dividida do pai. Precisou abrir inventário e obter um pedaço de terra e casa para viver, a Fazenda Itu, creio eu.
Essa observação, faço-a com o propósito de dar um pouquinho de história nesse momento de alucinação, em que maniqueísmo, ignorância, ânsia de ver sangue, corpos desmembrados, tudo isso mistura-se para turvar a política brasileira. O fato de Getúlio ter saído de 15 anos de presidência sem nada mais do que tinha 15 anos antes nunca foi contestado nem enfatizado. Foi o que tinha que ser.
Getúlio era contemporâneo de Vicente Goulart, o pai de Jango, já morto pelo ano de 1945. João Goulart começa a visitar o ex-presidente isolado na Fazenda Itu e desenvolvem uma relação íntima e paternal. Jango era amigo de Maneco Vargas, filho de Getúlio; ia quase todos os dias conversar com Vargas; respeitava-o bastante.
Jango entra na política. Articula a campanha presidencial de Getúlio para 1950. O homem é eleito por larga margem e volta ao Catete. Jango elege-se deputado federal e vai morar no Rio de Janeiro, no Hotel Regente. Quase todos os dias visita o Presidente, no Catete, onde conversam de política e de tudo.
O Presidente dá a João Goulart um gabinete no Palácio do Catete e, ano depois, o nomeia Ministro do Trabalho. João Goulart entra na cena das negociações entre trabalhadores e patrões e obtém popularidade com uns e com outros. Deixa o meio da repressão – clássico com relação às greves – e passa a conversar. O seu vice-ministro – não existe o termo – Hugo de Faria, um homem anti-comunista convicto, lembra-se de uma pessoa com paciência quase infinita.
Getúlio viveu situação complicadíssima. Os seus 15 anos de presidência e ditadura anteriores, entre 1930 e 1945, tinham pouco a ver com esse período presidencial para que fora eleito em 1950. Em 1951, depois da guerra, enfim, Getúlio iniciou a presidência quando iniciava-se o período em que a dicotomia nacionalistas e entreguistas fazia sentido.
Getúlio era nacionalista. O país uma enorme reserva de recursos naturais e de mão-de-obra semi-escrava. O que ele visava era apenas inserir o Brasil no capitalismo, coisa que ainda está por ser feita, hoje. Industrializar o país era prioridade, mas isso conflitava com a noção ortodoxa da inclinação natural para exportação de recursos naturais, que é a perspectiva dos defensores semi-letrados embasados na leitura a duas páginas da teoria das vantagens comparativas.
É claro que Getúlio seria deposto. Ocorre que o getulismo era popular e tinha herdeiros declarados.
Jamais um “estanciero” como Goulart seria comunista. O que os militares queriam evitar era um novo governo Vargas ou um regime semelhante ao do caudilho Perón.
Depois da aventura com Carlos Luz, Lacerda foi para a embaixada dos EUA. Isso diz muito sobre as origens dos golpes.
“perspectiva dos defensores semi-letrados embasados na leitura a duas páginas da teoria das vantagens comparativas.”
Hoje os semi-letrados ortodoxos se embasam na leitura de duas páginas da veja
Ou de algum almanaque de ciência decifrada, meu velho.
Parece alguma figura que se encontra no Miúra por esses tempos? kkk
kkkk