Os indivíduos de extração aristocrática não fornecem os melhores exemplos de farisaísmo. Oferecem, claro, os melhores retratos de decadentismo, de certo anacronismo e, geralmente, de indiferença. Como o termo aristocrata, hoje, é muito impreciso, e mesmo impróprio, ele pode ser indutor de confusão. Basta lembra que é corrente tomá-lo por sinónimo de rico, o que não está conforme às suas raízes históricas.
Pode-se reter do significado original algo aproximado a um estoicismo de intelectuais de relativas posses. Fica evidente , então, que remanesce somente a palavra, utilizada para denominar os mais ricos que têm algum gosto. Para o que se aborda, essa delimitação deve bastar, porque a intenção é apontar dois grupos sociais e evidenciar um comportamento mais associado a um deles que a outro.
A pequena introdução justifica-se pela dificuldade de distinguir grupos sociais por critérios mais abrangentes que a mera detenção de um nível de renda. Por esse último critério, é bastante fácil estratificar as pessoas em classes A, B, C, E e até ao infinito. Todavia, das classificações essa é a menos precisa para revelar formas de pensar e para estabelecer identificações recíprocas. Um milionário e um médio-classista podem estar muito mais próximos ideológica e comportamentalmente do que suas diferenças de fortuna permitem supor.
Aceitemos, então, que aristocrata e pequeno-burguês são termos que designam grupos sociais. Insisto, sociais, não necessariamente econômicos. Os primeiros – sejam decadentes, sejam delinquentes, sejam o que forem – não esperam aceitação, nem afirmam a diferença, simplesmente crêem que ela existe. Isso é a matriz da arrogância, que em sociedades de massa engendra a degeneração da indiferença, fermentada na ignorância. Como não têm, em sua vasta maioria, reais méritos, são um simulacro. Mas, uma coisa é certa, não carregam culpas e são subjetivamente passivos.
O pequeno-burguês não despreza, pois que essa é uma postura passiva a supor um sentir-se confortável, previamente. Ele atua diferentemente do aristocrata degenerado, servindo-se de quanto dispõe, ou seja, do arsenal criado na sociedade de massas. Arsenal de modos sociais legitimamente pertencente a ele, antes de qualquer outro, pois é a criatura dessa sociedade. Assim, ele não tem o aspecto de farsante do aristocrata anacrônico, ele é mais real, maneja o que lhe pertence: o psicologismo e a chantagem.
O farisaísmo é, para o tipo pequeno-burguês, a forma de emular o aristocrata. Nisso, ambos se associam brevemente no caráter farsesco: uns comportam-se como se fossem o que não são; outros querem se comportar como os primeiros e tornam-se farsantes em duplo grau. O pequeno-burguês acha que o aristocrata é fariseu e por isso torna-se um.
Confundindo um e outro traço de dignidade com chantagem de quem quer aceitação a qualquer preço, torna-se em chantagista contumaz, embora pense estar assumindo atitude de altivez e superioridade. Não consegue ser realmente arrogante porque a chantagem farisáica é um apelo por aceitação e define-se dentro de um grupo, por menor que seja ele. Realmente, o fariseu não se isola, mas busca outros com que relacionar-se.
É muito difícil ver de baixo para cima, pois há o ofuscamento. No final, não se vê, mas, precisando-se crer que alguma coisa foi vista, assumem-se as sombras e as claridades fulgurantes como a imagem do que se buscava. Quem está em cima – ou acredita estar – não se ofusca; confunde-se na horizontal e perde a ocasião de desfrutar do belo espetáculo que é mirar desde os pontos altos. São confusões diferentes.
O pequeno-burguês acredita que a essência do ser aristocrático é o comportamento de monastério, ou seja, aquele em que um grupo cultiva a solidariedade a partir da possibilidade constante de mútuas acusações e onde cada qual vive a proclamar sua pureza. Isso é radicalmente diferente, tanto do que se entendia originalmente como aristocracia, como do que se entende hoje. A proclamação da pureza e a utilização da chantagem são diametralmente opostas ao que o fariseu pensa atingir.
A imagem distorcida no espelho do pequeno-burguês farisáico é da máfia, não da aristocracia. Então, tomando por princípio proclamar sua pureza, chantagear psicologicamente e buscar freneticamente aceitação social em um grupo, não caminha para tornar-se o aristocrata que figura – seja o original, seja o deformado – ruma para tornar-se mafioso.
Uma aula de sociologia …
Isso com três copinhos de vinho, um final de tarde de primavera e um interlocutor bom, pode virar até tese de mestrado…